quarta-feira, 9 de outubro de 2024

1982: o ano em que o humilde Portugal abriu as suas portas à classe média do basket europeu


As décadas de 70 e de 80 do século passado foram de algum relevo para o basquetebol nacional, não só pelo facto de várias equipas lusas terem participado nas competições europeias, como também no aspeto da nossa seleção nacional ter medido forças com algumas potências do basket continental…. embora sem grandes resultados positivos alcançados. Este período coincidiu com o histórico acolhimento da 23.ª edição do Campeonato da Europa de seniores masculinos em 1982, naquele que se constituiu como o primeiro grande acontecimento basquetebolístico internacional ocorrido no nosso país. Competição essa que também era conhecida como Challenge Round, a Divisão B da modalidade a nível europeu. A prova desenrolou-se em maio de 1982 nas cidades de Lisboa e do Porto, sendo que na capital teve como palco o Pavilhão dos Desportos, ao passo que na Cidade Invicta os jogos disputaram-se no Pavilhão das Antas. 12 nações – a saber, Portugal, Roménia, República Federal da Alemanha (RFA), Inglaterra, Suécia, Finlândia, Hungria, Grécia, Turquia, Bulgária, Bélgica e Holanda – competiram no nosso país com os olhos postos ou na Divisão A do Europeu, ou na permanência nesta Divisão B, como era o caso de Portugal, que havia subido da Divisão C no ano anterior. Organizar um evento desta dimensão não foi pêra doce para a organização, desde logo pela falta de meios financeiros, conforme ficou vincado por Máximo Couto, o então presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB), à Gazeta dos Desportos. Nessa entrevista, o dirigente assegurava que estava tudo preparado para o início do Europeu, pese embora alguns contratempos de última hora estavam a causar alguma apreensão organização. Desde logo a falta de apoios financeiros inicialmente prometidos e que à última a hora não se concretizaram, como foi o caso da televisão pública, que acabou por não transmitir todos jogos, o que fez com que a FPB perdesse uma boa receita financeira em termos de publicidade. Mas de igual modo, outras entidades estatais acabaram por retirar o prometido apoio financeiro a poucos dias do início da prova, o que causou, naturalmente, preocupação entre os dirigentes federativos. «Estou de certo modo muito preocupado com o aspeto financeiro do campeonato, se bem que neste momento não possamos voltar para trás. No final tudo se pagará, se bem que neste momento não se sabe muito bem como. Estamos a fazer tudo ao nosso alcance para que não haja prejuízo, mas o problema da televisão está a criar-nos dificuldades financeiras. No entanto, pensamos fazer mais receita, até porque os bilhetes são a um preço acessível, 100 escudos por sessão, que dá direito a ver três jogos, pelo que tanto no Porto, como em Lisboa, estamos esperançados que o público acorra, para ver bons espetáculos», perspetivou o dirigente.


Mas com maiores ou menores dificuldades lá foi ultrapassado este obstáculo financeiro, muito graças a diversos mecenas – vulgo patrocinadores/empresas– privados. E no plano desportivo a prestação lusa acabou por ser… tristonho! É, realmente a diferença do basquetebol que se jogava em Portugal em comparação com o resto da Europa fez-se notar na equipa orientada pelo selecionador Adriano Baganha. Mas já lá vamos a resultados concretos. 
Na partida para o Europeu havia muita confiança entre a delegação lusa, que esperava que o forte apoio do público a pudesse manter na Divisão B do Campeonato da Europa. Portugal reuniu alguns dos seus melhores basquetebolistas da época, desde logo aquele que ainda hoje é considerado como o maior jogador nacional desta modalidade, Carlos Lisboa. Então com 23 anos, Lisboa, que nessa temporada se tinha sagrado campeão nacional pelo Sporting, fazia-se acompanhar de outros craques. A saber, Augusto Baganha (Sporting), Rui Pinheiro (Sporting), Artur Leiria (Atlético), João Seiça (Atlético), Carlos Santiago (Atlético), João Cardoso (Sporting), Rui Pereira (FC Porto), Alberto Van Zeller (FC Porto), Eustácio Dias (Ginásio Figueirense), José Luís (Benfica), Tó Quintela (FC Porto), e José Paiva (Académico de Coimbra).  


