terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O primeiro de muitos títulos de um "amor" que despontou há 100 anos atrás

Se existe modalidade em que Portugal se pode considerar o país mais rico no que concerne a títulos de alto gabarito internacional, essa modalidade é sem margem para dúvida o hóquei em patins. Títulos mundiais, europeus, torneios de enorme prestígio além fronteiras fazem com que a nação lusitana ocupe um lugar de destaque no hóquei patinado planetário. O hóquei em patins foi aquilo o que podemos chamar de uma paixão à primeira vista para o povo português, uma paixão travada há precisamente 100 anos atrás, no outono de 1912. No dia 15 de outubro desse longínquo ano o inglês Arthur Vleeschower, professor de patinagem, tentou pela primeira vez implantar em solo luso uma modalidade cuja origem remonta à Antiguidade Clássica, na Grécia, mas que em termos de modalidade desportiva como hoje a conhecemos surgiu nos finais do século XIX, em Inglaterra.

Voltando ao célebre dia 15 de outubro de 1912 digamos que os acontecimentos então verificados foram pautados por um certo desnorte, isto é, os intervenientes nesse ensaio não tinham grandes conhecimentos técnico-táticos, além de que os equipamentos eram para lá de rudimentares! Apesar de tudo a nova modalidade conseguiu desde logo despertar uma certa curiosidade e encanto entre os portugueses.
A chama da paixão começava a deflagrar. Nos anos seguintes foram pois várias as tentativas de dinamizar o hóquei, e em 1915 ocorreu em Lisboa aquele que pode ser considerado o primeiro jogo mais a sério de uma modalidade que haveria de trazer a Portugal décadas mais tarde tantas e tantas alegrias. Disputaram esse encontro duas equipas do (clube) Desportos de Benfica, que na época era o proprietário de um dos melhores rinques de patinagem do país, situado na Avenida Gomes Pereira, na freguesia lisboeta de Benfica. Equipados a rigor (vestiam camisola e calça) os jogadores de ambos os conjuntos interpretaram o jogo segundo as regras importadas do hóquei no gelo, adaptadas por Rogério Futscher, um dos grandes impulsionadores - e praticante - do hóquei patinado a nível internacional. Conta-se que na altura ainda não existiam as tabelas, sendo que os limites da pista eram substituídos por linhas brancas.

Em 1917 acontece em Portugal o primeiro confronto entre dois clubes diferentes. Frente a frente estiveram o Desportos de Benfica e o Recreio e Desportos da Amadora, que mediram forças no rinque do primeiro clube. Nos anos que se seguiram a modalidade cresceu em lume brando, digamos assim, disputando-se alguns campeonatos não oficiais sob a tutela do Sport Lisboa e Benfica, que entretanto havia criado uma equipa de hóquei em patins.

Até que em 1921 a modalidade conhece um enorme avanço em Portugal. É fundada a Liga Portuguesa de Hockey, e com regras do hóquei em patins internacional organizam-se os primeiros campeonatos oficiais, cabendo ao Benfica o estatuto de primeiro grande colosso da modalidade em terras lusas, já que entre 1925 e 1935 o clube encarnado dominou todas as provas disputadas.
Nos dez anos seguintes outros clubes começaram a impor-se e aos poucos foram acabando com o reinado dos benfiquistas, casos do Sporting, Futebol Benfica, e do Paço de Arcos.

Em termos de seleção nacional o primeiro grande momento aconteceu em 1930, ano em que o combinado português participou naquela que era até então a única competição de cariz internacional ao nível de seleções, o Campeonato da Europa. A Inglaterra era na altura a grande potência do hóquei europeu, tendo vencido com relativa facilidade os quatro primeiros Europeus (1926, 1927, 1928, e 1929), partindo para esta 5ª edição do certame como a principal favorita, senão mesmo a única favorita, à conquista do ceptro, algo que com... naturalidade viria a acontecer, e se viria a repetir durante os sete Campeonatos da Europa que se seguiram!

