Em 2013 assinala-se a 75ª edição da prova rainha do ciclismo português: a Volta a Portugal em Bicicleta. É nos dias de hoje um dos eventos desportivos mais mediáticos da nação lusitana, agregando ao seu redor milhares de populares que todos os anos inundam as estradas nacionais na ânsia de vibrar com as pedaladas dos heróis velocipédicos. Um cenário que se vislumbra desde 1927, o ano em que tudo começou, o ano em que nasceu oficialmente a Volta a Portugal em Bicicleta.
A popularidade grangeada pelo ciclismo em Portugal remonta, no entanto, a algumas décadas antes do ano em que a Volta viu a luz do dia. Já em finais do século XIX a modalidade era bastante apreciada pelos portugueses, talvez devido ao facto de um dos primeiros grandes nomes do ciclismo internacional ter sangue lusitano. José Bento Pessoa, de seu nome, nascido na Figueira da Foz, em 1874, e que em maio de 1897 entrava para os anais da história após ter batido o recorde mundial de pista dos 500m numa prova internacional ocorrida durante a inauguração do velódromo de Chamartin, em Madrid. Este e outros feitos do atleta figueirense ganharam eco no nosso país, e já em pleno século XX surgiam com grande frequência provas de ciclismo em solo lusitano. O primeiro grande evento foi quiçá o Porto-Lisboa, que conheceu a sua primeira edição em 1911, ganha pelo francês Charles George, na época corredor do Louletano.
E precisamente de França chegavam histórias da grande corrida que anualmente concentrava as atenções do povo gaulês, o Tour, certame que reunia os melhores corredores do Mundo, e que na altura muitos dos filósofos desportivos diziam ser já o segundo maior evento desportivo do planeta, logo a seguir aos Jogos Olímpicos!
Perante estes e outros factos foi com naturalidade que surgiu a ideia de criar uma grande prova de ciclismo que tocasse os quatro cantos de Portugal, à semelhança do que se fazia em França.
Quanto ao pai da ideia ainda hoje a dúvida persiste quanto ao seu nome. Para muitos historiadores do ciclismo o jornalista Raúl de Oliveira foi o mentor da Volta. Na época a trabalhar no (jornal) Sport de Lisboa Oliveira deslocou-se em 1917 até França, integrado no Regimento de Transmissões que partiu para a I Guerra Mundial. Enquanto permaneceu em território francês maravilhou-se com o Tour, que acompanhou de perto, e na hora de regressar a Portugal lançou para o ar a ideia de criar uma prova semelhante por estas bandas. Para outros historiadores Raúl Oliveira foi apenas um dos três Oliveiras que esteve na génese da Volta a Portugal. Nesta segunda versão um homem do futebol é tido como o mentor da ideia, Cândido de Oliveira, de seu nome, enquanto Raúl de Oliveira e Mário de Oliveira - estes três homens para além do apelido tinham em comum o facto de serem jornalistas - são apontados como os concretrizadores da ideia de mestre Cândido. Bom, progenitores da ideia à parte o que é certo é que edificar a Volta a Portugal não foi uma tarefa fácil. Raúl de Oliveira, que quando regressou a Portugal foi chefiar a redação de Os Sports, pertença do Diário de Notícias, insistiu que o seu jornal deveria organizar uma competição semelhante ao Tour de França. Vendo a sua sugestão cair por diversas ocasiões em saco roto, decide ele próprio aplicar o prémio da lotaria que havia ganho na organização de uma prova velocipédica, bem mais modesta e pequena que o Tour, é certo, mas que haveria de mudar mentalidades!
Corria então o ano de 1923 quando Raúl de Oliveira criou a 1ª Volta a Lisboa, certame que seria coroado de êxito. Perante isto o administrador do Diário de Notícias, Beirão da Veiga, ficou finalmente convencido quanto à hipótese de ser organizada - pelo seu jornal - uma prova semelhante ao Tour francês, e assim em 1927 ia para a estrada a 1ª Volta a Portugal em Bicicleta.
A Volta a Portugal sai para a estrada
País pobre, Portugal não reunia na época as melhores condições para a realização de uma prova de estrada de longa duração como a que se pretendia erguer. As ligações entre as cidades eram paupérrimas, estradas de terra batida, muitas delas sem condições para circular um carro de bois quanto mais uma bicicleta. Mesmo assim a 26 de abril de 1927 os 38 ciclistas participantes fazem-se à estrada para dar início a uma longa aventura.
