quinta-feira, 25 de julho de 2019

O dia em que o recém nascido Oriental introduziu em Portugal a numeração nas camisolas

A equipa do Oriental que em 1946 entrou na história do futebol português

Saber onde foi o ponto de partida “disto ou daquilo” é por vezes uma missão espinhosa para um historiador, seja ele de que área for. E no futebol essa incerteza que convive com os investigadores do esférico sobre um determinado facto é em muitas ocasiões uma realidade, ou não estivéssemos nós perante um fenómeno global em que nem sempre é fácil ter certezas absolutas se determinado facto aconteceu pela primeira vez “aqui ou ali”. É o caso da numeração nas camisolas, que ainda hoje suscita algumas dúvidas entre os historiadores sobre o local ou a(s) equipa(s) que pela primeira vez na história usou dorsais nas costas dos seus mantos sagrados – vulgo camisolas. Há quem aponte o ano de 1911 como aquele em que pela primeira vez jogadores de duas equipas surgiram no retângulo de jogo com as “costas” numeradas. Facto ocorrido, segundo reza a história, na Austrália, num jogo disputado em Sydney, entre os conjuntos do Sydney Leichardt e do HMS Powerfull.
Uma moda que terá pegado de estaca em terras de cangurus, já que no ano seguinte todas as equipas do país foram obrigadas a usar numeração nos torneios oficiais em que competiam.

Outros historiadores defendem que os números estampados nas costas das camisolas surgiram pela primeira vez nos Estados Unidos da América, nos anos 20, num jogo entre o Fall River Marksmen e o Saint Louis Vesper Buick. Certezas, certezas de onde foi a "primeira vez" não existem, sabendo-se apenas que a moda rapidamente pegou, e em finais dos anos 20 do século passado chegou (com toda a certeza) à Europa, mais concretamente à pátria do futebol moderno, Inglaterra, onde o Arsenal então orientado pelo lendário Herbert Chapman surgiu em campo para defrontar o Sheffield Wednesday a 25 de agosto de 1928 com as suas camisolas numeradas. Segundo a História, e no mesmo dia, o Chelsea defrontou o Swansea Town com as suas camisolas... numeradas! A única diferença entre os rivais londrinos residiu no facto de que o guarda-redes dos blues não usava número na sua camisola, contrariamente aos seus colegas de campo - cuja numeração ia do 2 ao 11. Já os gunners apresentavam a sua equipa numerada de 1 a 11.

E em Portugal, quando é que a moda pegou? Quando é que uma equipa se apresentou com camisolas numeradas num jogo? Bom, é aqui que entronca a nossa história de hoje, o momento em que os números nas costas dos jogadores bailaram pela primeira vez num relvado lusitano.
Facto histórico que coincide com outro momento histórico para um não menos histórico - e perdoem-nos os nossos visitantes por usarmos e abusarmos desta palavra - clube lusitano, neste caso o Clube Oriental de Lisboa. Bem, sobre a história do Oriental não nos vamos alongar muito, até porque ela é rica e extensa, e não caberia neste artigo, vamos sim centrar-nos no primeiro passo futebolístico que este emblema deu e que entrou na história do futebol em Portugal.
Relembrar apenas que o Oriental nasceu da fusão de três pequenos clubes da zona oriental de Lisboa, no caso o Clube Desportivo "Os Fósforos", o Marvilense Futebol Clube e o Chelas Futebol Clube. Uma união que visava um sonho: dotar a freguesia de Marvila de um grande clube. E assim nasceu a 8 de agosto de 1946 o Clube Oriental de Lisboa. O futebol foi desde o primeiro dia a modalidade rainha de um emblema que alcançou inúmeros momentos de glória - desde logo as presenças no palco principal do futebol luso, a 1ª Divisão, onde esteve por sete ocasiões. E foi precisamente ao serviço do desporto rei que o Oriental entrou para a História do futebol português no dia 15 de setembro de 1946. Uma jornada cheia de significado para o então recém nascido Oriental, que nessa tarde disputava diante do gigante Belenenses aquele que era o primeiro match da sua curta existência. Uma partida desenrolada no mítico Estádio das Salésias a contar para a ronda inaugural do Campeonato Regional de Lisboa da temporada de 1946/47. Rezam as crónicas que o recém criado Oriental vendeu muito cara a derrota (1-2) diante do emblema que nessa temporada haveria de conquistar o maior feito da sua história: o título de campeão nacional da 1ª Divisão.

