quarta-feira, 9 de outubro de 2024

1982: o ano em que o humilde Portugal abriu as suas portas à classe média do basket europeu


As décadas de 70 e de 80 do século passado foram de algum relevo para o basquetebol nacional, não só pelo facto de várias equipas lusas terem participado nas competições europeias, como também no aspeto da nossa seleção nacional ter medido forças com algumas potências do basket continental…. embora sem grandes resultados positivos alcançados. Este período coincidiu com o histórico acolhimento da 23.ª edição do Campeonato da Europa de seniores masculinos em 1982, naquele que se constituiu como o primeiro grande acontecimento basquetebolístico internacional ocorrido no nosso país. Competição essa que também era conhecida como Challenge Round, a Divisão B da modalidade a nível europeu. A prova desenrolou-se em maio de 1982 nas cidades de Lisboa e do Porto, sendo que na capital teve como palco o Pavilhão dos Desportos, ao passo que na Cidade Invicta os jogos disputaram-se no Pavilhão das Antas. 12 nações – a saber, Portugal, Roménia, República Federal da Alemanha (RFA), Inglaterra, Suécia, Finlândia, Hungria, Grécia, Turquia, Bulgária, Bélgica e Holanda – competiram no nosso país com os olhos postos ou na Divisão A do Europeu, ou na permanência nesta Divisão B, como era o caso de Portugal, que havia subido da Divisão C no ano anterior. Organizar um evento desta dimensão não foi pêra doce para a organização, desde logo pela falta de meios financeiros, conforme ficou vincado por Máximo Couto, o então presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB), à Gazeta dos Desportos. Nessa entrevista, o dirigente assegurava que estava tudo preparado para o início do Europeu, pese embora alguns contratempos de última hora estavam a causar alguma apreensão organização. Desde logo a falta de apoios financeiros inicialmente prometidos e que à última a hora não se concretizaram, como foi o caso da televisão pública, que acabou por não transmitir todos jogos, o que fez com que a FPB perdesse uma boa receita financeira em termos de publicidade. Mas de igual modo, outras entidades estatais acabaram por retirar o prometido apoio financeiro a poucos dias do início da prova, o que causou, naturalmente, preocupação entre os dirigentes federativos. «Estou de certo modo muito preocupado com o aspeto financeiro do campeonato, se bem que neste momento não possamos voltar para trás. No final tudo se pagará, se bem que neste momento não se sabe muito bem como. Estamos a fazer tudo ao nosso alcance para que não haja prejuízo, mas o problema da televisão está a criar-nos dificuldades financeiras. No entanto, pensamos fazer mais receita, até porque os bilhetes são a um preço acessível, 100 escudos por sessão, que dá direito a ver três jogos, pelo que tanto no Porto, como em Lisboa, estamos esperançados que o público acorra, para ver bons espetáculos», perspetivou o dirigente.


Mas com maiores ou menores dificuldades lá foi ultrapassado este obstáculo financeiro, muito graças a diversos mecenas – vulgo patrocinadores/empresas– privados. E no plano desportivo a prestação lusa acabou por ser… tristonho! É, realmente a diferença do basquetebol que se jogava em Portugal em comparação com o resto da Europa fez-se notar na equipa orientada pelo selecionador Adriano Baganha. Mas já lá vamos a resultados concretos. 
Na partida para o Europeu havia muita confiança entre a delegação lusa, que esperava que o forte apoio do público a pudesse manter na Divisão B do Campeonato da Europa. Portugal reuniu alguns dos seus melhores basquetebolistas da época, desde logo aquele que ainda hoje é considerado como o maior jogador nacional desta modalidade, Carlos Lisboa. Então com 23 anos, Lisboa, que nessa temporada se tinha sagrado campeão nacional pelo Sporting, fazia-se acompanhar de outros craques. A saber, Augusto Baganha (Sporting), Rui Pinheiro (Sporting), Artur Leiria (Atlético), João Seiça (Atlético), Carlos Santiago (Atlético), João Cardoso (Sporting), Rui Pereira (FC Porto), Alberto Van Zeller (FC Porto), Eustácio Dias (Ginásio Figueirense), José Luís (Benfica), Tó Quintela (FC Porto), e José Paiva (Académico de Coimbra).  


Integrada no Grupo A – sediado em Lisboa –, juntamente com as seleções da Suécia, RFA, Finlândia, Inglaterra, e Hungria, a seleção nacional mostrou na verdade que ainda tinha um longo caminho a percorrer para conseguir ombrear com seleções do nível intermédio do basket continental. Sim, nível intermédio, pois estamos a falar do Campeonato da Europa B, onde nem sequer estava a elite do basquetebol da Europa. E essa necessidade de aprendizagem ficou bem patente logo na estreia, diante da Suécia, em que Portugal desiludiu, de acordo com a reportagem da Gazeta dos Desportos. «Pode-se dizer que a estreia da equipa portuguesa no Europeu de 82 foi uma completa desilusão, não pela derrota em si, mas pela exibição, que no mínimo se deverá classificar de descolorida. Efetivamente a equipa portuguesa mostrou-se pouco esclarecida no ataque e a defender… bom, a defender não o fez. (…) A (não) defender os portugueses foram exímios, demonstrando à evidência todos os erros anteriormente (campeonato nacional, nomeadamente) demonstrados, desatenção aos cortes, recuperação (?) defensiva a passo, etc.». Resultado final: 88-82 a favor dos suecos. Com 28 pontos, Carlos Lisboa foi o melhor marcador luso no jogo de estreia. 
No encontro seguinte, diante dos alemães, os lusos até tentaram corrigir o mau arranque, pelo menos a julgar pelos minutos iniciais do encontro. Isto, se olharmos para o resultado de 10-9 a seu favor à passagem dos 5 minutos, o que terá causado algum espanto a quem presenciou o duelo. Porém, e com naturalidade, os alemães começaram a pouco e pouco a inverter o rumo dos acontecimentos, sem que, no entanto, Portugal os deixasse distanciarem-se no marcador. O final chegou com um triunfo da RFA por 92-80, mas acima de tudo deixou uma imagem muito mais positiva do selecionado português em comparação com a partida ante os suecos. Com 17 pontos na conta pessoal, Lisboa foi o melhor marcador da turma portuguesa ante a RFA.


A derrota mais pesada dos lusos neste Europeu de 82 aconteceu na 3.ª jornada, quando foram cilindrados pela Inglaterra por 107-90, o que definiu desde logo que a turma orientada por Adriano Baganha tinha obrigatoriamente de vencer os dois últimos jogos para se manter na Divisão B. Diante da Finlândia os portugueses voltaram a entrar bem no jogo. Porém, os nervos acabariam por falar mais alto, e uma «série de maus passes e lançamentos falhados por diversas ocasiões, nunca permitiu o nosso distanciamento no marcador (se bem que na segunda parte tivéssemos 10 pontos de avanço) e tornou possível que os finlandeses acabassem por vencer (por 81-77)», escrevia Cardão Machado, correspondente da Gazeta dos Desportos. Calos Lisboa foi mais uma vez o melhor marcador da seleção, com uns impressionantes 41 pontos.


E face a este resultado Portugal carimbava matematicamente a descida à Divisão C, o último escalão do basquetebol europeu, falhando assim o seu grande objetivo no torneio. (Nota: no último encontro da fase de grupos os portugueses conheceram a sua quinta derrota no torneio, desta feita diante da Hungria, por 92-70). Na hora de fazer um balanço da participação da equipa portuguesa, Cardão Machado escrevia que tinha sido «uma grande aventura, que como todas as aventuras, tem coisas boas e coisas más. No entanto, pensamos que apesar de a nossa equipa ter baixado de divisão, este campeonato tem muitas coisas positivas e tem muitas lições a extrair. (…) No aspeto organizativo a prova foi um êxito. As delegações estrangeiras estão satisfeitas e os comissários da FIBA nada têm a apontar, antes pelo contrário. (…) No que toca à parte financeira, e nesta altura, pode considerar-se um fracasso. Segundo informações que nos chegaram, as jornadas em Lisboa têm rendido à volta de 50 mil escudos, enquanto que no Porto têm andado por 8 mil escudos. Valeu, no entanto, as ajudas de algumas firmas particulares, caso da Fidelidade, Vimóveis, NCR, 3M de Portugal, e Toyota».

