quinta-feira, 12 de junho de 2025

A trilogia gloriosa do pequeno gigante Oeiras na Taça das Taças de hóquei em patins (parte III)

 


E eis que chegamos hoje à terceira e última parte da trilogia gloriosa do Oeiras no reino do hóquei patinado europeu, com a conquista da terceira Taça das Taças consecutiva, um marco histórico que aconteceu na temporada de 78/79. Ditou o sorteio que nos quartos-de-final da competição europeia houvesse duelo lusitano, isto, os rapazes da “Linha” iam medir forças com o Benfica, equipa que no plano interno viveu uma temporada de glória ao conquistar a dobradinha (campeonato nacional mais a Taça de Portugal). Nomes grandes não faltavam aos encarnados em 78/79, casos do lendário guarda-redes Ramalhete, de Fanã, de Fernando Pereira, ou de José Virgílio, alguns astros do sique que eram orientados por um vulto da tática: Torcato Ferreira. Era um grande Benfica. Mas nem isso assustou o Oeiras, que voltou a mostrar que a Taça das Taças era mesmo a sua praia. A atuar em casa na primeira mão (jogada a 5 de maio de 1979), o Oeiras venceu os benfiquistas por 3-1. Porém, foram os pupilos de Torcato Ferreira que inauguraram o marcador, na sequência de uma tabelinha entre Jorge Vicente e José Virgílio, com este último a bater o guarda-redes Carlos Saraiva. Estavam decorridos 12 minutos. Uma mão cheia de minutos volvidos, José Rosado empatava o encontro, para um minuto depois o seu irmão, Vítor, colocar o marcador em 2-1 com que se atingiu o intervalo. No segundo tempo, Carvalho voltou a mostrar dotes de grande concretizador, tal como havia feito na caminhada de glória da época transata, ao selar o placard em 3-1 a favor do Oeiras. Três semanas depois (no dia 26 de maio) os rapazes da “Linha” faziam a curtíssima viagem até Lisboa para tentar carimbar pelo terceiro ano consecutivo a passagem às meias-finais da Taça das Taças. Ambiente frenético na Luz. Empurrado pelo seu público o Benfica empatou a eliminatória ao vencer por 5-3, sendo que no final do tempo regulamentar o resultado era favorável aos encarnados por 4-2. No prolongamento, um golo para cada lado, pelo que se teve de recorrer ao desempate por grandes penalidades. Aí, a sorte e competência (que também é necessária nestas alturas) esteve do lado do Oeiras e de… Guedes. Depois de nas primeiras grandes penalidades (5 do lado do Benfica e 4 para o Oeiras) a bola não ter entrado na baliza, eis que na última tentativa para a turma da “Linha” Guedes desfeiteou Ramalhete e carimbou a vitória na eliminatória.


Quis o destino que pelo terceiro ano consecutivo o Oeiras defrontasse nas meias-finais da prova um conjunto italiano. Depois de em 76/77 ter tido pela frente o Novara, e de em 77/78 ter encontrado o Follonica, eis que agora a equipa lusa ia medir forças com o Amatori Lodi. A primeira mão do embate aconteceu a 16 de junho, em solo italiano, onde o Oeiras arrancou um promissor empate a 5 bolas, depois de ter estado a vencer a partida ao intervalo por 3-2. Carvalho, foi mais uma vez o goleador de serviço, ao apontar 3 tentos, sendo que os restantes 2 foram da autoria de Salema. Quinze dias mais tarde, os portugueses puxaram dos galões e ao intervalo já venciam por 2-0, com golos de José Rosado e de Salema. Na segunda metade, Fantozzi ainda assustou o público oeirense ao encurtar a desvantagem no marcador, mas Carvalho, com duas sticadas fulminantes (aos 12 e 18 minutos) selou o resultado em 4-1 e mais do que isso garantiu que o pequeno gigante Oeiras iria defender uma vez mais a Taça das Taças de que era detentor. O outro finalista era um velho conhecido dos portugueses nestas andanças: o Voltregà. A equipa espanhola que na temporada anterior havia sido derrotada pelo Oeiras na final desta competição, e que como tal tinha agora uma nova oportunidade de se vingar. 


Mas tal não aconteceu, pois na primeira mão, disputada em Portugal, o conjunto da “Linha” esmagou os espanhóis por 10-1 e colocou desde logo uma mão na taça. Pedro Gallen, treinador do Voltregá, atirou-se ao árbitro português Mário Nobre, ao dizer à reportagem do Diário de Lisboa (DL) que «o Oeiras jogou com seis jogadores», acrescentando que o juiz luso provocou de forma constante os seus jogadores, e que tudo fez para dar o título ao conjunto português. Quanto à possibilidade de a sua equipa dar a volta aos acontecimentos to, o antigo jogador internacional espanhol era perentório em dizer que «a eliminatória está decidida, a não ser que em Voltregà aconteça algo imprevisto e o jogo seja dirigido por um árbitro espanhol». Sentindo-se prejudicados pela arbitragem os espanhóis usaram e abusaram da agressividade, em alguns lances agrediram mesmo os jogadores do Oeiras, como foi o caso de Ordeig a José Rosado. «Estava a ser um jogo muito difícil, mas as atitudes irrefletidas dos jogadores espanhóis tornaram tudo mais fácil», comentou o treinador do Oeiras, Cristóvão Freire, ele que enquanto jogador havia conquistado a primeira edição da Taça das Taças. Instado a antecipar o jogo da segunda mão, o técnico português diria que «os 9 golos de vantagem chegam e sobram». Contrariamente ao que acontecia em finais europeias, este jogo teve de ser dirigido por um árbitro do mesmo país que um dos finalistas, neste caso o Oeiras, porque o juiz inicialmente escalado, o alemão Orwin Brandt, não compareceu em território luso devido a uma greve na companhia de aviação da Alemanha Ocidental. Quanto ao jogo em si, o DL escrevia que o Oeiras beneficiou da desorientação dos espanhóis, «proporcionando aos cerca de 3000 espectadores uma boa exibição e um excelente resultado que praticamente garante a permanência do título em Portugal». Salema e Carvalho, autores de 4 golos cada um, e os irmãos Rosado, fizeram o gosto ao stick para o combinado da “Linha”.