Mas nesse longínquo encontro do Regional lisboeta um pormenor histórico ressalta hoje, passados poucos mais de 70 anos, à nossa memória, isto é, o facto de pela primeira vez uma equipa de futebol ter usado números nas suas camisolas. E esse registo pertence ao Oriental, que mal gatinhava ainda e já se apresentava inovador. Aliás, na antecâmara deste encontro um dirigente do clube de Marvila, no caso Rui de Seixas, levantava um pouco do véu junto da imprensa da época ao dizer que o seu clube iria surgir nas Salésias com uma pequena surpresa, fazendo um apelo ao público para comparecer ao encontro pois iriam presenciar algo de inédito nos retângulos da bola lusitanos. O mistério lançado pelo dirigente orientalista foi então dissipado na tarde de 15 de setembro, quando os jogadores de Marvila surgiram no relvado com as camisolas numeradas de 1 a 11. E assim se fazia história no futebol português. A imprensa da época fez eco desta "primeira vez" que os números bailaram nas costas das camisolas de uma equipa em Portugal, tendo o mestre Cândido de Oliveira, por exemplo, escrito que «a decisão do Oriental de numerar os jogadores merece relevo e é digna de ser seguida por todos os clubes». Seria contudo só a partir da época de 1947/48 que a Federação Portuguesa de Futebol iria tornar obrigatório o uso de números nas camisolas.

O primeiro “xeque-mate” do Boavista no “tabuleiro futebolístico”

Histórica equipa do Boavista que em 1914
vence a 1.ª edição do Campeonato do Porto

Nascidos no mesmo berço - a mui nobre cidade do Porto - Futebol Clube do Porto e Boavista Futebol Clube desde os primeiros anos de vida que ergueram entre si uma cortina de uma acérrima rivalidade bairrista que ao longo de mais de um século de história deu aso a inúmeros capítulos empolgantes e épicos. Rivalidade intensa que em diversas ocasiões ultrapassou as fronteiras das quatro linhas, como aconteceu, por exemplo, em 1912, ano em que a Associação de Futebol do Porto (AFP) é fundada - no dia 10 de agosto - por influência de portistas... e leixonenses. FC Porto e Leixões foram pois os dois emblemas responsáveis pela edificação daquela que é hoje em dia a maior associação distrital de futebol do país - no que a número de clubes e atletas diz respeito - deixando de lado desta empreitada histórica o outro grande clube da região, o Boavista Football Club, que ao que parece andava de candeias às avessas com os vizinhos azuis e brancos.

Não tardou muito a surgir a vingança - por assim dizer - boavisteira, que menos de dois anos após a fundação da AFP ousou contrariar as leis da supremacia portista dentro da associação ao vencer a primeira edição do Campeonato do Porto. Feito assegurado há precisamente 100 anos, altura em que recém fundada AFP decide erguer o seu próprio campeonato, criando desde logo uma espécie de braço de ferro com a primeira competição que viu a luz do dia no norte do país, a Taça José Monteiro da Costa, prova sobre a qual o Museu Virtual do Futebol já dedicou largas linhas num passado não muito distante, e que, recorde-se, foi criada em memória do (re)fundador do FC Porto, precisamente José Monteiro da Costa, sendo esta durante a sua curta existência - entre 1910 e 1916 - encarada como o campeonato do Norte.

