sexta-feira, 6 de junho de 2025

A trilogia gloriosa do pequeno gigante Oeiras na Taça das Taças de hóquei em patins (parte I)

 



1977 é um ano marcante para o hóquei patinado português ao nível de clubes. Nesse ano, a nação lusa sticava com êxito nas (então) duas únicas competições europeias de clubes, a Taça dos Clubes CampeõesEuropeus (TCCE) e a Taça das Taças. Por outras palavras, trazia pela primeira vez os dois citados títulos para Portugal. O Sporting de Livramento e companhia erguia a TCCE, ao passo que a segunda competição era arrecadada por um surpreendente Oeiras que haveria de fazer história nesta hoje extinta prova europeia. E é sobre a epopeia da Associação Desportiva de Oeiras que nos vamos debruçar na primeira parte desta viagem ao passado, uma epopeia que não se ficou somente pela surpreendente conquista de 76/77, mas que iria ter continuidade nas duas temporadas seguintes, e que fazem que este emblema dos arredores de Lisboa seja, quiçá, a grande referência da desaparecida Taça dasTaças. A par do Sporting e dos italianos do Roller Monza, o Oeiras é o emblema mais titulado desta competição, com três títulos, mas os oeirenses fizeram-no em três ocasiões consecutivas, um feito nunca alcançado por outro emblema luso nem nesta nem noutra competição europeia. Como já referimos, este conto de fadas teve início na temporada de 76//77, na primeira edição da Taça das Taças, sendo que o então modesto Oeiras ali chegava fruto de ter sido finalista vencido da edição de 75/76 da Taça de Portugal, onde caiu aos pés do Sporting, por 7-1. Mesmo assim, e porque o então poderoso leão de Alvalade também se tinha sagrado campeão nacional e como tal arrecadado o bilhete para disputar a TCEE, a vaga na segunda competição europeia foi atribuída ao Oeiras que pela primeira vez perfilava na alta roda do hóquei em patins internacional.

Sorte dupla em clima de pavor

O início da caminhada de glória não foi difícil, já que no conjunto das duas mãos da 1.ª eliminatória o combinado português venceu por 24-8. Nas meias-finais ditou a sorte que o Hockey de Novara seria o adversário seguinte. Na 1.ª mão, disputada em solo luso, o Oeiras venceu por margem curta (5-4), esperando, por isso, um jogo de sofrimento em Itália na 2.ª mão. E assim foi. Diante de um ambiente difícil, com os adeptos italianos com excessiva animosidade para com os portugueses, o Oeiras sofreu a bom sofrer, em contraposto com o Novara que no final do tempo regulamentar equilibrava a balança da eliminatória com um resultado favorável de 4-3. Precisou-se, pois, de um prolongamento, onde o nó não foi desatado, pelo que o acesso à final teria de ser decidido nas grandes penalidades. Também no tiro ao alvo o empate (3-3), persistiu, pelo que o árbitro suíço Armatti não teve outra alternativa de recorrer ao sistema de desempate por… moeda ao ar! E aqui a sorte esteve do lado dos portugueses, embora com muita polémica à mistura, pois os italianos alegariam que a moeda após ter sido lançada terá caído na biqueira do sapato do árbitro. Este, perante o coro de furiosos protestos quer dos jogadores, quer dos adeptos do Novara, repetiu o lançamento da moeda ao ar, e novamente a sorte bafejou o Oeiras que assim seguia para a final. Os italianos não se conformaram com o desfecho e nem o jornalista da RDP enviado ao jogo, José Barroso, escapou à fúria, sendo agredido por adeptos locais. A própria equipa do Oeiras saiu do rinque debaixo de uma chuva de latas de refrigerantes e cuspidelas! Lamentável. 


