sexta-feira, 20 de abril de 2018

Hóquei em Valongo – Uma fervorosa paixão sobre rodas


Atreve-mo-nos a afirmar que serão poucas as terras deste nosso Portugal onde o futebol não assume o estatuto (indiscutível) de Desporto Rei. Esta suposição assume contornos de certeza em pelo menos uma localidade nacional, situada a norte, na região do Grande Porto, famosa a nível nacional por ser o berço da regueifa, do biscoito, da ardósia e… do hóquei em patins. Valongo, é o nome da terra em que o hóquei patinado stica para fora do rinque as atenções dadas ao fenómeno futebol, por outras palavras, a terra onde o hóquei em patins é rei, é a modalidade que dita leis em Valongo… onde o futebol passa completamente despercebido!
Vem isto a propósito de uma recente remexida no baú das (minhas) lembranças profissionais, em que dei de caras com uma entusiasmante reportagem sobre a história da Associação Desportiva de Valongo (ADV), o popular Valongo, que ainda há pouco (2014) surpreendeu o Mundo na sequência da conquista do título de campeão nacional da 1ª Divisão de hóquei em patins. Essa incursão profissional à “capital do hóquei em patins nacional” – é assim que os valonguenses se referem carinhosamente à sua terra, alegando que ali se vive a modalidade de uma forma diferente daquela que se vive no resto do país –, que na verdade mais não foi do que uma bela tarde passada na companhia de dezenas de memórias sobre a vincada paixão desta cidade às portas do Porto pelo hóquei, deu-se na abertura da exposição “Hóquei de Valongo – Um percurso sobre rodas”, a qual havia estado patente entre abril e agosto de 2013 no Museu Municipal de Valongo.
É pois o relato dessa viagem por algumas paragens da história da ADV – relato esse efetuado para o órgão de comunicação social para o qual eu trabalhava – que aqui se publica no sentido de perpetuar nestas vitrinas virtuais esta curiosa paixão sobre rodas de Valongo pelo hóquei.

Hóquei de Valongo: uma fervorosa paixão em exposição

«Dúvidas parecem não existir de que o hóquei em patins é de longe a modalidade rainha em Valongo. Uma conclusão muito fácil de tirar não só pela visível paixão semanal que os valonguenses demonstram pela sua Associação Desportiva de Valongo mas também aquando da inauguração da exposição “Hóquei de Valongo: Um Percurso sobre Rodas”, na passada noite de 5 de abril (2013), no Museu Municipal, local onde os muitos visitantes que marcaram presença na abertura do evento – mas também os muitos outros que já lá deram uma vista de olhos nos dias seguintes – puderam embarcar numa fascinante viagem ao passado para conhecer – ou recordar – a história daquela que é uma das grandes marcas de referência do nosso concelho, a Associação Desportiva de Valongo (ADV).

Fundada em 1955, a ADV é para o povo valonguense mais do que uma mera coletividade desportiva, é acima de tudo uma paixão, uma fervorosa paixão, para muitos até um modo de vida. A história do popular Valongo confunde-se com a da própria cidade que lhe dá o nome, e até mesmo com o do restante concelho, não sendo nada exagerado dizer que o hóquei patins foi – e continua a sê-lo – um dos principais responsáveis pela colocação da marca “Valongo” no mapa nacional e internacional ao longo destas quase seis décadas de história. É um pouco essa a ideia retirada após o visionamento desta fascinante exposição que conta de fio a pavio a não menos fascinante vida da ADV.

Percorrendo os caminhos da História

Deambulando pela montra de memórias os olhos arregalam-se quando encaramos de frente as vitrinas espalhadas pelo local, que guardam os rostos das primeiras lendas do clube, das primeiras equipas, tudo envolto na magia do “preto e branco”. Em paralelo encontramos as linhas que traçam a história do Valongo. Os tempos em que grupos de rapazes empolgados com as inolvidáveis campanhas internacionais da seleção portuguesa de hóquei de finais da década de 40 e princípios da de 50 recorre às hortas locais (!) para poder imitar os seus heróis dos rinques. As hortas? Perguntar-se-á por esta altura o leitor. Sim, às hortas, já que sem meios económicos para comprar os sticks de madeira com que se jogava ao hóquei os rapazes de Valongo utilizavam os talos das couves para sticar as bolas de trapo. João Lino do Vale era um desses meninos que sonhava dia e noite com o hóquei em patins, e não demorou muito a organizar jogos inter-ruas na Fábrica “A Separadora”, em Campo. Brincadeiras que seriam oficializadas em 1955, ano em que Lino do Vale e o restante grupo de amigos fundam a ADV. 