Com 18 etapas traçadas a prova teve início e fim em Lisboa, e desde cedo se assistiu a um emocionante duelo entre dois dos melhores corredores da época, António Augusto de Carvalho (que defendia as cores do Carcavelos) e Quirino de Oliveira (do Campo de Ourique). Este último ciclista venceu a etapa inaugural, que ligou Cacilhas a Setúbal, numa distância de 40,4km (a etapa mais pequena da Volta de 1927). A etapa seguinte - Setúbal-Sines (114,6 km) - seria ganha por Augusto de Carvalho, que assim retirava a camisola amarela ao seu rival do Campo de Ourique. Porém, Quirino de Oliveira estava numa forma estupenda, tendo vencido as seis etapas posteriores - Sines-Odemira (49,2km), Odemira-Portimão (86,2km), Portimão-Faro (65,8km), Faro-Beja (154,7km), Beja-Évora (82,2km), e Évora-Portalegre (122,3km) - e reconquistado assim a camisola mais desejada da prova.
E desta forma se manteve até ao momento em que o azar lhe bateu à porta. Antes, na 9ª etapa, que ligou Portalegre a Castelo Branco (numa tirada de 106,6km), o benfiquista Santos Almeida intrometeu-se na luta entre Carvalho e Quirino, ao cortar a meta em primeiro na chegada à capital da Beira Baixa. Na etapa seguinte, que ligou Castelo Branco à Guarda (112,9km), na qual foram experimentados os duros obstáculos da Serra da Estrela, Quirino de Oliveira sofreu um revés ao ficar sem o selim da sua bicicleta, galgando quilómetros e quilómetros (em subidas e descidas!) somente apoiado nos pedais! Tarefa heróica que seria premiada com mais uma vitória de etapa e mais do que isso Quirino continuava de amarelo. Poucos duvidariam que a mágica camisola pudesse fugir ao corredor do Campo de Ourique. Mas o azar teimava em acompanha-lo no percurso que muitos apontavam como vitorioso.
Na 11ª etapa, que ligou Guarda a Torre de Moncorvo (106,2km) o líder da prova tem uma queda aparatosa, facto que não só o impede de vencer mais uma etapa (da qual Santos Almeida saíria de novo vencedor) mas sobretudo porque o faz perder a camisola amarela para o seu principal rival, Augusto de Carvalho.
Antes do primeiro dia de descanso o ciclista do Carcavelos cimentou a sua liderança ao vencer as 12ª e 13ª etapas, respetivamente Torre de Moncorvo-Bragança (128,3km), e Bragança-Vidago (118,2km).
Após a 14ª etapa, que ligou Vidago a Braga (115,1km), ganha pelo camisola amarela, Quirino de Oliveira como que disse definitivamente adeus à vitória na Volta. Na 15ª etapa, entre Braga e Porto, numa distância de 113,7km, o ciclista do Campo de Ourique perdeu imenso tempo, e o braço de ferro pela vitória na prova passou protagonizado por Augusto de Carvalho e... Nunes Abreu. O ciclista do Leixões não só venceu a etapa cujo final ocorreu na cidade do Porto como também passou a envergar a... camisola amarela. Isto porque o azar voltava a bater à porta dos líderes, e depois de Qurino de Oliveira o ter sentido na pele na 11ª etapa foi agora a vez de Augusto de Carvalho provar do seu veneno.
Na ligação entre Braga e o Porto o corredor do Carcavelos teve uma avaria na sua bicicleta, perdendo desde logo imenso tempo, e mais teria perdido não fosse um popular que se encontrava na berma da estrada ver os corredores passarem ceder-lhe a sua pasteleira que o possibilitaria de concluir a etapa!
O reinado de Nunes Abreu seria muito curto, já que na tirada seguinte (Porto-Coimbra, numa distância de 117,2km) António Augusto de Carvalho recuperou o 1º lugar da classificação geral, não mais o largando até à etapa final, que ligou Caldas da Rainha a Lisboa (100km).
À chegada a Lisboa os corredores foram recebidos como heróis por um mar de gente que inundava a Avenida da Liberdade, onde a meta havia sido instalada. Levado em ombros pela multidão António Augusto de Carvalho (natural de Sintra) seria então coroado como o primeiro rei da Volta a Portugal em Bicicleta.
Legenda das fotografias:
1-António Augusto de Carvalho, o vencedor da 1ª Volta a Portugal em Bicicleta
2-O corredor nascido em Sintra (aqui levado em ombros pelos populares) terminou a prova com o tempo total de 79h08m00s, mais 9 minutos e 31 segundos que o 2º classificado, Nunes de Abreu
3-Os três primeiros classificados (da esquerda para a direita): Quirino de Oliveira, Augusto de Carvalho, e Nunes de Abreu. 38 ciclistas participaram nesta edição inaugural da Volta, mas apenas 26 terminaram a prova!