Talvez por isso os portistas não terão dado grande importância ao primeiro regional do Porto, o qual foi olhado como uma prova de segundo plano, a julgar pelo facto de terem enviado a sua equipa de reservas para o pontapé de saída do campeonato organizado sob a égide da AFP. Pontapé de saída que seria dado a 4 de janeiro de 1914, no Campo do Bessa, a casa de um Boavista que na altura, ao que parece, (já) havia feito as pazes com os vizinhos da Constituição - a catedral que o FC Porto havia inaugurado precisamente um ano antes. E ao que parece pois os azuis e brancos num gesto de cortesia cederam um dos seus três guarda-redes aos vizinhos da avenida (da Boavista), neste caso Cecil Wright, que era a terceira escolha para a baliza dos dragões, atrás de Manuel Valença e de Peter Janson.

O emblema do Boavista Football Club
em 1914
Pois bem, o Bessa encheu para ver as duas equipas mais representativas da cidade darem o citado pontapé de saída no Campeonato do Porto, que para além de boavisteiros e portistas teve igualmente como integrante o conjunto do Leixões. Como já foi dito a cabeça dos portistas estava na reconquista da Taça José Monteiro da Costa, perdida na temporada anterior para a Académica de Coimbra, pelo que no Campo do Bessa evoluiu com a camisola azul e branco um misto composto por habituais titulares e reservistas. Rezam no entanto as crónicas de então que apesar de «actuar desfalcadíssimo (o FC Porto) dominou a contenda, mas a falta de remate não lhe permitiu obter resultado favorável». A falta de remate e a tarde de verdadeira inspiração de... Cecil Wright, o inglês que os portistas cederam gentilmente aos boavisteiros, que ao que dizem fez intervenções... impossíveis, quiçá tentando mostrar - com algum sentimento de revolta à mistura - à casa mãe o erro que esta tinha cometido em autorizar a sua dispensa. Com a sua baliza bem segura e com um meio campo muito bem organizado sob a batuta de outro inglês, nesta caso Pye, o Boavista venceu o eterno rival por 2-1, dando assim o primeiro passo de uma caminhada que haveria de ser de glória.

Ainda longe de envergaram o tradicional - equipamento - xadrez  que os iria tornar populares não só em território nacional como em diversas paragens além fronteiras, os boavisteiros - que na época usavam camisola preta, calção branco, e meia preta - voltariam a entrar em campo no Regional da AFP a 25 de janeiro, dia em que receberam o frágil Leixões, a julgar pelo resultado de 9-0 com que os matosinhenses saíram do Bessa. Leixões que a 9 de fevereiro vendeu cara a derrota - caseira - diante do FC Porto por 2-3, fazendo desta forma com que o desafio alusivo à 4ª jornada, a realizar no Campo da Constituição entre portistas e boavisteiros, tivesse contornos de final, já que uma vitória - ou empate - dos visitantes dava-lhes praticamente o título de campeões, ao passo que um triunfo azul e branco relançava o interesse em redor da prova.

A turma do FC Porto que socumbiu
aos pés do Boavista
O reduto do FC Porto encheu para presenciar o duelo do título, realizado a 1 de março, e ao que dizem as crónicas «renhido do princípio ao fim por duas equipas muito iguais». Os golos surgiram apenas na segunda parte, sendo o primeiro da autoria do boavisteiro Fernandes, na sequência de um pontapé de canto. Os portistas restabeleceram a igualdade por intermédio de Charles Allwood, não conseguindo traduzir em mais golos as suas restantes incursões à baliza de Cecil Wright, que mais uma vez foi a figura do jogo (!) ao defender quase tudo o que havia para defender. O guarda-redes do FC Porto emprestado ao Boavista segurou a preciosa igualdade a uma bola com que o jogo findou, e praticamente selou as contas do campeonato, que a 5 de abril encerraria com a definitiva consagração boavisteira no terreno do Leixões, traduzida em mais uma vitória - por números no entanto desconhecidos.

