Cascais, assistiu à primeira demonstração de polo aquático em Portugal, no ano de 1907 |
Num
país – como o nosso - louco por futebol é natural que o tempo de antena para
outras modalidades seja diminuto, ou muitas vezes, inexistente. Modalidades há
cujo encanto tarda em conquistar plateias maiores… em exibir-se em palcos de
destaque. O exemplo do pólo aquático bem pode ser encaixado neste cenário, já
que no presente é uma modalidade que se passeia bem longe das luzes da ribalta
do nosso desporto.
Contudo,
nem sempre foi assim. Houve uma década em que o polo viveu, digamos que, a sua Golden Era em território nacional.
Entusiasmo, competitividade, qualidade, acesa rivalidade e acima de tudo
mediatismo, foram ingredientes que tornaram o polo aquático em Portugal um
fenómeno de popularidade nos anos 20 do século passado.
Viajemos
pois a bordo da máquina do tempo até
esse período da História, para reviver alguns capítulos que marcaram a melhor
fase do polo nacional.
Ainda
antes de ancorarmos no início da década de 20, há que primeiro recordar a chegada
do polo aquático a Portugal, algo que, de acordo com os historiadores,
aconteceu em 1907, pela mão de marinheiros ingleses que aqui trabalhavam.
Relatos apontam que a primeira aparição oficial do polo em solo – ou melhor, em
mar – nacional ocorreu em Cascais, a 13 de outubro do citado ano, quando no
âmbito de um festival náutico esse grupo de marinheiros deu vida ao que muitos
de pronto apelidaram de… andebol de água!
Com
este arranque, o polo aquático tornava-se assim na segunda modalidade coletiva a
ser introduzida em Portugal… a seguir ao futebol.
Contudo,
este match experimental não cativou
logo a nação, demorando cerca de uma década a afirmar-se cá pelo burgo.
Foi na
região de Lisboa que a modalidade viria a desenvolver-se em meados dos anos 10.
Há escritos que apontam que na Doca
do Espanhol e na Doca de Santo Amaro se desenrolavam por esta altura grandes
jogos de polo aquático, aos quais assistiam numerosas pessoas.
É
também em 1915 que é fundado aquele que muitos consideram ser o clube que deu
um grande impulso à modalidade, o Sport Algés e Dafundo. Inúmeras páginas
históricas foram escritas por este emblema na sequência de acalorados e épicos
duelos travados a sul com o rival (de então) Sporting e mais a norte com o FC
Porto. ´
E
igualmente na reta final dos anos 10 que começam a realizar-se os primeiros
campeonatos regionais: primeiro em Lisboa (1915) e depois no Porto (1921).
O
interesse em torno do polo ultrapassa nos anos 20 as duas maiores cidades do
país, estendendo-se até à Pérola do
Atlântico, vulgo, a Madeira.
Graças
à sua condição geográfica, a ilha torna-se igualmente num animado centro do polo
aquático, criando mesmo um campeonato próprio, isto é, à margem do campeonato
nacional, cuja primeira edição acontece em 1922.
Lisboa: palco das primeiras batalhas
lendárias
Sporting, campeão nacional em 1922 |
Pode
dizer-se que os primeiros duelos de polo aquático empolgantes e acesos – com
uma dose de picardia e dureza à mistura – aconteceram em Lisboa e foram
protagonizados pelo Algés e pelo Sporting, as duas grandes potências da época.
Os leões criaram a secção de polo
aquático em 1917, precisamente no mesmo ano em que é fundada a Liga Portuguesa
dos Clubes de Natação, organismo que haveria de tutelar os primeiros
campeonatos regulares (regionais e nacionais) no país.
Mas é
no início dos anos 20 que o polo leonino ganha projeção com a chegada de alguns
reforços de peso, oriundos do Clube Naval de Lisboa, entre outros, Joaquim
Oliveira Duarte. Este médico e oficial da Marinha foi nadador, remador,
futebolista, e atleta de polo aquático (era guarda-redes) de um clube do qual
anos mais tarde viria a ser presidente!
Aliás,
grande parte da equipa do Sporting em 1921 era multifacetada no plano
desportivo, senão vejamos: António Silva também jogava rugby; Francisco Leote
praticava também atletismo e rugby; Mário Garcia jogava rugby e hóquei em
campo; Emile Renou era campeão nacional de salto em altura; e Guilherme Coopers
era um craque em saltos para a água, onde chegou a ser campeão nacional.