A comitiva portuguesa viajou para Espanha de avião para o encontro da segunda mão, que tal como no primeiro jogo teve arbitragem de um árbitro do mesmo país que um dos finalistas. Isto é, o espanhol Ramiro Iglésias substituiu à última da hora o italiano De Santi. Deste modo, o Voltregà não se poderia queixar de falta de ajuda para tentar a remontada. Porém, o juiz espanhol não teve pulso para segurar uma partida pautada pela extrema violência dos jogadores espanhóis. Tal como na primeira mão, o Voltregà praticou um jogo violento, com agressões constantes, o que levou o DL a titular este encontro de uma batalha campal. Mas na prática, o jogo violento dos espanhóis não foi suficiente para anular a desvantagem de 9 golos trazidas de Oeiras, sendo que a turma portuguesa, «por indicação do seu treinador, não respondeu ao tipo de jogo violento, praticando um estilo de reter o mais possível o esférico. No final, os jogadores portugueses foram assobiados e agredidos». Pois é, cenas lamentáveis aconteceram após o apito final de um duelo que terminou com a vitória insuficiente do Voltregà por 6-3, e que coroava o Oeiras como TRI-CAMPEÃO DA TAÇA DAS TAÇAS. A comitiva lusa (que além dos jogadores Carlos Saraiva, Vítor Rosado, José Rosado, Carvalho, Salema, José Pereira, Serra, José Manuel, e Guedes, integrou ainda o treinador Cristóvão Freire, o mecânico José Santos, o médico Manuel Pereira, o massagista Jorge Santos, e os dirigentes Vidigal Fonseca, José Rocha, e Rogério Garrido), foi recebida em euforia no Aeroporto da Portela, onde «centenas de adeptos do clube, vestidos com camisolas com as cores do Oeiras, empunhando cartazes e bandeiras, acorreram ao aeroporto para vitoriar a equipa. (…) Depois, a equipa da Costa do Sol incorporou-se num cortejo de dezenas de automóveis que seguiram ruidosamente para Oeiras onde a festa continuou durante a madrugada», assim descrevia o DL o desfecho final deste verdeiro conto de fadas da Associação Desportiva de Oeiras.  

quarta-feira, 11 de junho de 2025

A trilogia gloriosa do pequeno gigante Oeiras na Taça das Taças de hóquei em patins (parte II)

 


Na condição de campeão da 1.ª edição da Taça das Taças, o Oeiras garantiu a presença na temporada de 77/78 da então segunda competição de clubes do hóquei patinado europeu. Portugal, aliás, teve forte presença nesta edição da prova, já que além dos campeões em título, também o Carvalhos assinalava a sua estreia internacional. Para defender o cetro, o Oeiras manteve o núcleo duro da época anterior, e foi sem grandes dificuldades que começou por afastar os frágeis belgas do Rolta Louvain nos quartos-de-final. A primeira mão da eliminatória teve lugar em solo belga, onde Carvalho vestiu a pele de herói ao apontar os quatro golos com que a turma portuguesa bateu no início do mês de maio de 1978 o conjunto local por 4-2. A segunda mão, realizada no rinque da Salesiana foi um festival de golos a favor dos portugueses, tendo, mais uma vez, Carvalho estado em grande destaque, já que do seu stique saíram quatro dos 12 golos apontados pelo conjunto lusitano. Contas feitas, o Oeiras passava às meias-finais com um agregado de 16-5. E tal como na temporada de estreia da Taça das Taças, quis o destino que o conjunto sulista defrontasse no acesso à final uma equipa italiana, desta feita o Follonica. A primeira mão, realizada em Itália na primeira metade de junho, não correu de feição aos campeões em título, tendo estes perdido por 3-1. Exigia-se, pois, um super Oeiras na segunda mão, ocorrida no dia de S. João (24 de junho). E assim foi. Naquela noite, o conjunto da “Linha” não esteve com meias medidas e despachou os transalpinos por expressivos 12-1, salvando não só a “Honra do Convento” do hóquei luso (já que Carvalhos e Valongo haviam caído, respetivamente, na Taça das Taças e na Taça dos Campeões Europeus), mas acima de tudo, assegurando nova presença numa final europeia. Mas tal como na época de estreia, o Oeiras teve de suar a camisola para ser mais feliz que o seu adversário, que por sua vez exibiram em Portugal um hóquei muito violento, como dava conta a reportagem do Diário de Lisboa (DL). Salvadoni agrediu de forma violenta o oeirense Vítor Rosado, tendo o jogador luso saído do rinque amparado pelos seus colegas de equipa. «O Follonica deixou o pior cartaz possível. Para combaterem num rinque de boxe talvez estejam bem adestrados, mas a jogarem hóquei patinado estes italianos são do mais fraquinho que já desembarcou em Portugal», assim analisava o DL. E deste modo, o Oeiras, a praticar um hóquei muito superior, respondeu à violência transalpina com muitos golos, tendo Carvalho assumido a dianteira na hora de acertar nas redes do guardião Anedda ao apontar cinco tentos. 


E no dia 1 de julho de 1978 o Oeiras recebia os espanhóis do Voltregà, na primeira mão da final da Taça das Taças. A turma lusa conquistou então uma vitória magra (3-2) muito por culpa própria, já que após um estupendo arranque, traduzido numa vantagem de três golos, os portugueses abrandaram o ritmo de jogo, postura que os espanhóis agradeceram para encurtar a desvantagem e adiar a decisão da final para a segunda mão. «Um afrouxamento de pressão, fruto (talvez) de má conceção tática, privou a Associação Desportiva de Oeiras de viajar até Espanha com uma confortável vantagem para a decisão na Taça das Taças. (…) Depois de ter atingido o 3-0, o “cinco” oeirense deixou o parceiro recompor-se e lograr dois tentos», escrevia o DL por intermédio do histórico jornalista Fernando José Neves de Sousa, acrescentando mais adiante que as substituições operadas em nada beneficiaram a capacidade da equipa lusa, que no primeiro tempo fez da velocidade a arma para derrubar a muralha espanhola, que por sua vez, na segunda metade, aproveitou então a extrema suavidade dos portugueses. Salema, Carvalho e José Rosado foram os autores dos golos dos rapazes da “Linha” neste encontro. 