De lá para cá a história faz-se com vitórias, muitas, com dezenas de conquistas – que podem ser comprovadas com os muitos troféus de campeões (regionais e nacionais) aqui expostos – com a formação de lendários hoquistas portugueses, e com centenas de factos desportivos que entraram para a história do próprio concelho de Valongo. Factos que estão eternizados em jornais, cujos “recortes” passados estão agora vivos nesta exposição. Um desses recortes – que nos chamou particularmente à atenção – remonta a 1978, ano em que o Valongo garantiu a qualificação para a Taça dos Clubes Campeões Europeus! A história mereceu honras no jornal “A Bola” da época, que dá uma página inteira (!) ao feito alcançado pelo emblema do nosso concelho. Nas páginas esbatidas pelo tempo recordamos o derradeiro jogo do campeonato nacional de 78, quando um empate a dois golos em casa diante do Oeiras garantiu a qualificação para a prova rainha do hóquei patinado europeu da época seguinte. Recordamos os festejos que se seguiram a esse feito, com o povo valonguense a carregar os seus heróis em ombros. A estreia na Europa deu-se então na Alemanha, mais precisamente em Iserlohm, onde nomes como Aguiar, Lino, Armindo, Pires, Américo, Queirós, Camões, e Vítor Francisco ascenderam ao patamar das lendas. Foram eles que apresentaram o Valongo ao “Velho Continente”. E já que falamos em nomes lendários do clube não podemos esquecer Eugénio, Carlos Camões, António Vale, José Nora, José Alves, entre muitos, muitos outros ícones dos patins e do stick que nasceram no Valongo e ajudaram-no a catapultar-se para os patamares mais altos do hóquei nacional e internacional.
E se estes homens tiveram um papel fundamental dentro do campo – ou do rinque, melhor dizendo – outros tiveram-no fora dele. Foram os dirigentes, casos de João Alves Vale, Joaquim Paupério, Álvaro Reis Figueira, e mais recentemente João Carlos Paupério, também eles com direito a destaque nesta exposição.

Nesta viagem pela história da ADV chama igualmente à atenção a vitrina onde estão guardadas algumas memórias alusivas à grande rivalidade existente com o FC Porto. Recordamos jogos emblemáticos daquele a que muitos chamam de dérbi do norte. Ante o rival azul e branco são célebres os jogos realizados (a céu aberto) no rinque da Praça Machado dos Santos, o popular “largo do patos” (já desaparecido), casa do Valongo durante anos a fio, numa época em que o atual Pavilhão Municipal ainda não havia sido erguido. Jogos em que os ramos das árvores em redor da citada praça se transformavam em “explosivas” bancadas repletas de fervorosos adeptos valonguenses que faziam do local um verdadeiro inferno para os adversários, em especial para os portistas, o velho inimigo, por assim dizer.

Histórias e factos que podem ser vistos e escutados pela voz de muitos dos próprios intervenientes desses acesos duelos, num documentário gravado que passa nos ecrãs espalhados pela exposição. Muito bom este pormenor».  
Devo dizer que esta foi das reportagens que mais prazer me deu, muito pela inolvidável viagem no tempo que fiz nessa tarde do não muito longínquo mês de abril de 2013. A ADV assume-se hoje como um dos grandes clubes do hóquei nacional, ombreando sem medo com os chamados “grandes” do desporto nacional: Benfica, FC Porto e Sporting. O ponto alto da vida da popular ADV seria vivido curiosamente um ano mais tarde após esta exposição ter estado patente, altura então em que o sonho de uma cidade inteira se tornou realidade: Valongo era campeão nacional de hóquei em patins. Feito esse que enquanto profissional da comunicação tive igualmente o privilégio de viver  in loco, e o qual passo a aqui a recordar nas linhas que nesse dia me saíram da alma: 

Valongo, campeão nacional da 1ª Divisão em 2013/14
«31 de maio de 2014. Dia em que se decidia o vencedor do Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Todos os caminhos iam dar a Valongo, e ao seu pavilhão municipal, que acolhia uma autêntica final entre as duas únicas equipas que poderiam ainda sonhar com o ceptro de campeão, a Associação Desportiva de Valongo e o Futebol Clube do Porto. Aos portistas bastava um empate para revalidar o título, enquanto que para concretizar o sonho de pela primeira vez ser campeão o Valongo precisava de uma vitória. O trajeto que vai do sonho à realidade durou 50 minutos, período de tempo em que o Valongo se tornou gigante e aniquilou por completo o favorito FC Porto, alcançando um triunfo por 5-3 que fez explodir de alegria o para lá de lotado – e infernal – Pavilhão Municipal. Aos 60 anos de idade o Valongo era finalmente campeão nacional de hóquei patins. Ao fim de 60 anos de intensa procura o título mais ambicionado tinha sido encontrado. Hugo Azevedo, André Girão, Nuno Araújo, Telmo Pinto, Miguel Viterbo, Rafa, João Souto, Henrique Magalhães, João Sampaio, Xavi Cardoso, ou Paulo Pereira ganharam a partir daquele dia o estatuto de imortais, de mitos, cujos nomes irão ser recordados para sempre quando de hóquei se falar nas ruas e cafés valonguenses. Hóquei em Valongo é sinal de paixão, sendo pois com sorrisos de orelha a orelha que o povo valonguense extravasa neste dia o que lhe vai na alma».

Nesse dia percebi a verdadeira razão pela qual o hóquei em patins é de longe Rei em Valongo. 

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