A popularidade grangeada pelo ciclismo em Portugal remonta, no entanto, a algumas décadas antes do ano em que a Volta viu a luz do dia. Já em finais do século XIX a modalidade era bastante apreciada pelos portugueses, talvez devido ao facto de um dos primeiros grandes nomes do ciclismo internacional ter sangue lusitano. José Bento Pessoa, de seu nome, nascido na Figueira da Foz, em 1874, e que em maio de 1897 entrava para os anais da história após ter batido o recorde mundial de pista dos 500m numa prova internacional ocorrida durante a inauguração do velódromo de Chamartin, em Madrid. Este e outros feitos do atleta figueirense ganharam eco no nosso país, e já em pleno século XX surgiam com grande frequência provas de ciclismo em solo lusitano. O primeiro grande evento foi quiçá o Porto-Lisboa, que conheceu a sua primeira edição em 1911, ganha pelo francês Charles George, na época corredor do Louletano.
E precisamente de França chegavam histórias da grande corrida que anualmente concentrava as atenções do povo gaulês, o Tour, certame que reunia os melhores corredores do Mundo, e que na altura muitos dos filósofos desportivos diziam ser já o segundo maior evento desportivo do planeta, logo a seguir aos Jogos Olímpicos!
Perante estes e outros factos foi com naturalidade que surgiu a ideia de criar uma grande prova de ciclismo que tocasse os quatro cantos de Portugal, à semelhança do que se fazia em França.
Quanto ao pai da ideia ainda hoje a dúvida persiste quanto ao seu nome. Para muitos historiadores do ciclismo o jornalista Raúl de Oliveira foi o mentor da Volta. Na época a trabalhar no (jornal) Sport de Lisboa Oliveira deslocou-se em 1917 até França, integrado no Regimento de Transmissões que partiu para a I Guerra Mundial. Enquanto permaneceu em território francês maravilhou-se com o Tour, que acompanhou de perto, e na hora de regressar a Portugal lançou para o ar a ideia de criar uma prova semelhante por estas bandas. Para outros historiadores Raúl Oliveira foi apenas um dos três Oliveiras que esteve na génese da Volta a Portugal. Nesta segunda versão um homem do futebol é tido como o mentor da ideia, Cândido de Oliveira, de seu nome, enquanto Raúl de Oliveira e Mário de Oliveira - estes três homens para além do apelido tinham em comum o facto de serem jornalistas - são apontados como os concretrizadores da ideia de mestre Cândido. Bom, progenitores da ideia à parte o que é certo é que edificar a Volta a Portugal não foi uma tarefa fácil. Raúl de Oliveira, que quando regressou a Portugal foi chefiar a redação de Os Sports, pertença do Diário de Notícias, insistiu que o seu jornal deveria organizar uma competição semelhante ao Tour de França. Vendo a sua sugestão cair por diversas ocasiões em saco roto, decide ele próprio aplicar o prémio da lotaria que havia ganho na organização de uma prova velocipédica, bem mais modesta e pequena que o Tour, é certo, mas que haveria de mudar mentalidades!
Corria então o ano de 1923 quando Raúl de Oliveira criou a 1ª Volta a Lisboa, certame que seria coroado de êxito. Perante isto o administrador do Diário de Notícias, Beirão da Veiga, ficou finalmente convencido quanto à hipótese de ser organizada - pelo seu jornal - uma prova semelhante ao Tour francês, e assim em 1927 ia para a estrada a 1ª Volta a Portugal em Bicicleta.
A Volta a Portugal sai para a estrada
País pobre, Portugal não reunia na época as melhores condições para a realização de uma prova de estrada de longa duração como a que se pretendia erguer. As ligações entre as cidades eram paupérrimas, estradas de terra batida, muitas delas sem condições para circular um carro de bois quanto mais uma bicicleta. Mesmo assim a 26 de abril de 1927 os 38 ciclistas participantes fazem-se à estrada para dar início a uma longa aventura.