Sensivelmente quinze dias mais tarde, no dia 15 de julho, uma exibição de luxo permitiu ao Oeiras alcançar uma «proeza verdadeiramente notável», segundo o DL, que assim descrevia o empate a três golos entre o conjunto luso e o seu congénere espanhol que desta forma assegurava a manutenção da Taça das Taças nas vitrinas do emblema da “Linha”. «Triunfando em Oeiras na primeira mão por diferença tangencial, os portugueses (de cabeça fria e esquema tático muito bem ordenado por Ernesto Honório) lograram um êxito que merece os mais sinceros aplausos e culminou uma jornada desportiva sem a mais leve mácula», escreveu o DL. Carvalho, com dois golos na conta pessoal; e José Rosado foram os autores dos tentos portugueses.

(continua)

sexta-feira, 6 de junho de 2025

A trilogia gloriosa do pequeno gigante Oeiras na Taça das Taças de hóquei em patins (parte I)

 



1977 é um ano marcante para o hóquei patinado português ao nível de clubes. Nesse ano, a nação lusa sticava com êxito nas (então) duas únicas competições europeias de clubes, a Taça dos Clubes CampeõesEuropeus (TCCE) e a Taça das Taças. Por outras palavras, trazia pela primeira vez os dois citados títulos para Portugal. O Sporting de Livramento e companhia erguia a TCCE, ao passo que a segunda competição era arrecadada por um surpreendente Oeiras que haveria de fazer história nesta hoje extinta prova europeia. E é sobre a epopeia da Associação Desportiva de Oeiras que nos vamos debruçar na primeira parte desta viagem ao passado, uma epopeia que não se ficou somente pela surpreendente conquista de 76/77, mas que iria ter continuidade nas duas temporadas seguintes, e que fazem que este emblema dos arredores de Lisboa seja, quiçá, a grande referência da desaparecida Taça dasTaças. A par do Sporting e dos italianos do Roller Monza, o Oeiras é o emblema mais titulado desta competição, com três títulos, mas os oeirenses fizeram-no em três ocasiões consecutivas, um feito nunca alcançado por outro emblema luso nem nesta nem noutra competição europeia. Como já referimos, este conto de fadas teve início na temporada de 76//77, na primeira edição da Taça das Taças, sendo que o então modesto Oeiras ali chegava fruto de ter sido finalista vencido da edição de 75/76 da Taça de Portugal, onde caiu aos pés do Sporting, por 7-1. Mesmo assim, e porque o então poderoso leão de Alvalade também se tinha sagrado campeão nacional e como tal arrecadado o bilhete para disputar a TCEE, a vaga na segunda competição europeia foi atribuída ao Oeiras que pela primeira vez perfilava na alta roda do hóquei em patins internacional.

Sorte dupla em clima de pavor

O início da caminhada de glória não foi difícil, já que no conjunto das duas mãos da 1.ª eliminatória o combinado português venceu por 24-8. Nas meias-finais ditou a sorte que o Hockey de Novara seria o adversário seguinte. Na 1.ª mão, disputada em solo luso, o Oeiras venceu por margem curta (5-4), esperando, por isso, um jogo de sofrimento em Itália na 2.ª mão. E assim foi. Diante de um ambiente difícil, com os adeptos italianos com excessiva animosidade para com os portugueses, o Oeiras sofreu a bom sofrer, em contraposto com o Novara que no final do tempo regulamentar equilibrava a balança da eliminatória com um resultado favorável de 4-3. Precisou-se, pois, de um prolongamento, onde o nó não foi desatado, pelo que o acesso à final teria de ser decidido nas grandes penalidades. Também no tiro ao alvo o empate (3-3), persistiu, pelo que o árbitro suíço Armatti não teve outra alternativa de recorrer ao sistema de desempate por… moeda ao ar! E aqui a sorte esteve do lado dos portugueses, embora com muita polémica à mistura, pois os italianos alegariam que a moeda após ter sido lançada terá caído na biqueira do sapato do árbitro. Este, perante o coro de furiosos protestos quer dos jogadores, quer dos adeptos do Novara, repetiu o lançamento da moeda ao ar, e novamente a sorte bafejou o Oeiras que assim seguia para a final. Os italianos não se conformaram com o desfecho e nem o jornalista da RDP enviado ao jogo, José Barroso, escapou à fúria, sendo agredido por adeptos locais. A própria equipa do Oeiras saiu do rinque debaixo de uma chuva de latas de refrigerantes e cuspidelas! Lamentável. 


«Hóquei português é o melhor da Europa»

 E no dia 4 de junho, o pequeno Oeiras entrava na pista molhada (ao ar livre) dos espanhóis do Arenys de Munt para disputar a 1.ª mão da final da Taça das Taças. Num rinque de pequenas dimensões os portugueses foram corajosos, até em demasiada. De acordo com o DL, o Oeiras decidiu jogar de igual para igual com a equipa da região da Catalunha, acabando por pagar essa ousadia com uma derrota por 4-2. A equipa lusa sofreu dois golos no primeiro tempo. No reatamento, os portugueses correram atrás do prejuízo, tiveram diversas ocasiões para passar para a frente do marcador, mas o infortúnio bateu-lhes à porta com a lesão de Salema, o «mais lúcido e frio dos seus homens (de ataque)», segundo a crónica do Diário de Lisboa (DL). Ainda assim, o Oeiras teve forças para chegar ao empate, através de Vítor Rosado e de Carvalho. Porém, um azar nunca vem só, e o 3-2 para o Arenys de Munt chegaria num lance irregular, já que Viade, com o patim, fez golo perante a vista grossa do árbitro. Já perto do final, o mesmo juiz aponta uma grande penalidade duvidosa a favor dos catalães, a qual não seria desperdiçada por Freixas. O resultado final não espelhava o que se havia passado no rinque encharcado (da chuva) de Arenys de Munt, mas acima de tudo mostrava que o Oeiras podia dar a volta por cima cerca de duas semanas mais tarde diante dos seus adeptos. E assim seria. 