Foram
estes homens que estiveram na génese do reinado do leão no polo aquático
regional e nacional em diversos períodos na golden
era da modalidade.
Reinado
que tem início em 1922, com o Sporting a levar a melhor no Campeonato de Lisboa
sobre o Casa Pia e o Algés e Dafundo, as outras equipas que compunham este
“triangular” disputado nos meses de julho e agosto. Os verde-e-brancos venceram
os quatro jogos disputados, vingando assim a amarga derrota nesta competição
averbada no ano anterior diante do seu eterno rival no seio desta modalidade, o
Algés.
Ao
vencerem o regional lisboeta de forma destacada com 8 pontos, mais 5 que o
Algés, que partiu para a 6.ª e última jornada da prova para defrontar o
Sporting já ciente de que não iria revalidar o título da temporada transata, os
leões classificaram-se para a final
do Campeonato Nacional, que iria ser disputada com o campeão do Porto, o Clube
Escola Náutica.
Final
que decorreu em Viana do Castelo. E que final haveria de ser!
Ao
intervalo o Sporting vencia os portuenses por claros 3-0, graças a golos de
Emile Renou (2) e Mário Garcia. E eis que para a segunda parte aconteceu algo…
insólito! Os campeões do Porto resolveram não comparecer na quadra desenhada no Rio Lima, ao que parece
porque não conseguiam agarrar bem a bola, alegando que esta estava encerada e
que para a manusear os jogadores do Sporting haviam untado as mãos com cola! E
assim a vitória foi atribuída ao Sporting que conquistava o primeiro de quatro
títulos nacionais alcançados nesta década.
Madeira: um caso à parte
Império, que em 1922 venceu o Campeonato da Madeira |
É a 22
de agosto de 1922 que na Madeira é criada a Liga Madeirense de Desportos
Aquáticos (LMDA). Neste dia, representantes do Clube Sport Marítimo, Clube
Desportivo Nacional, União Football Club e o Clube Sports da Madeira reúnem-se
na sede desta última coletividade para fundar a citada liga cuja missão passava
pelo promoção e organização de modalidades aquáticas na ilha, entre outras, o
polo aquático. Esta espécie de federação regional teve como grande mentor
Álvaro Reis Gomes.
Definidos
e estruturados os estatutos deste organismo, arranca neste mesmo ano o primeiro
campeonato da Madeira de waterpolo –
nome pelo qual era na época designada a modalidade no nosso país. Prova que
seria disputada pelo Clube Sport Marítimo, Grupo Desportivo Nacional, Club
Sports da Madeira, Império Foot-ball Club e União Foot-ball Club.
E tal
como no continente os embates de polo aquático na ilha eram extremamente
competitivos, sendo exemplo disso a primeira edição do regional madeirense, que
chegou ao final com Marítimo e Império empatados em termos de pontuais. O tira-teimas foi marcado para a Baía da
Pontinha, no Funchal, onde o Império haveria de se tornar no primeiro campeão madeirense
após derrotar os maritimistas por 3-1. Os relatos desse jogo apontam para uma
afluência massiva de público... pagante, tendo a receita sido de 53 escudos.
A liga
cresceu nos anos que se seguiram, tendo sido criados os campeonatos das
segundas e das terceiras categorias, tal era o elevado número de praticantes da
modalidade. O declínio dá-se por volta de 1928, porque de repente começou a
haver um desinteresse dos clubes em participar nas provas da LMDA, muito por
culpa da acentuada expansão do... football!
De
volta ao Continente... com finais (1923 e 1924) envoltas em polémicas
Duelo entre Algés e Sporting, em 1923 |
O polo
aquático desde a sua implementação em Portugal que era olhado como um desporto
algo violento. Eram normais as quezílias entre atletas dentro de água, sem que
o árbitro se apercebesse do agressivo contacto físico que quase sempre existia,
sobretudo nos jogos mais decisivos, como por exemplo o Sporting – Algés de
1923, que iria decidir o título regional lisboeta desse ano. Os dois maiores
emblemas da capital terminaram o campeonato com o mesmo número de pontos, sendo
que ambos os jogos realizados entre eles terminaram empatados (2-2 e 1-1), pelo
que houve necessidade de a 30 de setembro de 1923 ser disputada uma espécie de negra para decidir o campeão.