Carlos Lisboa 
Mais adiante na sua análise, Cardão Machado esmiuçou um comentário à participação da seleção lusa, apontando o mau estado em que se encontrava o desporto nacional como fator principal para a despromoção de Portugal à Divisão C. «Como é do conhecimento geral, o desporto em Portugal não está bem, porque a entidade que o orienta no nosso país anda sempre a flutuar, nunca seguindo o critério que possibilite que qualquer modalidade se imponha. (…) No caso do basquetebol, as oscilações da DGD (Direção Geral dos Desportos) têm-se feito sentir e não dão qualquer possibilidade de a federação fazer um trabalho que se pode considerar válido durante vários anos. (…) A maior parte das ações de formação de técnicos são diminutas (por falta de verbas) o que naturalmente tem efeitos negativos. (…) No entanto, e o que tem mais repercussão sobre o jogo, é o facto de o nível técnico dos jogadores ter diminuído e o aparecimento de muitos jogadores estrangeiros nas nossas principais equipas. De facto, muitos dos nossos jogadores da seleção foram suplentes durante o campeonato nacional (…)». No seguimento destas e de outras críticas ao estado do basket luso, Cardão Machado deixava um conselho aos “comandantes” da modalidade a nível nacional: é preciso começar a trabalhar já. Este Campeonato da Europa realizado em Portugal seria ganho pelos Países Baixos, que além de terem vencido o seu grupo (B) levariam a melhor sobre a Grécia, Suécia, RFA, Turquia, Hungria, Roménia e Finlândia na ronda final. Portugal e Bulgária foram as suas seleções despromovidas à Divisão do Europeu.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

O inesquecível minuto de fama do Sesimbra na alta roda do hóquei internacional


Corria o ano de 1980 quando a CERH cria aquela que seria então a sua terceira prova continental a nível de clubes, a Taça CERS. Quis o destino que o batismo daquela que hoje em dia é denominada de Taça WSE (World Skate Europe) fosse vivido como um autêntico conto de fadas por um pequeno clube português pouco habituado a grandes conquistas nacionais ou internacionais. Foi uma história em que David derrotou Golias, dando assim azo a um dos capítulos mais surpreendentes e ao mesmo tempo memoráveis da história do hóquei patinado internacional. E essa epopeia foi vivida pelo modesto Grupo Desportivo de Sesimbra, que na temporada de 1980/81 – a primeira da vida da Taça CERS – conquistou o título mais importante dos seus – até à data – 77 anos de existência. Ao alcançar um brilhante 5.º lugar no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão da época anterior, o Sesimbra garantiu o direito marcar presença na edição de estreia da Taça CERS, juntamente com o Valongo. Isto, porque o FC Porto, 4.º classificado, optou por não participar na nova competição, abrindo desta forma a vaga aos rapazes do sul do Tejo.

O tímido início da caminhada rumo à glória


Quis o destino que a turma do Distrito de Setúbal tivesse de disputar uma pré-eliminatória de acesso à nova prova da CERH, tendo como adversário os franceses do Roller Skating Cujan-Mestras, emblema da região de Bordéus. Cerca de 2500 pessoas marcaram presença no Pavilhão Gimnodesportivo de Sesimbra para testemunhar o batismo europeu da equipa da terra. Com um combinado experiente, composto por muitos “trintões”, o Sesimbra bateu o conjunto gaulês por 8-4, mas não ganhou para o susto, conforme escreveu Daniel Reis, jornalista da Gazeta dos Desporto, que cobriu esse encontro. «Faltavam menos de 5 minutos para terminar a primeira mão da eliminatória europeia que opôs o Sesimbra ao Cujan-Mestras e os franceses tiveram a eliminatória na mão. Os “trintões” da equipa portuguesa, praticamente a mesma que há uns 6 ou 7 anos representou o Grupo Desportivo de Lourenço Marques, começavam a dar evidentes sinais de esgotamento físico, e os franceses (alguns pareciam filhos de Garrancho, José Pedro, Adrião e companhia) recuperavam paulatinamente, no jogo e no marcador, chegando ao 4-5 aos 20 minutos e 10 segundos. Mas um remate desesperado de José Adrião, atirado bem da linha do meio do rinque, virou a sorte do jogo. Este sexto golo reabriu ao Sesimbra as possibilidades de não se ficar pela primeira eliminatória nesta sua estreia internacional no hóquei em patins. A saída quase simultânea de um hoquista francês para recuperar o patim e a suspensão do melhor dos elementos desta equipa, Chargureau, um louro com corda para dois jogos seguidos, aniquilou a resistência do Cujan. E mais dois golos de rajada deram ao Sesimbra, julgamos, a margem de segurança necessária para enfrentar a segunda mão desta eliminatória pré-eliminar da Taça CERS com alguma tranquilidade», escrevia o redator da Gazeta. 8-4, foi, pois, o resultado final deste primeiro encontro, em que Carlos Pereira (com 5 golos) e José Adrião (com 3 tentos) foram os marcadores de serviço da equipa lusa. E uma semana mais tarde, os sesimbrenses confirmaram a passagem aos quartos-de-final da prova europeia, desta feita com uma robusta vitória por 14-2. 


Sorte foi madrasta em Noia

E na ronda seguinte surgiu no caminho dos portugueses um gigante do hóquei espanhol, o Noia. A primeira mão realizou-se na Catalunha. Jogo que os portugueses perderam por 6-3, mas com muitas queixas em relação à arbitragem espanhola (!!!!) por parte do treinador sesimbrense, Ernesto Meireles. O que é certo é que mesmo com a ajuda, ou não, dos árbitros seus conterrâneos, o Noia tremeu ante o Sesimbra. Com uma entrada forte em campo, os catalães abriram o marcador logo aos 3 minutos, pensando que aquela seria uma vitória fácil. Puro engano. Habituados (em Portugal) a ambientes adversos, os portugueses reagiram bem, e 3 minutos volvidos Carlos Cunha repôs a igualdade, fazendo tremer os locais. Incentivado pelos seus adeptos o Noia espicaçou, e marcou mais dois golos. O Sesimbra continuava a patinar com muita personalidade, e antes do intervalo José Pedro bateu o guardião Pla e reduziu a desvantagem. 


Antes do descanso o Noia ainda fez o 4-2, mas na segunda metade o cenário do encontro mudou por completo. «Perante a surpresa dos adeptos da turma local, foram os sesimbrenses que mandaram no jogo, e, aí, não tiveram a sorte do seu lado. Porque, se tivessem tido a ponta de sorte que qualquer equipa tem de ter, a verdade é que o marcador viria a sofrer uma evolução muito diferente. Assim porque a sorte foi madrasta ao Sesimbra, a vantagem do Noia subiu para 5-2, volvendo aos dois golos de diferença à passagem do 10.º minuto do segundo tempo (nota: José Adrião fez o terceiro tento dos portugueses). Quando se entrava na ponta final da partida, os locais recuperavam um golo, fixando o resultado em 6-3», assim relatava os acontecimentos a reportagem da Gazeta dos Desportos. 


Evitar artimanhas espanholas para ganhar com clareza impressionante

Apesar do desaire, Ernesto Meireles estava confiante para o jogo da segunda mão a sul do Tejo. «Tudo está ainda por resolver, porque este Noia não é não superior ao Sesimbra, que tem capacidade para anular a desvantagem e ultrapassar o obstáculo», disse o técnico luso, acrescentando que para tal bastava que os seus jogadores não se deixassem levar pelas “artimanhas” espanholas. 


No retorno, a boa impressão que o Sesimbra deixou na Catalunha confirmou-se. Os portugueses voltaram a fazer uma grande exibição, e mesmo quando na segunda metade o Noia fez o 1-1 ninguém duvidava que os portugueses não passassem a eliminatória. E assim foi. Uma reta final avassaladora conferiu um triunfo robusto à turma de Ernesto Meireles, garças a dois golos de José Carlos, um de José Pedro, outro de Vítor Afonso, outro de José Adrião e outro de Carlos Garrancho. 6-1, o resultado final obtido com uma «clareza impressionante», conforme deu conta a Gazeta dos Desportos, numa grande jornada de hóquei que levou o estreante Sesimbra às meias-finais da Taça CERS.