O dia 18 de junho de 1977 é histórico para o hóquei patinado lusitano. Nesse dia, em Espanha, o Sporting arrecadava a primeira TCCE da sua história… e da história da modalidade em termos lusos. A festa seria estendida nesse mesmo dia a Lisboa, onde num Pavilhão dos Desportos repleto, o Oeiras deu uma nova alegria ao povo português. Foi preciso sofrer para colocar as mãos na taça, como escreveu o DL: «O Oeiras teve de sofrer até à última gota, destilando doses de suor e entusiasmo para conseguir conquistar o troféu. Mas deu esse pulo para a grande fama». A precisar de anular uma desvantagem de dois golos trazida de Espanha, o Oeiras foi para o intervalo do encontro da 2.ª mão empatado a uma bola, com Salema (recuperado da lesão da 1.ª mão) a adiantar os portugueses e Freixas a restabelecer o empate para os catalães. Na segunda metade, os portugueses superiorizaram-se, e muito devido à veia goleadora de Carvalho, que com três golos colocava os lusos na frente do marcador e da final. Porém, Rodon estragou a festa e reduziu para 4-2, obrigando a um prolongamento onde nada de mais aconteceu. Mais uma vez, o Oeiras foi obrigado a sofrer de ansiedade fruto de mais uma sessão de grandes penalidades. Diamantino converteu com êxito o primeiro penalti, Rodri empatou, Cristóvão fez 2-1 para de seguida Viade permitir a Carlos Alves a defesa. A multidão entrou em delírio. A sessão de tiro ao alvo continuou. Rosado fez 3-1, Edo o 3-2, e Carvalho atirou… à trave. Os portugueses que lotaram o Pavilhão dos Desportos de Lisboa sustiveram por segundos a respiração. Ficaram apreensivos. Rodon tinha no seu stick a hipótese de voltar a empatar a série de grandes penalidades, mas… Carlos Alves foi herói e defendeu o remate. A taça era do Oeiras. Seguiu-se uma festa rija, não só pela vila de Oeiras como por toda a cidade de Lisboa, que aguardava igualmente ansiosa pela chegada dos campeões europeus, o Sporting. «Oeiras e leões de braço dado por Lisboa fora, receção no estádio dos verde-e-brancos, discursos, abraços, euforia a muitos níveis», relatou então o DL numa reportagem publicada na edição de 20 de junho de 1977 cujo título expressou e bem este dia de glória da modalidade: «Hóquei português é o melhor da Europa». Mas voltando à pequena grande Associação Desportiva de Oeiras para recordar os heróis do primeiro de três títulos continentais que assinalam ainda hoje o ponto mais alto da sua história: Carlos Alves, Vítor Rosado, José Rosado, Salema, Carvalho, Cristóvão, Ricardo, Camacho, Diamantino, José Pereira. Treinador: José Lisboa. 


1976/77 foi mesmo uma época inesquecível para o Oeiras, que pelo segundo ano consecutivo chegaria à final a Taça de Portugal, sucumbindo, tal como na temporada transata, aos pés do Sporting. No campeonato nacional da 1.ª divisão, o Oeiras alcançou a sua melhor classificação de sempre na prova, um 2.º lugar, posição que iria repetir na época seguinte, e que confirmavam o pequeno emblema não só como o segundo melhor clube nacional, como internacional daquela época.  

(continua)

segunda-feira, 14 de abril de 2025

A rainha (Ticha Penicheiro) do basquetebol português subiu (há 20 anos) ao trono da WNBA


2025 marca igualmente o 20.º aniversário de um dos capítulos mais belos do basquetebol nacional, escrito por uma das suas mais virtuosas figuras, neste caso, Ticha Penicheiro. Nascida numa terra onde o basket é encarado com paixão, a Figueira da Foz, Patrícia "Ticha" Nunes Penicheiro foi um elemento preponderante na conquista da competição mais importante planetária do basquetebol feminino por parte da equipa dos Sacramento Monarchs em 2005. Falamos da WNBA (a NBA feminina). Ticha, foi nessa temporada a rainha das assistências da liga norte-americana e foi das mãos dela (num lance livre a 9 segundo do final) que surgiu o ponto decisivo para as Monarchs derrotarem por 62-59 as Connecticut Sun no jogo quatro da final disputada à melhor de cinco partidas e que carimbou o título. Foi a primeira vez que a equipa californiana, um dos oito conjuntos originais da Liga norte-americana desde o seu início em 1997, venceu a maior competição do basquetebol feminino do planeta. No regresso a Portugal após esta conquista, Ticha Penicheiro foi alvo de inúmeras homenagens, destacando-se a medalha de Honra e Mérito Desportivo atribuída pelo Governo português, que lhe foi entregue na sua terra natal pelas mãos do então secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Laurentino Dias. Já em 2021, ano em que a WNBA comemorava o seu quarto de século de existência, Ticha foi considerada uma das 25 melhores jogadoras dos 25 anos de história da WNBA (nota: a portuguesa é a única jogadora europeia presente nesta lista), sendo que dois anos antes havia sido integrada no Hall of Fame da competição. Além do título em 2005, a jogadora (nascida a 18 de setembro de 1974) somou vários títulos nacionais na Europa, nomeadamente em França, na Rússia e na Polónia, países onde atuou.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Há 20 anos Tiago Monteiro tornava-se no primeiro português a subir ao pódio da Fórmula 1