A
violência entre jogadores nos confrontos Sporting – Algés, ou vice-versa, era
uma constante. E na finalíssima, digamos assim, esta tendência voltou a
confirmar-se. Exemplo disso foi um jogador do Algés que se encontrava fora da
água após ter sido suspenso temporariamente pelo árbitro, ter subitamente
voltado a entrar na quadra para agredir barbaramente um jogador leonino, no caso
Henrique Teles. Após o período de suspensão ter terminado o jogador agressor do
Algés voltou ao jogo como se nada tivesse acontecido, facto que motivou o
protesto dos sportinguistas. Como o árbitro permitiu a reentrada do dito
jogador, o Sporting resolveu abandonar o encontro e assim entregar o título de
Lisboa numa bandeja ao Algés, que simultaneamente e sem opositor a norte foi
igualmente considerado campeão nacional.
Estes
foram os primeiros títulos conquistados por este emblema quer no plano regional,
quer no nacional. Algés que assim enriquecia o seu palmarés, juntando estas
duas conquistas à “Taça Maria Emília”, arrecadada em 1916 num torneio realizado
na Praia da Cruz Quebrada, e que constituiu a primeira vitória relevante do waterpolo
deste clube.
Por
esta altura, o regional lisboeta já era disputado em três categorias, facto que
atestava a popularidade da modalidade.
Um ano
volvido e nova polémica fora de água permitiu ao Algés revalidar os dois
ceptros. A 1.ª categoria do regional lisboeta foi disputada unicamente pelos
dois velhos inimigos durante o mês de outubro. E depois de um empate a uma bola
no primeiro encontro a polémica estoirou no segundo jogo.
Tudo
porque numa altura em que o Sporting vencia por 1-0 o cronómetro do jogo
simplesmente desapareceu! Enquanto isto, os jogadores das duas equipas
brindavam o número público com cenas de pancadaria. A Liga Portuguesa dos
Amadores de Natação decide então suspender a partida de modo a abrir um
inquérito enquanto anunciava um terceiro jogo. O Sporting discordou e decidiu
retirar a sua equipa da prova e assim oferecer pelo segundo ano consecutivo os
títulos regional e nacional ao seu rival.
1926:
ano de estreias e de reconquistas
Hermano Patrone, tem o seu nome perpetuado numa alameda em Algés |
Após um
ano (1925) de interregno, fruto de muitas faltas de comparência, eis que em
1926 o waterpolo volta a fervilhar. É por esta altura, aliás, que para o
Algés entra aquele que ainda hoje é considerado um dos maiores jogadores
portugueses da História: Hermano Patrone. É igualmente neste ano que em Lisboa
tem lugar o primeiro jogo internacional de uma seleção nacional de polo
aquático, tendo o combinado luso sido derrotado pelos vizinhos espanhóis por
2-1. Entretanto, na Doca de Santos, na Doca do Espanhol, ou na Praia de Algés
continuam a realizar-se escaldantes e emotivos matchs em condições... artesanais: um retângulo flutuante onde se
desenrolavam os jogos que se deslocava constantemente pela força do vento e das
ondas. Nas extremidades do retângulo duas balizas suspensas por bidões! Era
assim o waterpolo nacional na sua Golden
Era.
E se em
1923 e 1924 o Sporting protestou os duelos decisivos contra o Algés, desta vez
foram estes últimos a fazer birra pelo facto de os leões apresentarem ao longo do Campeonato de Lisboa um jogador
(Esteban Torok) que não era português. O Algés comandou o coro de protestos, no
qual estavam incluídos outros emblemas da capital (e redondezas). Aliás, o regional
de 1926 ficou marcado pelo número elevado de participantes no campeonato de
1.ªs categorias, pois além de Algés e Sporting também competiram o Vitória de
Setúbal, o Clube Internacional de Football (CIF), o Pedrouços (nada a ver com a
localidade da Maia) e o Nacional (que veio fazer uma perninha ao
continente).
O
protesto do Algés fez com que este clube não comparecesse no derradeiro e
decisivo encontro do campeonato, entregando desta forma o título ao Sporting,
onde pontificavam agora nomes como Coelho da Costa, Salazar Carreira, ou Jaime
Montalvão. O título regional permitiu aos sportinguistas disputarem o título
nacional em Aveiro, diante do campeão do Porto, naquele ano o Comercial. A
supremacia dos clubes do sul continuava a ser evidente, como comprova o
resultado final de 4-0 a favor dos leões.