Integrada no Grupo A – sediado em Lisboa –, juntamente com as seleções da Suécia, RFA, Finlândia, Inglaterra, e Hungria, a seleção nacional mostrou na verdade que ainda tinha um longo caminho a percorrer para conseguir ombrear com seleções do nível intermédio do basket continental. Sim, nível intermédio, pois estamos a falar do Campeonato da Europa B, onde nem sequer estava a elite do basquetebol da Europa. E essa necessidade de aprendizagem ficou bem patente logo na estreia, diante da Suécia, em que Portugal desiludiu, de acordo com a reportagem da Gazeta dos Desportos. «Pode-se dizer que a estreia da equipa portuguesa no Europeu de 82 foi uma completa desilusão, não pela derrota em si, mas pela exibição, que no mínimo se deverá classificar de descolorida. Efetivamente a equipa portuguesa mostrou-se pouco esclarecida no ataque e a defender… bom, a defender não o fez. (…) A (não) defender os portugueses foram exímios, demonstrando à evidência todos os erros anteriormente (campeonato nacional, nomeadamente) demonstrados, desatenção aos cortes, recuperação (?) defensiva a passo, etc.». Resultado final: 88-82 a favor dos suecos. Com 28 pontos, Carlos Lisboa foi o melhor marcador luso no jogo de estreia. 
No encontro seguinte, diante dos alemães, os lusos até tentaram corrigir o mau arranque, pelo menos a julgar pelos minutos iniciais do encontro. Isto, se olharmos para o resultado de 10-9 a seu favor à passagem dos 5 minutos, o que terá causado algum espanto a quem presenciou o duelo. Porém, e com naturalidade, os alemães começaram a pouco e pouco a inverter o rumo dos acontecimentos, sem que, no entanto, Portugal os deixasse distanciarem-se no marcador. O final chegou com um triunfo da RFA por 92-80, mas acima de tudo deixou uma imagem muito mais positiva do selecionado português em comparação com a partida ante os suecos. Com 17 pontos na conta pessoal, Lisboa foi o melhor marcador da turma portuguesa ante a RFA.


A derrota mais pesada dos lusos neste Europeu de 82 aconteceu na 3.ª jornada, quando foram cilindrados pela Inglaterra por 107-90, o que definiu desde logo que a turma orientada por Adriano Baganha tinha obrigatoriamente de vencer os dois últimos jogos para se manter na Divisão B. Diante da Finlândia os portugueses voltaram a entrar bem no jogo. Porém, os nervos acabariam por falar mais alto, e uma «série de maus passes e lançamentos falhados por diversas ocasiões, nunca permitiu o nosso distanciamento no marcador (se bem que na segunda parte tivéssemos 10 pontos de avanço) e tornou possível que os finlandeses acabassem por vencer (por 81-77)», escrevia Cardão Machado, correspondente da Gazeta dos Desportos. Calos Lisboa foi mais uma vez o melhor marcador da seleção, com uns impressionantes 41 pontos.


E face a este resultado Portugal carimbava matematicamente a descida à Divisão C, o último escalão do basquetebol europeu, falhando assim o seu grande objetivo no torneio. (Nota: no último encontro da fase de grupos os portugueses conheceram a sua quinta derrota no torneio, desta feita diante da Hungria, por 92-70). Na hora de fazer um balanço da participação da equipa portuguesa, Cardão Machado escrevia que tinha sido «uma grande aventura, que como todas as aventuras, tem coisas boas e coisas más. No entanto, pensamos que apesar de a nossa equipa ter baixado de divisão, este campeonato tem muitas coisas positivas e tem muitas lições a extrair. (…) No aspeto organizativo a prova foi um êxito. As delegações estrangeiras estão satisfeitas e os comissários da FIBA nada têm a apontar, antes pelo contrário. (…) No que toca à parte financeira, e nesta altura, pode considerar-se um fracasso. Segundo informações que nos chegaram, as jornadas em Lisboa têm rendido à volta de 50 mil escudos, enquanto que no Porto têm andado por 8 mil escudos. Valeu, no entanto, as ajudas de algumas firmas particulares, caso da Fidelidade, Vimóveis, NCR, 3M de Portugal, e Toyota».

Carlos Lisboa 
Mais adiante na sua análise, Cardão Machado esmiuçou um comentário à participação da seleção lusa, apontando o mau estado em que se encontrava o desporto nacional como fator principal para a despromoção de Portugal à Divisão C. «Como é do conhecimento geral, o desporto em Portugal não está bem, porque a entidade que o orienta no nosso país anda sempre a flutuar, nunca seguindo o critério que possibilite que qualquer modalidade se imponha. (…) No caso do basquetebol, as oscilações da DGD (Direção Geral dos Desportos) têm-se feito sentir e não dão qualquer possibilidade de a federação fazer um trabalho que se pode considerar válido durante vários anos. (…) A maior parte das ações de formação de técnicos são diminutas (por falta de verbas) o que naturalmente tem efeitos negativos. (…) No entanto, e o que tem mais repercussão sobre o jogo, é o facto de o nível técnico dos jogadores ter diminuído e o aparecimento de muitos jogadores estrangeiros nas nossas principais equipas. De facto, muitos dos nossos jogadores da seleção foram suplentes durante o campeonato nacional (…)». No seguimento destas e de outras críticas ao estado do basket luso, Cardão Machado deixava um conselho aos “comandantes” da modalidade a nível nacional: é preciso começar a trabalhar já. Este Campeonato da Europa realizado em Portugal seria ganho pelos Países Baixos, que além de terem vencido o seu grupo (B) levariam a melhor sobre a Grécia, Suécia, RFA, Turquia, Hungria, Roménia e Finlândia na ronda final. Portugal e Bulgária foram as suas seleções despromovidas à Divisão do Europeu.