Considerá-lo o melhor português de todos os tempos pode ser uma opinião muito subjetiva, mas olhar para ele como o luso mais bem-sucedido no circo da Fórmula 1 é um facto inquestionável. A constatação deste mesmo facto deu-se há precisamente 20 anos no decorrer da 47.ª edição do Campeonato do Mundo de Fórmula 1. A temporada de 2005 do Grande Circo ficaria marcada pela estreia do quarto piloto português a competir no patamar mais alto do automobilismo internacional. Depois de Nicha Cabral, de Pedro Matos Chaves e de Pedro Lamy, era agora a vez de Tiago Monteiro guiar um bólide de Fórmula 1. Nascido a 24 de julho de 1976, no Porto, Tiago começou a competir nas quatro rodas ao volante do Porsche Carrera do seu pai, galgando posteriormente degraus na escadaria do automobilismo internacional, ao competir na Fórmula 3000, na Fórmula 3, nas 24 horas de Le Mans, ou na World Series da Nissan. Até que em 2005 chega à Fórmula 1 (F1) pela mão da escudaria Jordan Toyota onde viria a escrever história não só no automobilismo nacional como internacional. Comecemos pela histórica e até hoje inigualável marca nacional. Estávamos a 19 de junho de 2005. Corria-se a 8.ª prova do Mundial de Fórmula 1 desse ano. O mítico circuito de Indianápolis era palco do Grande Prémio dos Estados Unidos da América (EUA) e poucos pensariam que o estreante piloto português pudesse naquele dia entrar na história da modalidade ao pontuar. Nas corridas anteriores, Tiago Monteiro o melhor que tinha conseguido fazer foram dois 10.º lugares, nos grandes prémios do Barém e do Canadá. Porém, uma grande peripécia ensombrou o Grande Prémio (GP) dos EUA e que acabaria por estar na base para o sucesso do piloto português naquele dia. Na altura, havia dois fornecedores de pneus, a Michelin e a Bridgestone, sendo que os da primeira marca não aguentaram a força exercida na sua zona lateral quando passavam pela parte oval do circuito norte-americano. Este problema deu origem a inúmeros acidentes durante as sessões de treinos em todas as equipas que usavam pneus Michelin, nomeadamente a Renault, a BAR Honda, a Williams, a McLaren, a Sauber, a Red Bull e a Toyota. As várias reuniões entre estas escuderias e a referida marca de pneus não deram em nada, e seria a própria Michelin a aconselhar as equipas a não competir no GP por falta de condições de segurança. Conclusão: apenas seis carros – todos eles equipados com pneus Bridgestone – alinharam no GP dos EUA em representação das escudarias Ferrari, Jordan e Minardi. 

O que para muitos foi um verdadeiro escândalo, para outros, como Tiago Monteiro, foi uma oportunidade de ouro para pontuar e quiçá chegar ao último lugar do pódio. Sim, porque na teoria os dois primeiros lugares do pódio dificilmente escapariam aos Ferraris de Michael Schumacher e de Rubens Barrichello. Para além de Tiago Monteiro, esta caricata corrida foi disputada ainda pelo indiano Narain Karthikeyan (colega de equipa do piloto luso), pelo holandês Christian Albers e pelo austríaco Patrick Friesacher, ambos da Minardi. Largando da 17.ª posição, Tiago Monteiro logo se posicionou atrás de Michael Schumacher, com Rubens Barrichello na liderança. Com o decorrer da corrida, o alemão trocou de posição com o seu colega de equipa, acabando por cortar a meta em primeiro, seguido do piloto brasileiro. Tiago Monteiro manteve até final o 3.º posto, o que não só lhe garantiu os primeiros pontos na F1 mas acima de tudo um histórico pódio, algo que nenhum outro português havia conseguido até então. Recorde-se que Pedro Lamy tinha sido o primeiro piloto português a pontuar num GP de F1, o que havia acontecido em 1995, no GP da Austrália, em que foi 6.º classificado. Tiago Monteiro fez mais do que isso, mesmo em circunstâncias bizarras. 

A estrela do português iria brilhar ainda mais nesta temporada, ao tornar-se no melhor piloto estreante de sempre na F1 com três recordes batidos: o facto de ter terminado 18 das 19 corridas realizadas, o facto de se ter tornado no piloto com mais quilómetros percorridos numa só temporada (5521 km), e o facto de ter triplicado o máximo de seis provas consecutivas terminadas por um rockie (estreante). Nessa mesma temporada, Tiago Monteiro iria ainda pontuar em mais uma ocasião, ao concluir o GP da Bélgica no 8.º lugar.

Vídeo: Notícia televisiva do feito de Tiago Monteiro

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

1982: o ano em que o humilde Portugal abriu as suas portas à classe média do basket europeu


As décadas de 70 e de 80 do século passado foram de algum relevo para o basquetebol nacional, não só pelo facto de várias equipas lusas terem participado nas competições europeias, como também no aspeto da nossa seleção nacional ter medido forças com algumas potências do basket continental…. embora sem grandes resultados positivos alcançados. Este período coincidiu com o histórico acolhimento da 23.ª edição do Campeonato da Europa de seniores masculinos em 1982, naquele que se constituiu como o primeiro grande acontecimento basquetebolístico internacional ocorrido no nosso país. Competição essa que também era conhecida como Challenge Round, a Divisão B da modalidade a nível europeu. A prova desenrolou-se em maio de 1982 nas cidades de Lisboa e do Porto, sendo que na capital teve como palco o Pavilhão dos Desportos, ao passo que na Cidade Invicta os jogos disputaram-se no Pavilhão das Antas. 12 nações – a saber, Portugal, Roménia, República Federal da Alemanha (RFA), Inglaterra, Suécia, Finlândia, Hungria, Grécia, Turquia, Bulgária, Bélgica e Holanda – competiram no nosso país com os olhos postos ou na Divisão A do Europeu, ou na permanência nesta Divisão B, como era o caso de Portugal, que havia subido da Divisão C no ano anterior. Organizar um evento desta dimensão não foi pêra doce para a organização, desde logo pela falta de meios financeiros, conforme ficou vincado por Máximo Couto, o então presidente da Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB), à Gazeta dos Desportos. Nessa entrevista, o dirigente assegurava que estava tudo preparado para o início do Europeu, pese embora alguns contratempos de última hora estavam a causar alguma apreensão organização. Desde logo a falta de apoios financeiros inicialmente prometidos e que à última a hora não se concretizaram, como foi o caso da televisão pública, que acabou por não transmitir todos jogos, o que fez com que a FPB perdesse uma boa receita financeira em termos de publicidade. Mas de igual modo, outras entidades estatais acabaram por retirar o prometido apoio financeiro a poucos dias do início da prova, o que causou, naturalmente, preocupação entre os dirigentes federativos. «Estou de certo modo muito preocupado com o aspeto financeiro do campeonato, se bem que neste momento não possamos voltar para trás. No final tudo se pagará, se bem que neste momento não se sabe muito bem como. Estamos a fazer tudo ao nosso alcance para que não haja prejuízo, mas o problema da televisão está a criar-nos dificuldades financeiras. No entanto, pensamos fazer mais receita, até porque os bilhetes são a um preço acessível, 100 escudos por sessão, que dá direito a ver três jogos, pelo que tanto no Porto, como em Lisboa, estamos esperançados que o público acorra, para ver bons espetáculos», perspetivou o dirigente.