Em Itália, o sol deu lugar à tempestade 


Ultrapassado o obstáculo espanhol outro de teórico elevado grau de dificuldade se seguiu. O Amatori Lodi, conjunto oriundo de outro país gigante no Planeta do Hóquei em Patins, uma equipa que na opinião do jornalista Orlando Dias Agudo, da Gazeta dos Desportos, apresenta outro tipo de jogo, distinto dos espanhóis. «(Jogo) mais complicado, que faz mais nervos, que não é bonito à vista, mas é terrivelmente prático no aproveitamento de situações. (…) Mas é importante que se diga: o Sesimbra está a fazer um grande esforço para estar presente nesta competição. Os dinheiros não abundam, as receitas dos jogos mal dão para as estadias no estrangeiro. Que faz então correr os jogadores do Sesimbra? Talvez que a “fome” de mostrar a tudo e a todos que a vontade e o espírito de equipa ainda pode muito nos dias que vão correndo, que o “cinco” tem capacidade para fazer na Europa, que a conquista da taça é um sonho lindo que se poderá transformar em realidade», assim analisava este jornalista no lançamento da eliminatória. 

E foi num pavilhão completamente esgotado que os portugueses efetuaram uma primeira parte «linda, onde por duas vezes o esboço de uma vitória sensacional esteve feito», mas na segunda metade veio a «derrocada, o desnorte, o barco sem rumo, dando ao parceiro da eliminatória fartos motivos de esperança para chegar à final», assim analisou a Gazeta dos Desportos um encontro realizado em Lodi e que os locais venceram por 6-3, curiosamente o mesmo resultado alcançado pelo Noia na ronda anterior. Por isso, a esperança numa nova reviravolta reinava após o soar do gong: «Noia foi a lição: quem consegue recuperar três golos a uma equipa espanhola, também o vai conseguir com uma equipa italiana. Porque o hóquei italiano é diferente do espanhol: à matreirice dos ibéricos corresponde o fechado do quadrado transalpino. Mas está lá, Garrancho para destruir qualquer quadrado, José António para furar qualquer barreira, José Adrião para desnortear os lados desse quadrado. Possível? Se o Noia foi…», escrevia então a Gazeta dos Desportos.

Portas da final abertas com uma nitidez profunda 


E tanto era possível que acabou mesmo por acontecer. Na volta, em Sesimbra, mais uma exibição monstruosa dos lusos culminada com um esclarecedor triunfo por 10-1, que abriram com uma nitidez profunda as portas da final. O pavilhão da bela localidade do Distrito de Setúbal foi pequeno demais para presenciar este recital e hóquei da sua equipa. Ao Lodi não chegou a categoria de jogadores internacionais como Fontana, ou Fona, já que a turma portuguesa não só marcou golos a um ritmo endiabrado, como justificou ao longo da partida o avolumado score com que esta terminou. A superioridade refletiu-se amplamente no marcador, e aos 13 minutos já o encontro estava praticamente decidido a favor dos homens do sul do Tejo, que então já venciam por 5-0, deixando os italianos com ténues esperanças numa reviravolta. «E como foi isto possível? Quem presenciou o ambiente escaldante nas bancadas, não podia esperar por outro desfecho. O público presente nas bancadas soube transbordar para os jogadores do seu emblema todo o seu entusiasmo e vontade de vencer, tendo sido fácil o resto: italianos desnorteados, vencidos, nada puderam opor aos golos que iam nascendo na baliza de Fontana», escrevia o jornalista de serviço da Gazeta dos Desportos, que terminada a sua proza com a seguinte pergunta: «Quem se atreve a vencer o Sesimbra? Que responda quem quiser e… souber». Com seis golos na sua conta pessoal, Carlos Pereira foi o melhor marcador dos portugueses, que viram também José Pedro – por duas ocasiões –, Carlos Garrancho e Carlos Cunha fazer o gosto ao stick.

Inferno de Sesimbra empurrou a equipa para a glória


E assim chegávamos à final, onde pela frente o Sesimbra iria ter outra das surpresas desta edição inaugural da Taça CERS, os neerlandeses do RC Lichtstad. O emblema de Eindhoven havia deixado pelo caminho, nos quartos-de-final, o outro clube português envolvido na competição, o Valongo, sendo que nas meias-finais eliminou os italianos do Reggiana Hockey Club. A primeira mão da final foi disputada num sábado à noite no completamente esgotado Pavilhão Gimnodesportivo de Sesimbra, sob arbitragem do espanhol Hidalgo. E talvez porque estivéssemos numa final o início de jogo foi morno, com os dois conjuntos a estudarem-se mutuamente. Até que veio a explosão, o mesmo será dizer, o primeiro golo dos portugueses, por intermédio de Carlos Cunha, na sequência de um belo trabalho de José Adrião. «A torcida aquecia, estava aberto o caminho para o resultado sonhado, tanto mais que os homens da camisola branca, com vivos violeta, eram os que comandavam a movimentação da bola», escrevia a reportagem da Gazeta dos Desportos. Porém, os homens dos Países Baixos eram duros de roer, formavam um conjunto que nunca vira a cara à lura, e sempre que podiam lá se aproximavam da baliza de Fernando António, «rematando com força e quase sempre com boa pontaria, mas o guarda-redes do Sesimbra era um homem atento». Até que numa dessas jogadas o pavilhão sesimbrense levou um autêntico balde de água gelada. Van Gemert, desde a linha do seu meio campo, stica forte para o fundo das redes portuguesas. Estava feito o empate. O golo espicaçou os comandados de Ernesto Meireles, que voltaram a chamar a si o controlo da partida, fechando com atenção todos os caminhos – fossem de perto, ou de longe – da sua baliza, e ainda antes do descanso Carlos Cunha fez o 2-1. «Depois de uma primeira defesa de Van Dungen, após a qual Carlos Pereira lhe roubou a hipótese de completar a defesa, colocando-a (a bola) no stick de Carlos Cunha. Era o 2-1, renascer da esperança». E foi com grande vontade que os sesimbrenses voltaram ao rinque na segunda metade.  Nos segundos iniciais, o capitão de equipa, José Pedro, dispara um “míssil” que elevou para 3-1 a vantagem dos portugueses. Carlos Pereira ainda apontaria o quarto golo do Sesimbra, que assim vencia o primeiro jogo da final por 4-1.