Com 7 pontos somados - contra apenas 5 do FC Porto - e um impressionante registo de 22 golos apontados e apenas dois sofridos o Boavista escrevia assim a sua primeira página de glória pela mão de imortais como Cecil Wright, A.Valente, Camposo, H. Valente, Nunes, Pye, Alvedos, Vasconcelos, Bastos, Reid, e Fernandes, os 11 heróis do título.

A longa batalha do primeiro título internacional do futebol lusitano

Rogério Pipi ergue na tribuna do
Estádio Nacional a Taça Latina de 1950

«Em 20 anos de futebol nunca vi nada assim!», foram as palavras proferidas pelo inglês Ted Smith logo após a esgotante e emocionante final da Taça Latina de 1950 que opôs o Benfica - por si tecnicamente orientado - aos franceses do Bordéus, um duelo que ficou sentenciado ao fim de... 265 minutos! Mais de 4 horas de futebol levadas à cena no palco do Estádio Nacional, que recebeu a 2ª edição de uma competição que a par da Taça Mitropa (competição jogada por clubes da Europa de leste) estaria na génese da Taça dos Campeões Europeus, prova esta que a UEFA implantaria na temporada de 1955/56. Taça Latina que nunca será demais recordar - pelo menos para os mais distraídos - era disputada por equipas de França, Itália, Espanha, e Portugal numa cidade a designar antecipadamente pela organização do certame, tendo em 1950 a escolha recaído em Lisboa, localidade que recebia as equipas do Bordéus, Atlético de Madrid, e Lázio, as quais juntamente com o combinado da casa, o Benfica, procuravam ocupar o torno do Barcelona, clube este que em 1949 havia sido coroado como o primeiro campeão da Taça Latina.

E no dia 10 de junho, feriado em Portugal, as equipas do Benfica e da Lázio de Roma sobem ao bem tratado relvado da "sala de visitas" do futebol lusitano, o Estádio Nacional, para dar o pontapé de saída da 2ª edição da competição. Nesse dia, e mercê de uma magnífica exibição, os benfiquistas batem a "squadra" transalpina por expressivos 3-0, com golos de Carmona, Arsénio, e Rogério, todos apontados durante os primeiros 45 minutos. Vitória indiscutível, escreveram os analistas desportivos da época, ante uma Lázio visivelmente afetada pela ausência de alguns dos seus melhores atletas, que, por motivo de doença, haviam ficado "fora de combate". Indiscutível seria também o triunfo dos franceses do Bordéus ante os espanhóis do Atlético de Madrid, por 4-2, duelo ocorrido nesse mesmo dia 10 de junho.

Ao contrário do que hoje em dia acontece as grandes competições da altura eram jogadas num curto espaço de tempo, pelo que a decisão da Taça Latina de 1950 foi agendada para o dia seguinte às meias-finais. Esse dia 11 de junho começava com os madrilenos do Atlético a levarem para casa o 3º lugar depois de vencerem uma desoladora Lázio por 2-1. E eis que finalmente Benfica e Bordéus entraram em cena para travar a primeira metade de uma batalha que haveria de ter contornos emocionantes. Os portugueses chegaram facilmente ao 2-0 nos instantes iniciais da contenda, graças à pontaria certeira de Arsénio e Corona. Porém, do outro lado da barricada estava um conjunto de fino retalhe, uma equipa de bom recorte técnico que ainda antes do intervalo daria a volta ao marcador! Seria então na condição de derrotado (2-3) que o Benfica voltaria ao campo para disputar a etapa final da empolgante batalha. Pegando nas rédeas do encontro os benfiquistas dominaram a seu bel-prazer os segundos 45 minutos, acabando por chegar ao justo golo do empate por intermédio de Pascoal. Face a esta igualdade as duas equipas tiveram de enfrentar um prolongamento de 30 minutos, tempo extra onde nada de novo surgiu, pelo que a organização agendou uma finalíssima para uma semana mais tarde.