Mas com maiores ou menores dificuldades lá foi ultrapassado este obstáculo financeiro, muito graças a diversos mecenas – vulgo patrocinadores/empresas– privados. E no plano desportivo a prestação lusa acabou por ser… tristonho! É, realmente a diferença do basquetebol que se jogava em Portugal em comparação com o resto da Europa fez-se notar na equipa orientada pelo selecionador Adriano Baganha. Mas já lá vamos a resultados concretos. 
Na partida para o Europeu havia muita confiança entre a delegação lusa, que esperava que o forte apoio do público a pudesse manter na Divisão B do Campeonato da Europa. Portugal reuniu alguns dos seus melhores basquetebolistas da época, desde logo aquele que ainda hoje é considerado como o maior jogador nacional desta modalidade, Carlos Lisboa. Então com 23 anos, Lisboa, que nessa temporada se tinha sagrado campeão nacional pelo Sporting, fazia-se acompanhar de outros craques. A saber, Augusto Baganha (Sporting), Rui Pinheiro (Sporting), Artur Leiria (Atlético), João Seiça (Atlético), Carlos Santiago (Atlético), João Cardoso (Sporting), Rui Pereira (FC Porto), Alberto Van Zeller (FC Porto), Eustácio Dias (Ginásio Figueirense), José Luís (Benfica), Tó Quintela (FC Porto), e José Paiva (Académico de Coimbra).  


Integrada no Grupo A – sediado em Lisboa –, juntamente com as seleções da Suécia, RFA, Finlândia, Inglaterra, e Hungria, a seleção nacional mostrou na verdade que ainda tinha um longo caminho a percorrer para conseguir ombrear com seleções do nível intermédio do basket continental. Sim, nível intermédio, pois estamos a falar do Campeonato da Europa B, onde nem sequer estava a elite do basquetebol da Europa. E essa necessidade de aprendizagem ficou bem patente logo na estreia, diante da Suécia, em que Portugal desiludiu, de acordo com a reportagem da Gazeta dos Desportos. «Pode-se dizer que a estreia da equipa portuguesa no Europeu de 82 foi uma completa desilusão, não pela derrota em si, mas pela exibição, que no mínimo se deverá classificar de descolorida. Efetivamente a equipa portuguesa mostrou-se pouco esclarecida no ataque e a defender… bom, a defender não o fez. (…) A (não) defender os portugueses foram exímios, demonstrando à evidência todos os erros anteriormente (campeonato nacional, nomeadamente) demonstrados, desatenção aos cortes, recuperação (?) defensiva a passo, etc.». Resultado final: 88-82 a favor dos suecos. Com 28 pontos, Carlos Lisboa foi o melhor marcador luso no jogo de estreia. 
No encontro seguinte, diante dos alemães, os lusos até tentaram corrigir o mau arranque, pelo menos a julgar pelos minutos iniciais do encontro. Isto, se olharmos para o resultado de 10-9 a seu favor à passagem dos 5 minutos, o que terá causado algum espanto a quem presenciou o duelo. Porém, e com naturalidade, os alemães começaram a pouco e pouco a inverter o rumo dos acontecimentos, sem que, no entanto, Portugal os deixasse distanciarem-se no marcador. O final chegou com um triunfo da RFA por 92-80, mas acima de tudo deixou uma imagem muito mais positiva do selecionado português em comparação com a partida ante os suecos. Com 17 pontos na conta pessoal, Lisboa foi o melhor marcador da turma portuguesa ante a RFA.


A derrota mais pesada dos lusos neste Europeu de 82 aconteceu na 3.ª jornada, quando foram cilindrados pela Inglaterra por 107-90, o que definiu desde logo que a turma orientada por Adriano Baganha tinha obrigatoriamente de vencer os dois últimos jogos para se manter na Divisão B. Diante da Finlândia os portugueses voltaram a entrar bem no jogo. Porém, os nervos acabariam por falar mais alto, e uma «série de maus passes e lançamentos falhados por diversas ocasiões, nunca permitiu o nosso distanciamento no marcador (se bem que na segunda parte tivéssemos 10 pontos de avanço) e tornou possível que os finlandeses acabassem por vencer (por 81-77)», escrevia Cardão Machado, correspondente da Gazeta dos Desportos. Calos Lisboa foi mais uma vez o melhor marcador da seleção, com uns impressionantes 41 pontos.


E face a este resultado Portugal carimbava matematicamente a descida à Divisão C, o último escalão do basquetebol europeu, falhando assim o seu grande objetivo no torneio. (Nota: no último encontro da fase de grupos os portugueses conheceram a sua quinta derrota no torneio, desta feita diante da Hungria, por 92-70). Na hora de fazer um balanço da participação da equipa portuguesa, Cardão Machado escrevia que tinha sido «uma grande aventura, que como todas as aventuras, tem coisas boas e coisas más. No entanto, pensamos que apesar de a nossa equipa ter baixado de divisão, este campeonato tem muitas coisas positivas e tem muitas lições a extrair. (…) No aspeto organizativo a prova foi um êxito. As delegações estrangeiras estão satisfeitas e os comissários da FIBA nada têm a apontar, antes pelo contrário. (…) No que toca à parte financeira, e nesta altura, pode considerar-se um fracasso. Segundo informações que nos chegaram, as jornadas em Lisboa têm rendido à volta de 50 mil escudos, enquanto que no Porto têm andado por 8 mil escudos. Valeu, no entanto, as ajudas de algumas firmas particulares, caso da Fidelidade, Vimóveis, NCR, 3M de Portugal, e Toyota».