Saber sofrer com valentia e cabeça fria para depois fazer a festa


A vantagem na viagem para Eindhoven era de três golos. Curta ou confortável? O encontro da segunda mão da final ditou que esta foi uma vantagem que o Sesimbra soube segurar com muito sofrimento. Cabeça fria, valentia e coragem, foram três ingredientes que os portugueses usaram para trazer a taça para casa, após um jogo disputado num piso impróprio (de cimento) para a prática do hóquei em patins. Plantado ao ar livre, o rinque – localizado paredes meias com um cemitério! – do RC Lichtstad foi um dos grandes obstáculos que o Sesimbra teve de ultrapassar com bravura para ganhar a competição. Ainda por cima, a partida foi disputada num sábado de chuva, o que dificultou ainda mais a tarefa dos atletas. No que diz respeito ao jogo em si, os neerlandeses assumiram as rédeas nos minutos iniciais à boleia dos irmãos Van Gemert. Carlos Cunha, um dos principais artistas do Sesimbra, foi bem guardado por Trudo Van Gemert, mas mesmo apesar de terem mais tempo a bola em seu poder nos primeiros 25 minutos, os neerlandeses não criaram grandes situações para bater Fernando António. «A defesa do castelo estava mais do que organizada e o assalto resultava inútil»; escrevia Orlando Dias Agudo, jornalista da Gazeta dos Desportos encarregue de cobrir o jogo. Faltavam mais 25 minutos para que os experientes jogadores do Sesimbra acabassem com as esperanças dos novos e «cheios de vida e de força» rapazes de Eindhoven e conquistassem a taça. Porém, a missão dos portugueses complicou-se quando aos 3 minutos da segunda parte Peter Van Gemert desviou um passe de Habraken para o fundo da baliza de Fernando António, que 11 segundos depois sofreu um novo golo, desta feita apontado pelo próprio Habraken. O Sesimbra tremeu. A vantagem de três golos passava agora a ser apenas de um. Os neerlandezes cresceram, e na tentativa de igualar a eliminatória atiraram vezes sem conta do “meio da rua” em direção da baliza de Fernando António. No entanto, os pupilos de Ernesto Meireles disseram “presente”, e seguraram com valentia e mestria a magra vantagem no agregado dos dois jogos. E com os minutos a passarem veio ao de cima o mau perder os neerlandeses, que começaram a jogar de forma mais dura. José Adrião e Carlos Garrancho que o digam, já que além da taça trouxeram para Portugal algumas nódoas negras oferecidas pelos jogadores do RC Lichtstad. A certa altura do encontro os locais passarem mesmo a jogar temporariamente com menos um homem na quadra, pois o durão Kippels entrou e quase de imediato viu o cartão vermelho por uma entrada à margem da lei. «Os jogadores do Sesimbra não eram apenas valentes, eram também mártires, à força da força neerlandesa. Havia sangue no rosto de Garrancho, suor em todas as camisolas, e as lágrimas de alegria estavam quase a saltar dos olhos dos portugueses ali presentes», escrevia Orlando Dias Agudo. Farto de levar pancada, Garrancho a escassos minutos do fim fez uma falta que lhe valeu não só o cartão amarelo como beneficiou os locais com um livre direto. A última oportunidade para o RC Lichtstad levar o jogo para prolongamento. «Silêncio absoluto. O árbitro apitou, Trudo Van Gemert rematou… e a bola foi desviada por Fernando António. Pouco depois o sinal de recolher às cabines quase coincidiu com o saltar da primeira rolha de garrafa de champanhe. Foi quando se chorou, no ombro do vizinho, do colega de equipa, do treinador, no banco do adepto que fez questão de gastar umas notas para ajudar a trazer a taça para Sesimbra», assim relatou o jornalista. A festa durou até às tantas. Primeiro em Eindhoven, com os responsáveis do RC Lichtstad a aceitarem a derrota com desportivismo e a convidaram a comitiva lusa para um jantar num restaurante chinês naquela cidade. E depois, claro, na chegada a Portugal, onde Fernando António, José Pedro, Carlos Garrancho, José Adrião, Carlos Cunha, Carlos Pereira, Vítor Afonso, Carlos Silveira, Guedes, e o treinador Ernesto Meireles foram recebidos como heróis. E é como verdadeiros heróis imortais que estes homens continuam hoje, mais de 40 anos depois, a ser recordados na encantadora vila piscatória de Sesimbra.

Iuri Leitão torna-se no primeiro português a vencer duas medalhas olímpicas numa só edição dos Jogos

 


Os Jogos Olímpicos de Paris (2024) podem ser considerados como os melhores de sempre em termos de prestação da delegação portuguesa. Desde logo porque até ali nunca Portugal tinha conquistado tantas medalhas numa só edição das Olimpíadas, mas também porque se fez história ao vermos pela primeira vez um atleta luso conquistar mais do que uma medalha na mesma edição. Tal façanha pertenceu ao ciclista Iuri Leitão, que após ter arrecadado a medalha de prata em Omnium, prova de ciclismo de pista, logrou conquistar o ouro olímpico em Madison, juntamente com o seu companheiro de equipa Rui Oliveira, no dia 10 de agosto. A prova de Madison é corrida a pares (como uma estafeta), com 200 voltas à pista do Velódromo de Saint Quentin en Yvelines, sendo que no final Portugal somou 55 pontos, contra 47 da Itália e 41 da Dinamarca, sagrando-se desta forma campeão olímpico desta disciplina do ciclismo de pista. A estratégia da dupla lusa passou por atacar nas últimas 50 voltas e foi o que fizeram. Quem presenciou esta épica jornada do desporto nacional foi o primeiro-ministro Luís Montenegro, que no final disse que «a corrida foi inteligente e excecional». Os dois atletas conquistaram a única medalha de ouro para Portugal em Paris, mas sobretudo arrecadaram a primeira medalha de ouro fora do atletismo.

 

domingo, 11 de agosto de 2024

Pichardo fica a 2 centímetros de um novo ouro olímpico


Em condições normais este seria um momento de extrema felicidade, mas dado que estamos a falar de uma diferença de 2 centímetros (!!!) entre o ouro e a prata é caso para dizer que o segundo lugar no pódio olímpico da prova de triplo salto soube a pouco ao luso-cubano Pedro Pablo Pichardo nos Jogos de Paris 2024. O atleta, campeão olímpico em Tóquio 2020, e vice-campeão europeu em Roma, saltou 17.84 metros, ficando a dois centímetros da medalha de ouro, que seria conquista pela espanhol Jordan Díaz (que registou a marca de 17,86 metros). Ao terceiro lugar do pódio subiu o italiano Andy Díaz Hernández (com 17,73 metros). Uma curiosidade para dizer que os três atletas medalhados são naturais de Cuba. Pedro Pablo Pichardo entra assim para a história dos melhores portugueses em Jogos Olímpicos, com uma medalha de ouro e outra de prata, igualando o maratonista Carlos Lopes.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Ciclista Iuri Leitão conquista a 30.ª medalha olímpica da história de Portugal

Portugal voltou a ser feliz nas Olimpíadas de Paris de 2024. Depois do judo, foi a vez do ciclismo nos dar uma alegria, o mesmo será dizer, uma medalha olímpica, a 30.ª da nossa história desportiva no que concerne a Jogos Olímpicos. O feito foi alcançado pelo ciclista Iuri Leitão, natural de Viana do Castelo, e que logrou alcançar o segundo lugar e a respetiva medalha de prata em Omnium, prova de ciclismo de pista. Iuri Leitão chegou a Paris ostentando o título de campeão do Mundo da especialidade, conquistado em Glasgow, em 2023, tendo terminado o Omnium – realizado no velódromo Saint-Quentin-en-Yveniles – com 153 pontos, atrás do francês Benjamin Thomas (164) e à frente do belga Fábio van den Bossche (131). O ciclista de 26 anos conquistou assim a primeira medalha para Portugal na pista e a segunda da história do ciclismo português em Jogos Olímpicos, depois de Sérgio Paulinho ter igualmente arrecadado a prata na prova de fundo em Atenas 2004. O trajeto de Leitão até agarrar a medalha não teve início da melhor maneira, já que não foi além do 7.º lugar na corrida "Scratch", somando 28 pontos, classificação essa que iria melhor no evento seguinte. Na corrida "Tempo" o português brilhou a grande altura, alcançando a 2.ª posição, com 38 pontos, sendo apenas batido pelos 40 pontos do belga Fabio van den Bossche. Na corrida de "Eliminação" houve alguma polémica, já que Iúri Leitão não terá ouvido a sineta a avisar que estava a entrar numa volta de eliminação e acabou por somar "apenas" 28 pontos consequentes do 7.º lugar logrado, um resultado que lhe permitiu, no entanto, manter o terceiro lugar da classificação geral à entrada para o derradeiro e decisivo evento. Na corrida por "Pontos", o português foi brilhante e conseguiu o 2.º lugar, que acabaria por ser decisivo para a medalha de prata, atrás do francês Benjamin Thomas, que conquistou o ouro, enquanto o belga Fabio van den Bossche ficou com o bronze. 