Golo da vitória chegou aos 143 minutos da finalíssima!

18 de junho foi então o dia do novo confronto, tendo o Estádio Nacional registado uma afluência de 20 000 espectadores, um numero estranho para aqueles dias, já que a média de assistências do campeonato português não ultrapassava os 5 000 espectadores. Mas talvez "enfeitiçados" pelo espetáculo que Benfica e Bordéus haviam proporcionado uma semana estes 20 000 entusiastas terão pensado que as duas equipas pudessem prolongar aquela magia futebolística por mais 90 minutos... no mínimo. E não se enganariam, muito pelo contrário.

Os lusos entraram melhor numa finalíssima que iria ficar gravada na "Grande Enciclopédia do Futebol" como um dos jogos mais dramáticos da história, enviando uma bola aos ferros da baliza francesa. Não marcaram os encarnados... marcaram os azuis de Bordéus quando o relógio marcava apenas 11 minutos de jogo. A perder os pupilos de Ted Smith partiram para cima do Bordéus com todas as suas forças e alma, valendo ao emblema gaulês uma soberba exibição do guardião do seu templo, o guarda-redes Astresse. O Benfica ia tentando sem êxito chegar ao golo, e além dos franceses enfrentava agora outro rival de peso, o relógio, que galgava a linha do tempo a um ritmo alucinante.

Perante este cenário o público afeto ao Benfica ia perdendo a esperança de ver o seu clube triunfar na prestigiada competição internacional... e quando muitos, com um ar cabisbaixo, já se encaminhavam para fora da catedral do futebol lusitano, Arsénio faz o golo do empate, provocando uma imediata explosão de alegria nos que teimaram em ficar sentados nas bancadas de pedra do Jamor até ao apito final. O relógio marcava 90 minutos! Um golo apontado em cima da linha de meta que levaria as equipas para mais um prolongamento.

30 minutos onde nada se alterou, sendo que segundo os regulamentos da prova teria de ser jogado em seguida um pequeno prolongamento de 10 minutos para se encontrar o vencedor. Teimosamente as equipas permaneceriam empatadas nestes 10 minutos suplementares, pelo que tiveram se de jogar... mais 10 minutos! Também durante este novo período nada de relevante ocorreu no relvado do Jamor que aos poucos ia deixando de ser iluminado pelo sol. A noite espreitava sobre Lisboa numa época em que o principal estádio português não tinha iluminação artificial! E eis que no terceiro período de 10 minutos, numa altura em que os jogadores dos dois conjuntos há muito que tinham ficado sem forças, muitos já nem se mexiam (!), em que jogavam já quase sem luz solar, Julinho apareceu do nada para fazer o 2-1 e acabar de vez com aquela longa maratona futebolística.

Já tinham passado 143 minutos (!) desde que o árbitro dera início à finalíssima. Com o apito final a festa estalou. 265 minutos - no total dos dois jogos - haviam sido precisos para coroar o Benfica como a primeira equipa portuguesa a vencer uma competição internacional. O público invadiu o relvado para abraçar os jogadores que já não tinham forças para erguer os braços em sinal de vitória. Um pouco a custo Rogério de Carvalho - também conhecido por Rogério Pipi - subiu a longa escadaria até à tribuna do Jamor para receber a Taça Latina de 1950. Para a história ficam os nomes dos heróis dessa primeira grande epopeia do futebol lusitano: Bastos (guarda-redes), Jacinto, Fernandes, Moreira, Félix, José da Costa, Corona, Arsénio, Julinho, Rogério, e Rosário.

Cinco Violinos: A orquestra mais virtuosa do futebol português


Equipas há que pelo virtuosismo desenhado num retângulo de jogo são capazes de transportar a nossa imaginação para a “degustação” de um concerto de música clássica. Ao longo da sua história o futebol deu-nos muitos e grandes tenores, inolvidáveis maestros, ou incomparavéis solistas, mas raras vezes nos terá dado uma orquestra tão afinada e virtuosa como a dos “Cinco Violinos”.