«Hóquei português é o melhor da Europa»

 E no dia 4 de junho, o pequeno Oeiras entrava na pista molhada (ao ar livre) dos espanhóis do Arenys de Munt para disputar a 1.ª mão da final da Taça das Taças. Num rinque de pequenas dimensões os portugueses foram corajosos, até em demasiada. De acordo com o DL, o Oeiras decidiu jogar de igual para igual com a equipa da região da Catalunha, acabando por pagar essa ousadia com uma derrota por 4-2. A equipa lusa sofreu dois golos no primeiro tempo. No reatamento, os portugueses correram atrás do prejuízo, tiveram diversas ocasiões para passar para a frente do marcador, mas o infortúnio bateu-lhes à porta com a lesão de Salema, o «mais lúcido e frio dos seus homens (de ataque)», segundo a crónica do Diário de Lisboa (DL). Ainda assim, o Oeiras teve forças para chegar ao empate, através de Vítor Rosado e de Carvalho. Porém, um azar nunca vem só, e o 3-2 para o Arenys de Munt chegaria num lance irregular, já que Viade, com o patim, fez golo perante a vista grossa do árbitro. Já perto do final, o mesmo juiz aponta uma grande penalidade duvidosa a favor dos catalães, a qual não seria desperdiçada por Freixas. O resultado final não espelhava o que se havia passado no rinque encharcado (da chuva) de Arenys de Munt, mas acima de tudo mostrava que o Oeiras podia dar a volta por cima cerca de duas semanas mais tarde diante dos seus adeptos. E assim seria. 


O dia 18 de junho de 1977 é histórico para o hóquei patinado lusitano. Nesse dia, em Espanha, o Sporting arrecadava a primeira TCCE da sua história… e da história da modalidade em termos lusos. A festa seria estendida nesse mesmo dia a Lisboa, onde num Pavilhão dos Desportos repleto, o Oeiras deu uma nova alegria ao povo português. Foi preciso sofrer para colocar as mãos na taça, como escreveu o DL: «O Oeiras teve de sofrer até à última gota, destilando doses de suor e entusiasmo para conseguir conquistar o troféu. Mas deu esse pulo para a grande fama». A precisar de anular uma desvantagem de dois golos trazida de Espanha, o Oeiras foi para o intervalo do encontro da 2.ª mão empatado a uma bola, com Salema (recuperado da lesão da 1.ª mão) a adiantar os portugueses e Freixas a restabelecer o empate para os catalães. Na segunda metade, os portugueses superiorizaram-se, e muito devido à veia goleadora de Carvalho, que com três golos colocava os lusos na frente do marcador e da final. Porém, Rodon estragou a festa e reduziu para 4-2, obrigando a um prolongamento onde nada de mais aconteceu. Mais uma vez, o Oeiras foi obrigado a sofrer de ansiedade fruto de mais uma sessão de grandes penalidades. Diamantino converteu com êxito o primeiro penalti, Rodri empatou, Cristóvão fez 2-1 para de seguida Viade permitir a Carlos Alves a defesa. A multidão entrou em delírio. A sessão de tiro ao alvo continuou. Rosado fez 3-1, Edo o 3-2, e Carvalho atirou… à trave. Os portugueses que lotaram o Pavilhão dos Desportos de Lisboa sustiveram por segundos a respiração. Ficaram apreensivos. Rodon tinha no seu stick a hipótese de voltar a empatar a série de grandes penalidades, mas… Carlos Alves foi herói e defendeu o remate. A taça era do Oeiras. Seguiu-se uma festa rija, não só pela vila de Oeiras como por toda a cidade de Lisboa, que aguardava igualmente ansiosa pela chegada dos campeões europeus, o Sporting. «Oeiras e leões de braço dado por Lisboa fora, receção no estádio dos verde-e-brancos, discursos, abraços, euforia a muitos níveis», relatou então o DL numa reportagem publicada na edição de 20 de junho de 1977 cujo título expressou e bem este dia de glória da modalidade: «Hóquei português é o melhor da Europa». Mas voltando à pequena grande Associação Desportiva de Oeiras para recordar os heróis do primeiro de três títulos continentais que assinalam ainda hoje o ponto mais alto da sua história: Carlos Alves, Vítor Rosado, José Rosado, Salema, Carvalho, Cristóvão, Ricardo, Camacho, Diamantino, José Pereira. Treinador: José Lisboa. 


1976/77 foi mesmo uma época inesquecível para o Oeiras, que pelo segundo ano consecutivo chegaria à final a Taça de Portugal, sucumbindo, tal como na temporada transata, aos pés do Sporting. No campeonato nacional da 1.ª divisão, o Oeiras alcançou a sua melhor classificação de sempre na prova, um 2.º lugar, posição que iria repetir na época seguinte, e que confirmavam o pequeno emblema não só como o segundo melhor clube nacional, como internacional daquela época.  

(continua)

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