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Da Nigéria chegou o homem mais rápido da história de Portugal que em 2004 para aqui trouxe a prata olímpica

Foi a defender a sua terra natal (a Nigéria) que com apenas 17 anos viveu a sua primeira experiência olímpica, em 1996, quando em Atlanta se quedou pelas eliminatórias das provas de 200m e 4X100m. Mas seria com as cores do nosso país que em 2004 atingiu a imortalidade olímpica. Francis Obikwelu, um nome que reluz a letras de prata na história do desporto lusitano, e prata porque foi essa a "cor" da medalha que ele conquistou nos Jogos Olímpicos de Atenas, na prova dos 100m, ficando para a história como o homem mais rápido do atletismo português de todos os tempos. Obikwelu nasceu em Onitsha, na Nigéria, em 22 de novembro de 1978, e com 15 anos de idade veio pela primeira vez ao nosso país, a fim de participar no Mundial de juniores, que decorreu em Lisboa. Então, e tal como outros atletas africanos, opta por ficar a viver em Portugal, de forma ilegal, tendo vivido tempos difíceis, chegando mesmo a ter de trabalhar na construção civil no Algarve. É aqui que conhece algumas pessoas que percebendo o seu talento o encaminham para o Belenenses, clube onde evoluiu como atleta, sendo que em 1996 se sagra campeão mundial júnior nos 100 e 200m, além de que vai pela primeira vez, como já vimos, aos Jogos Olímpicos. Um ano mais tarde transfere-se para o Sporting, e vence a medalha de bronze dos 200m nos Mundiais de pista coberta, além de que com as cores da sua Nigéria ganha a medalha de prata dos 4x100m nos Campeonatos do Mundo de Atletismo, que se disputaram em Atenas. Outros títulos e outras medalhas se seguiram nos anos seguintes, até que em 2001 obtém a nacionalidade portuguesa, depois de uma rutura com os responsáveis pelo atletismo nigeriano, pelo facto de Francis se sentir de certa forma abandonado por estes. Um ano antes, em 2000, ajuda o seu clube a vencer a Taça dos Clubes Campeões Europeus de atletismo, ao contribuir com três vitórias (100m, 200m e 4x100m). No novo milénio bate uma série de recordes nacionais de velocidade, com realce para o que obteve em 2004, em Paris, quando correu os 200m em 20,12s. Mas o recorde mais saboroso que iria bater nesse ano seria no maior palco desportivo planetário, os Jogos Olímpicos. Em Atenas, e numa das finais olímpicas mais emocionantes – e mais rápidas, com apenas 4 centésimos de segundo a separar o 1.º do 4.º classificado – da história, Francis conquistou a medalha prata nos 100m, com um tempo de 9,86 segundos, apenas superado pelo norte-americano Justin Gatlin, que fez menos um centésimo (9,85s). Este tempo obtido pelo luso-nigeriano é ainda hoje o recorde da Europa nos 100m – uma das mais prestigiadas provas dos Jogos Olímpicos.  

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

De Espinho a Los Angeles com o bronze (olímpico) como ponto alto de uma carreira que foi curta demais

Os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, foram dos mais produtivos no que diz respeito a medalhas para o desporto português. No total arrecadámos três medalhas, e todas elas no atletismo por intermédio de três dos maiores vultos da modalidade: Carlos Lopes (ouro na maratona), Rosa Mota (bronze, também na maratona) e António Leitão (bronze nos 5000m). Esta performance só seria superada nos Jogos de Tóquio, em 2020, quanto trouxemos para casa quatro medalhas, por intermédio de Jorge Fonseca (judo), Patrícia Mamona (atletismo), Fernando Pimenta (canoagem) e Pedro Pablo Pichardo (atletismo). Mas regressemos a Los Angeles, onde há 40 anos a esta parte um dos maiores fundistas da nossa história viveu o ponto alto da sua notável carreira ao conquistar uma medalha olímpica. António Leitão, assim se chamava este homem nascido em Espinho a 22 de julho de 1960. Leitão começou a evidenciar o seu talento para as corridas na sua terra natal, tendo dados os primeiros passos no Núcleo dos Amigos do Sporting Clube de Espinho e posteriormente passado para este que é o emblema mais representativo desta localidade. Em 1979 tornou-se no primeiro atleta português a conquistar uma medalha nos Europeus de atletismo no escalão de juniores, nesse ano realizados em Bydogoszcz (Polónia), de onde trouxe o bronze. Este êxito fê-lo deixar o clube da sua terra para assinar com o gigante Benfica, clube cujas cores defendeu durante a restante carreira. Ao serviço das águias foi 7 vezes campeão nacional de pista por equipas (80, 82, 83, 84, 86, 89, 90), penta campeão europeu de estrada por equipas (88, 89, 90, 91 e 92), 2 vezes campeão nacional de corta-mato por equipas (81 e 90), e campeão nacional de estrada por equipas (91). O seu maior feito foi, porém, a medalha de bronze nos 5000m dos Jogos Olímpicos, após ter ficado no terceiro posto de uma corrida épica. Leitão era um especialista nesta disciplina do atletismo, como recordou anos mais tarde outro ícone da modalidade, Carlos Lopes: «Ele conhecia muito bem esta distância, tinha velocidade, e toda a sua corrida era dinâmica, ajustada a ritmos fortes». Em Los Angeles, o também português Ezequiel Canário foi o primeiro a dar nas vistas na prova dos 5000m, impondo um ritmo fortíssimo, sendo que posteriormente surgiu António Leitão, que fez de tudo para evitar que alguém o surpreendesse nas últimas voltas, O luso tinha o ouro na mente. Andou sempre no trio da frente e só nos metros finais descolou dos dois primeiros classificados. Tudo porque o marroquino Said Aouita fez a corrida da sua vida, e confirmou aqui o porquê de ser considerado o melhor corredor mundial de pista dos finais dos anos 80. Aouita bateu Leitão e ficou com o ouro, sendo que o suíço Markus Ryffel superou o português quase em cima da meta, arrecadando desta forma a prata. António Leitão teve de resignar-se com o bronze (com um registo de 13.09,20 minutos), que mesmo assim foi memorável. 1984 foi mesmo um ano memorável para o atleta natural de Espinho, já que contribuiu para que a seleção portuguesa garantisse o 3.º lugar por equipas no Mundial de Corta-Mato, realizado em Nova Iorque. As lesões e acima de tudo uma doença rara fizeram com que a sua carreira terminasse cedo de mais. Com apenas 31 anos deixou as pistas, devido a uma doença rara denominada de hemocromatose, que faz o corpo absorver ferro em excesso e provoca depósitos desse material em diversos órgãos, danificando-os a ponto de causar morte prematura. Faleceu, pois, muito novo, com 51 anos, no dia 18 de março de 2012.                    

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Patrícia Sampaio conquista em Paris (2024) a quarta medalha olímpica no judo

E eis que ao sexto dia (1 de agosto) dos Jogos Olímpicos de Paris, Portugal arrecadou uma medalha de bronze. Patrícia Sampaio é o nome da conquistadora lusa, ela que entra assim na história do nosso desporto após ter ficado no terceiro lugar nos -78kg de judo ao derrotar a japonesa Rika Takayama – 9-ª do ranking mundial – por duplo waza-ari. Na Arena de Bercy, em Paris, a atleta portuguesa – nascida a 30 de junho de 1999, em Tomar – começou com um waz-ari no início do combate e finalizou com duplo waza-ari, a um minuto do final, resultando em ippon, garantindo, assim, a medalha de bronze. Até chegar à medalha olímpica, Patrícia Sampaio venceu quatro das cinco lutas quer travou, tendo apenas sido derrotada pela italiana Alice Bellandi, número 1 do Mundo, na meia-final. A tomarense tinha vencido na estreia olímpica a queniana Zeddy Cherotich, seguindo-se a vice-campeã olímpica Madeleine Malonga e, por fim, venceu a chinesa Ma Zhenzhao após um ippon por estrangulamento. Ao site oficial dos Jogos Olímpicos a atleta de 25 anos referiu que «[A medalha] só me dá vontade de querer mais. E agora eu tenho o bronze. Em Tóquio (2020) eu participei e sabia que na edição seguinte eu queria mais... agora em Paris eu tenho o bronze e sei que na edição seguinte eu vou querer mais. Portanto, Paris acaba hoje e amanhã já se começa a pensar em Los Angeles (2028). E eu só quero mais e mais. Uma pessoa depois de conquistar isso, só quer mais», que antes de subir ao pódio para receber aquela que é a 29.ª medalha da história de Portugal em Jogos Olímpicos confessou, emocionada, que tudo aquilo «parece um sonho, e era um sonho». Relembre-se que esta é a quarta medalha olímpica conquistada por Portugal em judo, depois de Nuno Delgado, Telma Monteiro e Jorge Fonseca terem também entrado na história dos Jogos com as nossas cores.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Bronze (inesperado) na casa de partida das Olimpíadas