Com 18 etapas traçadas a prova teve início e fim em Lisboa, e desde cedo se assistiu a um emocionante duelo entre dois dos melhores corredores da época, António Augusto de Carvalho (que defendia as cores do Carcavelos) e Quirino de Oliveira (do Campo de Ourique). Este último ciclista venceu a etapa inaugural, que ligou Cacilhas a Setúbal, numa distância de 40,4km (a etapa mais pequena da Volta de 1927). A etapa seguinte - Setúbal-Sines (114,6 km) - seria ganha por Augusto de Carvalho, que assim retirava a camisola amarela ao seu rival do Campo de Ourique. Porém, Quirino de Oliveira estava numa forma estupenda, tendo vencido as seis etapas posteriores - Sines-Odemira (49,2km), Odemira-Portimão (86,2km), Portimão-Faro (65,8km), Faro-Beja (154,7km), Beja-Évora (82,2km), e Évora-Portalegre (122,3km) - e reconquistado assim a camisola mais desejada da prova.
E desta forma se manteve até ao momento em que o azar lhe bateu à porta. Antes, na 9ª etapa, que ligou Portalegre a Castelo Branco (numa tirada de 106,6km), o benfiquista Santos Almeida intrometeu-se na luta entre Carvalho e Quirino, ao cortar a meta em primeiro na chegada à capital da Beira Baixa. Na etapa seguinte, que ligou Castelo Branco à Guarda (112,9km), na qual foram experimentados os duros obstáculos da Serra da Estrela, Quirino de Oliveira sofreu um revés ao ficar sem o selim da sua bicicleta, galgando quilómetros e quilómetros (em subidas e descidas!) somente apoiado nos pedais! Tarefa heróica que seria premiada com mais uma vitória de etapa e mais do que isso Quirino continuava de amarelo. Poucos duvidariam que a mágica camisola pudesse fugir ao corredor do Campo de Ourique. Mas o azar teimava em acompanha-lo no percurso que muitos apontavam como vitorioso.
Na 11ª etapa, que ligou Guarda a Torre de Moncorvo (106,2km) o líder da prova tem uma queda aparatosa, facto que não só o impede de vencer mais uma etapa (da qual Santos Almeida saíria de novo vencedor) mas sobretudo porque o faz perder a camisola amarela para o seu principal rival, Augusto de Carvalho.
Antes do primeiro dia de descanso o ciclista do Carcavelos cimentou a sua liderança ao vencer as 12ª e 13ª etapas, respetivamente Torre de Moncorvo-Bragança (128,3km), e Bragança-Vidago (118,2km).
Após a 14ª etapa, que ligou Vidago a Braga (115,1km), ganha pelo camisola amarela, Quirino de Oliveira como que disse definitivamente adeus à vitória na Volta. Na 15ª etapa, entre Braga e Porto, numa distância de 113,7km, o ciclista do Campo de Ourique perdeu imenso tempo, e o braço de ferro pela vitória na prova passou protagonizado por Augusto de Carvalho e... Nunes Abreu. O ciclista do Leixões não só venceu a etapa cujo final ocorreu na cidade do Porto como também passou a envergar a... camisola amarela. Isto porque o azar voltava a bater à porta dos líderes, e depois de Qurino de Oliveira o ter sentido na pele na 11ª etapa foi agora a vez de Augusto de Carvalho provar do seu veneno.
Na ligação entre Braga e o Porto o corredor do Carcavelos teve uma avaria na sua bicicleta, perdendo desde logo imenso tempo, e mais teria perdido não fosse um popular que se encontrava na berma da estrada ver os corredores passarem ceder-lhe a sua pasteleira que o possibilitaria de concluir a etapa!
O reinado de Nunes Abreu seria muito curto, já que na tirada seguinte (Porto-Coimbra, numa distância de 117,2km) António Augusto de Carvalho recuperou o 1º lugar da classificação geral, não mais o largando até à etapa final, que ligou Caldas da Rainha a Lisboa (100km).
À chegada a Lisboa os corredores foram recebidos como heróis por um mar de gente que inundava a Avenida da Liberdade, onde a meta havia sido instalada. Levado em ombros pela multidão António Augusto de Carvalho (natural de Sintra) seria então coroado como o primeiro rei da Volta a Portugal em Bicicleta.
Legenda das fotografias:
1-António Augusto de Carvalho, o vencedor da 1ª Volta a Portugal em Bicicleta
2-O corredor nascido em Sintra (aqui levado em ombros pelos populares) terminou a prova com o tempo total de 79h08m00s, mais 9 minutos e 31 segundos que o 2º classificado, Nunes de Abreu
3-Os três primeiros classificados (da esquerda para a direita): Quirino de Oliveira, Augusto de Carvalho, e Nunes de Abreu. 38 ciclistas participaram nesta edição inaugural da Volta, mas apenas 26 terminaram a prova!
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