Carlos Lisboa 
Mais adiante na sua análise, Cardão Machado esmiuçou um comentário à participação da seleção lusa, apontando o mau estado em que se encontrava o desporto nacional como fator principal para a despromoção de Portugal à Divisão C. «Como é do conhecimento geral, o desporto em Portugal não está bem, porque a entidade que o orienta no nosso país anda sempre a flutuar, nunca seguindo o critério que possibilite que qualquer modalidade se imponha. (…) No caso do basquetebol, as oscilações da DGD (Direção Geral dos Desportos) têm-se feito sentir e não dão qualquer possibilidade de a federação fazer um trabalho que se pode considerar válido durante vários anos. (…) A maior parte das ações de formação de técnicos são diminutas (por falta de verbas) o que naturalmente tem efeitos negativos. (…) No entanto, e o que tem mais repercussão sobre o jogo, é o facto de o nível técnico dos jogadores ter diminuído e o aparecimento de muitos jogadores estrangeiros nas nossas principais equipas. De facto, muitos dos nossos jogadores da seleção foram suplentes durante o campeonato nacional (…)». No seguimento destas e de outras críticas ao estado do basket luso, Cardão Machado deixava um conselho aos “comandantes” da modalidade a nível nacional: é preciso começar a trabalhar já. Este Campeonato da Europa realizado em Portugal seria ganho pelos Países Baixos, que além de terem vencido o seu grupo (B) levariam a melhor sobre a Grécia, Suécia, RFA, Turquia, Hungria, Roménia e Finlândia na ronda final. Portugal e Bulgária foram as suas seleções despromovidas à Divisão do Europeu.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

O inesquecível minuto de fama do Sesimbra na alta roda do hóquei internacional


Corria o ano de 1980 quando a CERH cria aquela que seria então a sua terceira prova continental a nível de clubes, a Taça CERS. Quis o destino que o batismo daquela que hoje em dia é denominada de Taça WSE (World Skate Europe) fosse vivido como um autêntico conto de fadas por um pequeno clube português pouco habituado a grandes conquistas nacionais ou internacionais. Foi uma história em que David derrotou Golias, dando assim azo a um dos capítulos mais surpreendentes e ao mesmo tempo memoráveis da história do hóquei patinado internacional. E essa epopeia foi vivida pelo modesto Grupo Desportivo de Sesimbra, que na temporada de 1980/81 – a primeira da vida da Taça CERS – conquistou o título mais importante dos seus – até à data – 77 anos de existência. Ao alcançar um brilhante 5.º lugar no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão da época anterior, o Sesimbra garantiu o direito marcar presença na edição de estreia da Taça CERS, juntamente com o Valongo. Isto, porque o FC Porto, 4.º classificado, optou por não participar na nova competição, abrindo desta forma a vaga aos rapazes do sul do Tejo.

O tímido início da caminhada rumo à glória


Quis o destino que a turma do Distrito de Setúbal tivesse de disputar uma pré-eliminatória de acesso à nova prova da CERH, tendo como adversário os franceses do Roller Skating Cujan-Mestras, emblema da região de Bordéus. Cerca de 2500 pessoas marcaram presença no Pavilhão Gimnodesportivo de Sesimbra para testemunhar o batismo europeu da equipa da terra. Com um combinado experiente, composto por muitos “trintões”, o Sesimbra bateu o conjunto gaulês por 8-4, mas não ganhou para o susto, conforme escreveu Daniel Reis, jornalista da Gazeta dos Desporto, que cobriu esse encontro. «Faltavam menos de 5 minutos para terminar a primeira mão da eliminatória europeia que opôs o Sesimbra ao Cujan-Mestras e os franceses tiveram a eliminatória na mão. Os “trintões” da equipa portuguesa, praticamente a mesma que há uns 6 ou 7 anos representou o Grupo Desportivo de Lourenço Marques, começavam a dar evidentes sinais de esgotamento físico, e os franceses (alguns pareciam filhos de Garrancho, José Pedro, Adrião e companhia) recuperavam paulatinamente, no jogo e no marcador, chegando ao 4-5 aos 20 minutos e 10 segundos. Mas um remate desesperado de José Adrião, atirado bem da linha do meio do rinque, virou a sorte do jogo. Este sexto golo reabriu ao Sesimbra as possibilidades de não se ficar pela primeira eliminatória nesta sua estreia internacional no hóquei em patins. A saída quase simultânea de um hoquista francês para recuperar o patim e a suspensão do melhor dos elementos desta equipa, Chargureau, um louro com corda para dois jogos seguidos, aniquilou a resistência do Cujan. E mais dois golos de rajada deram ao Sesimbra, julgamos, a margem de segurança necessária para enfrentar a segunda mão desta eliminatória pré-eliminar da Taça CERS com alguma tranquilidade», escrevia o redator da Gazeta. 8-4, foi, pois, o resultado final deste primeiro encontro, em que Carlos Pereira (com 5 golos) e José Adrião (com 3 tentos) foram os marcadores de serviço da equipa lusa. E uma semana mais tarde, os sesimbrenses confirmaram a passagem aos quartos-de-final da prova europeia, desta feita com uma robusta vitória por 14-2. 