No berço (Atenas) dos Jogos Olímpicos, Portugal conquistou em 2004 três medalhas. Em termos mais precisos, a delegação lusa presente na capital grega arrecadou duas medalhas de prata (por intermédio de Francis Obikwelu – no atletismo – e de Sérgio Paulinho– no ciclismo) e uma de bronze. É esta última que hoje iremos recordar em breves linhas e que foi conquistada por um dos melhores atletas da sua geração, Rui Silva. Nascido em Santarém a 3 de agosto de 1977, o corredor teve a sua estreia olímpica em Sydney, no ano 2000, onde não foi muito feliz a julgar pelo modesto 13.º e penúltimo lugar na prova dos 1500m em atletismo. Este resultado aquém do esperado não esmoreceu o atleta, que um ano depois se sagrava campeão do Mundo nos 1500m em pista coberta, numa competição realizada em Lisboa. Porém, o azar perseguiu o atleta nos anos seguintes, e antes de Atenas teve uma hérnia inguinal que lhe trouxe muitos problemas na preparação para os Jogos, pelo que o objetivo de uma medalha poderia passar por ser encarado de forma excessivamente otimista. No entanto, Rui Silva partiu para os Jogos de 2004 disposto a fazer um pouco melhor do que em Sydney, e a crença, e acima do tudo, o esforço em atingir essa meta ficaram bem patentes nas primeiras eliminatórias e na meia final dos 1500m, em que o atleta conseguiu gerir da melhor maneira o esforço e a sua condição física e dessa forma atingir a final. E no momento decisivo da prova dos 1500m o português fez uma prova espetacular. Estrategicamente começou a corrida ocupando os últimos lugares. Esperou pela última volta para atacar com toda a sua força, arrancando de forma fulgurante no ataque aos lugares da frente, passando pelo espanhol Reyes Estevez e por vários atletas africanos que à partida eram tidos como favoritos à conquista das medalhas. Da legião africana presente nesta final apenas o queniano Bernard Lagat e o marroquino Hicham El Guerrouj não se deixaram ultrapassar por Rui Silva. Os últimos 400m da corrida foram assombrosos para o luso, que acabaria por cortar a meta em 3.º lugar com um tempo de 3:34.18. O queniano Bernard Lagat terminou em segundo lugar com um registo de 3:34.30, ao passo que a medalha de ouro seria conquistada pelo marroquino El Guerrouj, com a marca de 3:34,19. Mas o foco da nação portuguesa estava, naturalmente, em Rui Silva, que conquistava a medalha de bronze, naquele que foi um dos pontos mais altos da sua laureada carreira, onde figuram, por exemplo, as medalhas de ouro dos 1500m nos campeonatos europeus de pista coberta em 1998 (Valência), 2002 (Viena) e Turim (2009).

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Memórias da campeã olímpica Fernanda Ribeiro em exposição

No dia em que tiveram início os Jogos Olímpicos de Paris, 26 de julho, um espaço comercial localizado na Maia inaugurou uma exposição sobre a Fernanda Ribeiro, uma das atletas mais mealhadas da história do desporto em Portugal, e que nas Olimpíadas de 1996 conquistou uma medalha de ouro para o nosso país. Na mostra pudemos ver alguns objetos pessoais da coleção particular de Fernanda Ribeiro, como por exemplo, o equipamento (camisola, calção e sapatilhas) com que venceu a medalha de ouro olímpica em 1996; o dorsal 3643 que a atleta usou nessa epopeia em Atlanta; um pedaço da pista de tartan do Estádio Olímpico de Atlanta; os fatos de treinos usados nos Jogos Olímpicos de 2000, em Sydney, onde conquistou a sua segunda medalha olímpica, no caso, a de bronze; e algumas das mais importantes medalhas conquistadas ao longo da sua carreira, desde logo , o bronze olímpico de Sydney. A exposição contava ainda com vários painéis ilustrados com capas e notícias publicadas em jornais com alguns dos principais feitos nacionais e internacionais da atleta nascida em Penafiel. Uma simples, pequena, mas deveras interessante exposição desta lendária campeã olímpica lusa.


quinta-feira, 25 de julho de 2024

Um salto dourado para a glória olímpica

Um salto de 17,67m em direção à glória olímpica, o mesmo será dizer ao ouro, e que valeu a Nélson Évora um lugar (eterno) no Olimpo dos Deuses do Desporto. Estávamos em 2008, e Pequim recebia os Jogos da XXIX Olimpíada, para os quais a delegação portuguesa partia com algumas aspirações na conquista de medalhas. Uma das principais esperanças recaia em Nélson Évora, que um ano antes nos Mundiais de Osaka sagrou-se campeão do Mundo de triplo salto, com a marca de 17,74m, além de outro 1.º lugar na Taça da Europa desta disciplina do atletismo. Nascido a 20 de abril de 1984, em Abidjan (Costa do Marfim), Nélson Évora era filho de um cabo-verdiano e de uma marfinense, tendo com apenas 5 anos de idade vindo viver para Portugal, para Odivelas, mais em concreto. Em 2002, já com 18 anos, naturalizou-se português. Até Pequim colecionou inúmeros títulos (nacionais e internacionais), estabeleceu recordes, mas o ouro olímpico foi o ponto alto da sua carreira, naquela que foi a sua segunda participação em Jogos Olímpicos. Em 2004 tinha estado em Atenas, e com apenas 20 anos teve uma participação discreta no triplo salto, não tendo ido além do 40.º lugar na classificação final. Atenas serviu de aprendizagem a Nélson, que 4 anos volvidos era já um nome sonante do triplo salto internacional, e foi com esse rótulo que chegou à capital da China. 21 de agosto de 2008 é assim um dia histórico para o desporto nacional. Nélson Évora alcança a final do triplo salto. Entra da melhor forma no concurso, alcançando a marca dos 17,31m, apenas suplantada pelo seu maior concorrente nesta corrida ao ouro, o britânico Phillips Idowu, que saltou 17,51m. O terceiro salto do português foi nulo, e o britânico aproveitou para elevar a fasquia, isto é, melhorar o registo, para os 17,62m. Idowu começou a vibrar no Estádio Olímpico, ao persentir que o ouro estava cada vez mais perto, uma atitude que de certa forma espicaçou Évora, que olhando para a bancada na direção do seu amigo e treinador, João Granço, pareceu dizer que “isto ainda não acabou”. E eis como que a abençoar o quarto ensaio do atleta português, a chuva voltava a cair sobre Pequim nesse dia, um cenário que em jeito de premonição já tinha sido traçado pelo treinador João Granço, que antes de entrar no estádio virou-se para o seu pupilo e disse com convicção: «Hoje está a chover, mas vais ser campeão olímpico». Dito e feito. Nélson Évora projeta o corpo para a marca dos 17,67m, suplantando assim o registo do atleta britânico e passa para a liderança do concurso final de triplo salto. Idowu voltou à pista para tentar recolocar-se na liderança, mas já sem a força anímica com que iniciou a final não consegue ir além dos 17,26m e dos 16,41m nos seus dois últimos ensaios. Significou isto que a medalha de ouro era de Nélson Évora e de Portugal, país que 12 anos depois voltava a conquistar o ouro olímpico, depois de Fernanda Ribeiro o ter arrecadado em Atlanta 96. Curiosamente, tanto Fernanda Ribeiro como Nélson Évora foram os porta-estandarte da deleção portuguesa nos Jogos Olímpicos de 1996 e de 2008, e ambos trouxeram para casa o ouro.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