Depois destas 12 vitórias noutros tantos campeonatos realizados o hóquei patinado britânico deixou de reinar no Velho Continente (e no resto do Mundo), dando então lugar ao braço de ferro protagonizado por Espanha e Portugal, que ainda hoje se mantém com uma ou outra intromissão da Itália pelo meio. Mas é em 1930 que Portugal aparece pela primeira na alta roda do hóquei internacional, mais precisamente em Herne Bay. localidade costeira inglesa que acolheu o certame continental. Os poucos recursos financeiros que o hóquei lusitano tinha naquela época fizeram com que esta viagem até Inglaterra tivesse sido uma aventura recambulesca, cheia de episódios caricatos conforme relatou posteriormente Fernando Adrião, o então guarda-redes de uma seleção nacional que era constituída na sua totalidade por jogadores do Benfica, recorde-se a melhor equipa lusitana de então. «A ida a Inglaterra só foi possível porque houve um empréstimo de quatro contos de réis. O meu equipamento, por exemplo, não era reduzido - era antiquado: patins de adaptar ao pé, luvas de futebol, caneleiras de críquete. Uma vez um patim saiu-me do pé, atingindo a altura de um primeiro andar. Deixou os adversários em pânico! A comida era toda doce. Até bacalhau com doce comemos!». 

Seis anos volvidos a Alemanha dominada por Adolf Hitler acolheu a 9ª edição do Campeonato da Europa e simultaneamente a 1ª do Campeonato do Mundo. Passamos a explicar. Os Europeus de 36, 39, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, e 56 eram também considerados Campeonatos do Mundo, ou seja o vencedor do Europeu era também rotulado Campeão do Mundo, e vice versa, sistema que só findou em 1957, quando as duas competições foram separadas. Pois bem o 9º Europeu que coincidiu com o primeiro Mundial teve em Portugal uma das equipas sensação. Em Estugarda, debaixo de um ambiente para lá de hostil - a ditadura nazi ditava leis - os portugueses conquistaram a medalha de bronze, sendo superados apenas pela crónica campeã Inglaterra e pela vice-campeã Itália.
Este terceiro posto foi recebido com uma onda gigante de entusiasmo em terras lusas, e quando os jogadores chegaram ao Rossio (Lisboa) foram recebidos como verdadeiros heróis nacionais.

1947: o início do reinado lusitano

O hóquei em patins tinha conquistado definitivamente o coração dos portugueses, não demorando muito a ser considerada a segunda modalidade de eleição do país logo atrás do futebol.

A popularidade do hóquei crescia de ano para ano, e apercebendo-se disso o regime fascista que imperava em Portugal logo tratou de se agarrar à modalidade e dela fazer uma das suas bandeiras de propaganda política junto do povo. E a primeira - ou uma das primeiras - medidas que o Estado de Salazar decidiu levar a cabo foi trazer a Portugal o grande evento do hóquei em patins internacional da altura, o Campeonato do Mundo, que era também ao mesmo tempo o Campeonato da Europa. António Salazar tratou a "pão de ló" uma seleção nacional que estava habituada a viajar em «terceira classe, viagens envoltas em miscelânia de odores a galinha assada, peixe frito ou sardinhas de conserva, que causavam naúseas, passando, depois, pelo cheiro de corpos mal lavados», conforme recordaria um dos grandes hoquistas da altura, António Adão.

E em 1947 este cenário mudou por completo. Os jogadores passaram a usufruir de inúmeras mordomias patrocinadas pelo Regime Fascista de Salazar que até então não conheciam, e foi pois como verdadeiros lordes que levariam um país inteiro ao delírio na sequência da conquista dos títulos mundial e europeu. Lisboa, e o Pavilhão dos Desportos, acolheu uma competição dominada amplamente por uma talentosa seleção portuguesa, composta por lendas como Emídio Pinto, Cipriano Santos, Olivério Serpa, Sidónio Serpa, António Soares, Correia dos Santos, Álvaro Simões, e Jesus Correia, este último o atleta dos "dois amores", já que para além de um exímio jogador de hóquei era um fabuloso futebolista, tendo feito parte dos célebres "5 Violinos" do Sporting.

Imortalizados desde logo pelo povo lusitano os conquistadores do(s) primeiro(s) grande(s) título(s) do hóquei patins português receberam anéis de ouro, adornados com brilhantes e safiras, cigarreiras de prata, apólices de 50 contos contra acidentes pessoais, e até estojos de pó de arroz! Todo o país chorou de alegria com esta conquista, até o próprio António Salazar, que ao que parece não conteve as lágrimas assim que teve conhecimento que Portugal era campeão do Mundo. Um título repetido mais de uma dúzia de ocasiões nas décadas seguintes, assim como os de campeões da Europa, onde a seleção portuguesa é por esta altura a mais titulada, com duas dezenas de ceptros nas suas vitrinas.

Legenda das fotografias:
1-Seleção de Portugal que conquistou o Mundial (e Europeu) de 1947
2-A cerimónia de inauguração do Campeonato do Mundo (e da Europa) de 1947, no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, local onde decorreu o certame que coroou pela primeira vez os lusos como reis do planeta do hóquei

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