Esta foi a designação dada pelo conceituado treinador/jornalista Tavares da Silva ao quinteto mais célebre do futebol português, e porque não dizê-lo do futebol mundial, formado por um grupo de notáveis e virtuosos jogadores de futebol que na década de 40 encantou multidões nos campos nacionais defendendo as cores do Sporting Clube de Portugal. Fernando Peyroteo, Vasques, Albano, Jesus Correia e José Travassos são os cinco famosos violinistas dessa memorável orquestra que entre 1946 e 1949 tornou o leão num animal impossível de domar.

Um quinteto que atuando no setor ofensivo do terreno de jogo ofereceu ao clube de Alvalade a glória na sequência de centenas de golos, saborosos títulos, e acima de tudo momentos deslumbrantes de futebol baseados num exímio entrosamento aliado a um elevado grau de qualidade futebolística de todos os seus elementos nunca dantes visto no “desporto rei”.
Quem teve o privilégio de assistir aos recitais desta orquestra afirma não ter dúvidas em rotular este como um dos períodos mais dourados do futebol nacional, lamentando apenas que estes cinco artistas não tenham tido a oportunidade de atuar juntos mais do que as três épocas em que fizeram furor de leão ao peito.

Tempo suficiente para conferir ao Sporting a grandeza sonhada pelo seu fundador José de Alvalade. Com os “Cinco Violinos” em campo os leões foram sempre campeões, degolando no campo de batalha, domingo após domingo, adversários atrás de adversários, fossem eles quem fossem.
A saga destes homens também conheceu alguns episódios na Seleção Nacional, embora sem o sucesso granjeado com a camisola verde-e-branca.
Fernando Peyroteo era talvez a estrela mor dos violinos de Alvalade, o homem que dava as pinceladas finais nas obras de arte criadas pelo quinteto, o mesmo é dizer, o goleador da equipa. Para o grande mestre do futebol português, Cândido de Oliveira, ele era uma máquina de fazer golos. Ao longo da sua carreira fez mais de 500 golos, 529 para sermos mais precisos, sendo que destes 331 (mais 22 do que Eusébio) foram apontados no campeonato.

Nasceu em Humpata, Angola, a 10 de Março de 1918, e estreou-se de leão ao peito a 12 de Outubro de 1937 num jogo diante do Benfica onde apontou dois golos, apresentando desde logo o seu cartão de visita. O seu poder de remate (forte e colocado) aliado a um excelente jogo de cabeça fizeram com por seis ocasiões fosse rei dos marcadores do campeonato nacional, e entre muitos outros factos históricos ficam os 9 golos apontados num só jogo ante o Leça.
A completar a orquestra figuarava ainda o “pintor Malhoa”, a alcunha recebida por Vasques, o jogador mais tecnicista da célebre equipa, o elemento mais artístico dos violinos que entre 1946 e 1959 apontou 221 golos pelo seu Sporting. Do Seixal veio o veloz Albano, um criativo senhor de um drible desconcertante que disputou mais de 500 jogos com a camisola dos leões.
Fabuloso foi também o Zé da Europa, ou melhor, José Travassos, um galã que entrava em campo sempre com o seu famoso penteado brilhantina que na qualidade de interior-direito criava obras de arte do outro Mundo que o levariam a tornar-se no primeiro jogador português a representar uma Seleção da Europa, ganhando assim a alcunha de Zé da Europa.

A fechar a orquestra o multifacetado Jesus Correia, que dividia o seu talento pelo futebol e pelo hóquei em patins, sendo que na primeira modalidade o Necas – como era tratado pelos seus colegas de equipa – além de ter apontado mais de 250 golos com as cores do leão fez furor através dos seus majestosos cruzamentos para o letal Peyroteo.