A prata olímpica conquistada para Portugal pela filha do Velho Lau

“Filho de peixe sabe nadar”, uma expressão popular que pode ser aplicada nesta memória olímpica, que alude à conquista da medalha de prata no triatlo por parte de Vanessa Fernandes, filha de um grande campeão das duas rodas (vulgo, ciclismo), de seu nome Venceslau Fernandes. Nascida a 14 de setembro de 1985, em Vila Nova de Gaia, a filha do Velho Lau – como era conhecido este ciclista luso dos anos 70 e 80 –  viveu o seu momento de glória enquanto triatleta nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, quando trouxe para Portugal uma medalha de prata. Puxando um pouco a fita atrás, é de recordar Vanessa Fernandes iniciou a prática de natação aos 6 anos de idade, sendo que aos 13 inicia a prática de atletismo no FC Porto, ao passo que um ano depois junta a estas duas modalidades o ciclismo e dá início ao seu trajeto de glória no triatlo (modalidade que agrega natação, ciclismo e atletismo). A primeira grande conquista acontece já no novo milénio, em 2001, quando se sagra vice-campeã da Europa de juniores em duatlo (atletismo e ciclismo), para no ano seguinte arrecadar duas medalhas de bronze nos Europeus de juniores de duatlo e de triatlo. O nome de Vanessa Fernandes começou a ser falado de forma mais regular nos quatro cantos do país, e não só, em 2003, altura em que é campeã da Europa de juniores de triatlo. Passa de promessa a certeza da modalidade. Em 2004, vence novamente o Campeonato da Europa de triatlo, desta feita na categoria Elite, numa prova realizada em Valência; e no escalão de sub-23, em competição realizada na Hungria. É neste ano de 2004 que tem a sua primeira aparição olímpica, nos Jogos de Atenas, onde alcança um 8.º lugar na prova de triatlo. Até aos Jogos seguintes, dali a quatro anos em Pequim, soma inúmeras vitórias nacionais e internacionais (com destaque para uma série de 12 vitórias consecutivas em etapas da Taça do Mundo de triatlo), sendo por esta altura considerada a melhor atleta do circuito mundial da modalidade. Em 2007 é campeã mundial de triatlo (em Hamburgo) e de duatlo (em Gyor). É, pois, com um elevado estatuto que chega a Pequim, em 2008, para a sua segunda Olimpíada, partindo como uma das principais favoritas à conquista do ouro olímpico. A prova feminina de triatlo realizou-se numa manhã escaldante, numa localidade situada a 30 km de Pequim. Vanessa usava o dorsal número 54, e de pronto atira-se à água com uma vontade férrea de conquistar uma medalha para Portugal. Na prova de natação, que teve um percurso de 1,5 km, a portuguesa teve um forte arranque, colando-se de pronto ao grupo da frente. Termina este primeiro teste na 11.ª posição, e de pronto pega na bicicleta para dar início à prova de ciclismo, que tinha um percurso de 40 km. Tal como na natação, o arranque de Vanessa Fernandes foi forte, chegando mesmo a estar na liderança da corrida, fazendo a transição para a prova de atletismo no 9.º lugar da classificação geral. Na corrida de 10 km, a portuguesa correu a um ritmo alto, atacando as atletas que seguiam à sua frente, e com passada largas começou a distanciar-se de “uma atrás de outra”. Com a meta à vista, Vanessa Fernandes ganhou uma energia renovada e chegou ao fim no 2.º lugar, com o tempo de 1h59m34s, sendo apenas superada pela australiana Emma Snowsill, a campeão olímpica, com um registo de 1h58m27s. Cansada, mas feliz, era assim que a vice-campeã olímpica - e por consequência medalha de prata - Vanessa Fernandes se apresentou no pódio, sublinhando à comunicação social que tinha mostrado (um pouco) aquilo que valia. «O pódio era o meu objetivo, mas sei que valho mais do que fiz nesta prova. Sei que foi um feito grande», disse. E foi, de facto, como mais tarde comprovou a sua chegada a Portugal, em que na companhia do seu pai foi recebida em apoteose por milhares de portugueses no Aeroporto de Lisboa. 

terça-feira, 2 de julho de 2024

O FC Porto de Vítor Hugo eclipsou o poderoso Sporting de Livramento na primeira final internacional 100% portuguesa

Com o aparecimento das competições europeias de hóquei patins na segunda metade dos anos 70 do século passado, foi com naturalidade que os clubes portugueses começaram a enriquecer os seus currículos a nível internacional no seio da modalidade. Ou não fosse Portugal uma das maiores potências do hóquei sobre rodas. No início da década de 80 já o país tinha nas suas vitrinas as três principais taças europeias à época, nomeadamente a Taça dos Campeões Europeus (conquistada pelo Sporting em 1977), a Taça CERS (arrecadada em 1981 pelo Sesimbra) e a Taça das Taças (à conta do Oeiras em três ocasiões – 1977, 1978 e 1979 – e do Sporting, em 1981). E eis que na temporada de 81/82 dá-se um momento até então inédito no hóquei patinado luso: o facto de uma final europeia ser disputada por duas equipas nacionais. Pois bem, o detentor do troféu, o Sporting, tentava segurar o título diante do FC Porto, numa dupla final, isto é, jogada a duas mãos, que ficou nos anais da história da modalidade, como iremos perceber nas próximas linhas à boleia da Gazeta dos Desportos. Orientado pela lenda do hóquei planetário António Livramento, o Sporting entrou a todo o gás no rinque no jogo da primeira mão da final, realizado no Pavilhão das Antas, com 6000 espectadores nas bancadas. Logo aos 2 minutos, Sobrinho sticou com êxito para o fundo da baliza de Domingos, perante a euforia de Livramento, que do banco incentivava a sua rapaziada com gritos de que estes iriam vencer aquele encontro. 

Livramento passa o trono a Vítor Hugo

Puro engano. Três minutos volvidos começou o recital portista, com Vítor Hugo a assumir o papel de maestro. O número 4 do FC Porto fez o empate, a partir dali a turma da casa contrariando as expectativas iniciais – que davam favoritismo aos lisboetas – partiu para uma exibição de gala, arrebatadora, expressa em números volumosos: 13-4 a favor dos azuis e brancos. Nem o recém-eleito presidente portista, Jorge Nuno Pinto da Costa, esperava um score tão dilatado antes da partida, ele que antes
da sticada inicial vaticinou que o seu clube iria vencer por 3 golos de diferença. Olarilolé, quais 3 golos de diferença? Foram 9 e podiam ter sido mais, visto que o Sporting não mostrou talento, imaginação, força física, velocidade e frieza nos poucos lances perigosos que construiu, segundo a análise do jornalista da Gazeta que presenciou o encontro, Eugénio Queirós. «A verdade, verdadinha, é que os campeões nacionais e detentores da taça (das taças) tiveram um adversário que não contavam (?) à partida. Esse puto, ou antes, esse senhor, foi Vítor Hugo», escrevia o jornalista para apresentar a grande estrela deste encontro da 1.ª mão da final, precisamente Vítor Hugo, que só à sua conta apontou 7 dos 13 golos portistas, tendo os outros sido da autoria de Alves, Vale (3), e Vítor Bruno (2). O FC Porto na primeira metade deixou algum espaço de manobra aos leões, contra-atacando com uma rapidez estonteante, o que fez com que os golos fossem surgindo em catadupa, como comprova o resultado ao intervalo: 8-2. 