Águas
turbas no plano regional em 1927
Não era
apenas a violência em muitos jogos que caracterizava o waterpolo luso
por estes dias, era igualmente a discórdia entre clubes e demais entidades.
Prova disso é que em 1927 os principais clubes de Lisboa, tendo à cabeça o
Algés, decidem criar um novo organismo que tivesse como função a tutela da
modalidade, fazendo assim frente à Delegação de Lisboa da Liga Portuguesa de
Natação, que tinha como um dos seus poucos aliados o... Sporting.
Esta
fidelidade concedeu aos leões mais um
título regional, uma vez que o campeonato lisboeta continuava a ser tutelado
pela Liga. Desta vez a polémica não se deu dentro de água, onde os
sportinguistas não tiveram rivais, mas sim na secretaria. Polémicas à parte, a
Doca de Alcântara iria receber em novembro de 1927 a final do campeonato
nacional entre Sporting e o campeão do Porto, o Nun' Álvares. Venceram os
lisboetas, por claros 5-0, mantendo assim a supremacia do waterpolo
sulista no plano nacional.
FC
Porto contraria tendência sulista
FC Porto, conquistou para o Norte em 1928 o primeiro título nacional |
Porém,
no ano seguinte o cenário iria mudar, muito por causa da ação de uma lendária
equipa do FC Porto, que entretanto começava a despontar nos jogos realizados no
Rio Douro. No dia 30 de setembro de 1928, José Pinto, Luís do Canto Monis, José
Sequeira Jr., Florentino Ramalho, Florentino Mota, João Pedro Brenha, António
Augusto Antunes e César Machado ascendem à categoria de heróis após derrotarem
na sua Cidade os campeões de Lisboa, o Sporting, e oferecerem o primeiro título
nacional ao norte do país.
Enquanto
isso, na capital continuava a luta pelo controlo da modalidade entre a
Federação e a Liga. É também neste ano de 1928 que começa a ser erguida a
primeira catedral do polo aquático e
da natação em Portugal, isto é, a primeira piscina na verdadeira ascensão da
palavra. Trata-se da piscina do Algés e Dafundo, que nos anos que se seguiram
tantos e tantos campeões viria a formar... sobretudo na natação, porque o
fervor do polo aquático começava a abrandar.
A
tentativa frustrada da fusão entre Federação e Liga em Lisboa marcou o ano de
1929. Um ano em que o Sporting (que com esta divisão entre organismos
continuava a ser tranquilamente o campeão do regional lisboeta) vingou diante
do FC Porto a derrota no ano anterior, recuperando o ceptro nacional após
vitória em dia de feriado (5 de outubro) por 2-1.
Depois
de um notável fulgor em finais da década anterior que se viria a confirmar na
primeira metade dos anos 20, o polo começava a perder notoriedade à medida que
se aproximava a década de 30.
E isto
numa altura (1930) em que finalmente a sul do país se levantava a bandeira
branca em sinal de paz – e concordância – entre Federação e Liga, que ao
fundirem-se num só organismo voltaram a trazer tranquilidade e interesse ao
Campeonato de Lisboa.
Pela
primeira vez o Benfica participou na prova, que seria ganha pelo Algés, que no
encontro decisivo derrotou o velho inimigo de Alvalade por 2-1. Sem rival a
norte, o Algés sagrar-se-ia novamente campeão nacional.
É a
partir deste ano que muitos clubes começam a ignorar o polo aquático, a
abandonar os campeonatos regionais e consequentemente os nacionais, e a
modalidade perde expressão. Desde logo popularidade, já que órfão de jogos (com
interesse) o público começa a afastar-se. A própria comunicação social começa a
ignorar o polo aquático que a partir daqui atravessa uma longa travessia no
deserto no que a campeonatos nacionais diz respeito, pese embora em 1952 a
nossa seleção tenha atingido o seu momento de glória no âmbito desta
modalidade: a presença nos Jogos Olímpicos.
Só nos
finais dos anos 70, o polo aquático voltaria a ganhar algum dinamismo em termos
nacionais, com o regresso dos campeonatos nacionais, em 1985, mas sem o fulgor
da Golden Era dos anos 20.
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