Na segunda parte os portistas mudaram a tática, isto é, passaram do contra-ataque ao ataque, apontando mais 5 tentos e eclipsando completamente as estrelas do Sporting, que eram na altura também alguns dos mais notáveis hoquistas portugueses, casos do guarda-redes Ramalhete (que teve uma noite para esquecer), de Chana (que de acordo com as palavras do jornalista de serviço, nem sei viu), ou de Sobrinho (que foi o menos mau dos lisboetas). A vitória não sofreu qualquer tipo de contestação, sendo que no final, o técnico António Livramento comarcaria por dizer que o «hóquei é um jogo de surpresas, onde tudo pode acontecer. Hoje o FC Porto esteve inspirado e nós tivemos uma noite infeliz. Com certeza que nem os próprios portistas pensavam alcançar tão alargado resultado. Aconteceu. Agora iremos tentar recuperar em Alvalade. Lá, senão conseguirmos a recuperação, terei a certeza de que, como aqui, perdemos de cabeça erguida», disse o lendário ex-jogador. E o trono deixado vago precisamente por Livramento enquanto melhor jogador português – e do Mundo, porque não? – estava prestes a ser ocupado por um jovem chamado Vítor Hugo, o tal número 4 portista que neste primeiro jogo abateu quase sozinho os poderosos leões. Questionado se o talentoso hoquista portista poderia ser o seu substituto enquanto estrela do hóquei, Livramento respondeu que de facto o atleta do FC Porto era «um jogador cheio de vontade e arte, eu conheço-o muito bem. Ele poderá vir a ser uma peça importante no nosso hóquei patinado». Quem teve uma noite horrível foi o titular da baliza do Sporting e da seleção nacional, António Ramalhete, que assumiu as suas culpas neste inesperado e avolumado resultado. «Penso que errei em alguns lances, pois encontro-me longe da minha melhor forma. Mas o último a falhar é sempre o mais notado. Um guarda-redes de hóquei em patins quando se coloca entre os postes não sabe se vai sofrer um, dois, ou dez golos. É imprevisível», disse, enquanto que também Chana lamentava a pesada derrota, ao mesmo tempo que mostrava esperança em mostrar uma outra cara em Alvalade no encontro da segunda mão: «Hoje o Sporting foi manifestamente infeliz e tudo lhe correu mal. Paciência. Em Alvalade iremos tentar retificar a imagem hoje criada»

Do lado dos vencedores vivia-se, naturalmente, um clima de alegria. O treinador portista, João de Brito, colocava um travão na euforia, dizendo que «o resultado não vai afetar a minha equipa e vou avisar os jogadores para não embandeirarem em arco, porque a eliminatória ainda não está ganha». A estrela da noite foi, como já vimos, Vítor Hugo, que à reportagem da Gazeta dos Desportos disse que aquele tinha sido um bom jogo e uma não menos boa vitória. 1982 tinha sido igualmente ano de Campeonato do Mundo, desta feita realizado em Barcelos, tendo o hoquista do FC Porto estado ausente da convocatória do selecionador nacional… António Livramento. No sentido de perceber se esta exibição havia sido digamos que um grito de revolta para com Livramento – quer acumulava também as funções de treinador do Sporting –, Vítor Hugo logo tratou de desmistificar essa ideia, referindo que em Barcelos a seleção não precisou dele, «e a prova é que se sagraram campeões do Mundo».

Ao Sporting não chegou sonhar... 

A segunda mão desta final realizou-se na Nave de Alvalade, onde o Sporting tinha uma missão quase impossível de reverter, como se viria a confirmar. Porém, os leões apresentaram uma outra atitude, tendo protagonizado um jogo que foi escaldante, equilibrado, mas com uma «previsível vitória global dos portistas», assim começou por escrever o jornalista da Gazeta encarregue de contar as incidências do encontro, José Carlos Freitas. O Sporting entrou de rompante no rinque, mas seria o FC Porto a gelar os cerca de 3000 espectadores presentes na Nave de Alvalade, quando correu desde a sua área até à baliza leonina ao longo de 15 metres para desferir um remate que seria desviado com êxito por Alves. O Sporting reagiu, deu a volta ao marcador, com golos de Trindade e Sobrinho, mas antes do intervalo os portistas assumiram o comando do jogo, e Vítor Hugo, Vítor Bruno (em duas ocasiões) e Vale bateram com êxito o guardião Ramalhete, dilatando assim ainda mais a folgada vantagem que traziam da primeira mão. Antes do descanso, Chana encurtou distâncias no marcador, mas a contenda estava mais do que a feição dos portistas que «aproveitando-se do balanceamento ofensivo do Sporting e da sua falta de rapidez, souberam aproveitar da melhor forma o contra-ataque, ao mesmo tempo que, quando de posse de bola, conseguiram enervar os adversários com constantes trocas de bola», assim analisou a primeira metade o jornalista José Carlos Freitas.

Porém, o Sporting melhorou a sua postura na segunda parte, ao passo que os portistas baixaram um pouco o seu ritmo, permitindo uma recuperação digna de registo dos lisboetas no marcador. No espaço de três minutos os homens da casa apontaram 3 golos que os colocaram não só na frente do marcador (6-5) como também fazendo os seus adeptos acreditar num possível milagre. Tal não viria a acontecer, já que o esforço acabou por ser inglório, tendo o FC Porto mantido até final a desvantagem de um golo num marcador que ficaria selado com 8-7 a favor dos sportinguistas, mas com um 20-12 no conjunto das duas mãos. «Com efeito, temos para nós que o mais importante nesta partida, para além da vitória do FC Porto no somatório geral, foi a confirmação dos seus jovens hoquistas como jogadores de primeira linha dentro do hóquei português e que podem vir a construir a base de uma futura seleção nacional» analisava em jeito de premunição o jornalista da Gazeta dos Desportos. E estava certo, porque não demoraria muito a vermos nomes como Vítor Bruno, Alves e um tal de Vítor Hugo a serem habituais chamadas à seleção das quinas. Sobretudo este último, que no total das duas mãos marcou 13 golos (9 nas Antas e 4 em Alvalade) a Ramalhete. A euforia tomou conta dos portistas no final do jogo, de tal maneira que até se esqueceram de ir receber a taça das mãos de Fernando Pereira, o português que então era o presidente da Comissão Europeia de Árbitros da CERS. Os portistas foram para o balneário festejar e só depois tiveram de voltar ao rinque para receber a taça, que seria entregue ao capitão Vale, perante o olhar da também portista Aurora Cunha, atleta que nesse dia se encontrava em Lisboa para participar nos Campeonatos Nacionais de Equipas em Atletismo e que foi a Alvalade apoiar o seu clube nesta primeira final europeia.

No rescaldo desta final, o treinador azul e branco, João de Brito, diria que este segundo jogo tinha sido muito bom, «em que estiveram frente a frentes duas das melhores equipas portuguesas que praticam um hóquei em patins de grande qualidade. (…) A nossa equipa veio a Alvalade para ganhar a eliminatória. Concordo que tivemos a vitória (neste segundo encontro) ao nosso alcance, mas no computo geral o que importava era a vitória na eliminatória e essa conseguimo-la por 8 golos de vantagem». Também a estrela desta final, Vítor Hugo, estava radiante, embora reconhecendo a eliminatória não «foi nada fácil. O Sporting é uma grande equipa. Ganhou o Campeonato Nacional e nós antes destes dois jogos tínhamos bastante medo do que pudesse acontecer devido à maior experiência dos seus jogadores. Mas depois, demonstrámos que a vitória foi merecida, porque estamos num melhor momento de forma que o Sporting e soubemos tirar o devido proveito». Do lado dos sportinguistas havia tristeza, cabeças baixas na hora de abandonar o rinque, entre elas a do treinador Livramento, que partiu para esta segunda mão com a confiança em alta. «Digo claramente que acreditava na recuperação. Foi por isso que trabalhámos uma semana inteira da forma como o fizemos. Quanto mais não fosse, tínhamos de ir lá para dentro e jogar o nosso melhor, e não para fazer figura de corpo presente e ver os jogadores do FC Porto patinar. Mas as coisas correram-nos mal de início, quando podíamos ter feito 2 ou 3 golos foi o FC Porto que se adiantou no marcador e a partir daí tudo ficou decidido. Perdemos a eliminatória no Porto, já nada se podia fazer agora», disse Livramento. A vitória na Taça das Taças foi não só a primeira gloria internacional alcançado pelo hóquei portista como também seria o primeiro de mais de 1300 títulos (em todas as modalidades do clube) conquistado por Pinto da Costa durante o seu reinado de mais de quatro décadas à frente dos destinos do clube da Cidade Invicta.  E por falar na maior cidade do norte do país, esta recebeu em festa os seus campeões após a epopeia de Alvalade, tendo centenas de adeptos azuis e brancos acorrido à Estação de Campanhã para receber os novos campeões da Taça das Taças.