Sorte foi madrasta em Noia

E na ronda seguinte surgiu no caminho dos portugueses um gigante do hóquei espanhol, o Noia. A primeira mão realizou-se na Catalunha. Jogo que os portugueses perderam por 6-3, mas com muitas queixas em relação à arbitragem espanhola (!!!!) por parte do treinador sesimbrense, Ernesto Meireles. O que é certo é que mesmo com a ajuda, ou não, dos árbitros seus conterrâneos, o Noia tremeu ante o Sesimbra. Com uma entrada forte em campo, os catalães abriram o marcador logo aos 3 minutos, pensando que aquela seria uma vitória fácil. Puro engano. Habituados (em Portugal) a ambientes adversos, os portugueses reagiram bem, e 3 minutos volvidos Carlos Cunha repôs a igualdade, fazendo tremer os locais. Incentivado pelos seus adeptos o Noia espicaçou, e marcou mais dois golos. O Sesimbra continuava a patinar com muita personalidade, e antes do intervalo José Pedro bateu o guardião Pla e reduziu a desvantagem. 


Antes do descanso o Noia ainda fez o 4-2, mas na segunda metade o cenário do encontro mudou por completo. «Perante a surpresa dos adeptos da turma local, foram os sesimbrenses que mandaram no jogo, e, aí, não tiveram a sorte do seu lado. Porque, se tivessem tido a ponta de sorte que qualquer equipa tem de ter, a verdade é que o marcador viria a sofrer uma evolução muito diferente. Assim porque a sorte foi madrasta ao Sesimbra, a vantagem do Noia subiu para 5-2, volvendo aos dois golos de diferença à passagem do 10.º minuto do segundo tempo (nota: José Adrião fez o terceiro tento dos portugueses). Quando se entrava na ponta final da partida, os locais recuperavam um golo, fixando o resultado em 6-3», assim relatava os acontecimentos a reportagem da Gazeta dos Desportos. 


Evitar artimanhas espanholas para ganhar com clareza impressionante

Apesar do desaire, Ernesto Meireles estava confiante para o jogo da segunda mão a sul do Tejo. «Tudo está ainda por resolver, porque este Noia não é não superior ao Sesimbra, que tem capacidade para anular a desvantagem e ultrapassar o obstáculo», disse o técnico luso, acrescentando que para tal bastava que os seus jogadores não se deixassem levar pelas “artimanhas” espanholas. 


No retorno, a boa impressão que o Sesimbra deixou na Catalunha confirmou-se. Os portugueses voltaram a fazer uma grande exibição, e mesmo quando na segunda metade o Noia fez o 1-1 ninguém duvidava que os portugueses não passassem a eliminatória. E assim foi. Uma reta final avassaladora conferiu um triunfo robusto à turma de Ernesto Meireles, garças a dois golos de José Carlos, um de José Pedro, outro de Vítor Afonso, outro de José Adrião e outro de Carlos Garrancho. 6-1, o resultado final obtido com uma «clareza impressionante», conforme deu conta a Gazeta dos Desportos, numa grande jornada de hóquei que levou o estreante Sesimbra às meias-finais da Taça CERS.

Em Itália, o sol deu lugar à tempestade 


Ultrapassado o obstáculo espanhol outro de teórico elevado grau de dificuldade se seguiu. O Amatori Lodi, conjunto oriundo de outro país gigante no Planeta do Hóquei em Patins, uma equipa que na opinião do jornalista Orlando Dias Agudo, da Gazeta dos Desportos, apresenta outro tipo de jogo, distinto dos espanhóis. «(Jogo) mais complicado, que faz mais nervos, que não é bonito à vista, mas é terrivelmente prático no aproveitamento de situações. (…) Mas é importante que se diga: o Sesimbra está a fazer um grande esforço para estar presente nesta competição. Os dinheiros não abundam, as receitas dos jogos mal dão para as estadias no estrangeiro. Que faz então correr os jogadores do Sesimbra? Talvez que a “fome” de mostrar a tudo e a todos que a vontade e o espírito de equipa ainda pode muito nos dias que vão correndo, que o “cinco” tem capacidade para fazer na Europa, que a conquista da taça é um sonho lindo que se poderá transformar em realidade», assim analisava este jornalista no lançamento da eliminatória. 

E foi num pavilhão completamente esgotado que os portugueses efetuaram uma primeira parte «linda, onde por duas vezes o esboço de uma vitória sensacional esteve feito», mas na segunda metade veio a «derrocada, o desnorte, o barco sem rumo, dando ao parceiro da eliminatória fartos motivos de esperança para chegar à final», assim analisou a Gazeta dos Desportos um encontro realizado em Lodi e que os locais venceram por 6-3, curiosamente o mesmo resultado alcançado pelo Noia na ronda anterior. Por isso, a esperança numa nova reviravolta reinava após o soar do gong: «Noia foi a lição: quem consegue recuperar três golos a uma equipa espanhola, também o vai conseguir com uma equipa italiana. Porque o hóquei italiano é diferente do espanhol: à matreirice dos ibéricos corresponde o fechado do quadrado transalpino. Mas está lá, Garrancho para destruir qualquer quadrado, José António para furar qualquer barreira, José Adrião para desnortear os lados desse quadrado. Possível? Se o Noia foi…», escrevia então a Gazeta dos Desportos.

Portas da final abertas com uma nitidez profunda 


E tanto era possível que acabou mesmo por acontecer. Na volta, em Sesimbra, mais uma exibição monstruosa dos lusos culminada com um esclarecedor triunfo por 10-1, que abriram com uma nitidez profunda as portas da final. O pavilhão da bela localidade do Distrito de Setúbal foi pequeno demais para presenciar este recital e hóquei da sua equipa. Ao Lodi não chegou a categoria de jogadores internacionais como Fontana, ou Fona, já que a turma portuguesa não só marcou golos a um ritmo endiabrado, como justificou ao longo da partida o avolumado score com que esta terminou. A superioridade refletiu-se amplamente no marcador, e aos 13 minutos já o encontro estava praticamente decidido a favor dos homens do sul do Tejo, que então já venciam por 5-0, deixando os italianos com ténues esperanças numa reviravolta. «E como foi isto possível? Quem presenciou o ambiente escaldante nas bancadas, não podia esperar por outro desfecho. O público presente nas bancadas soube transbordar para os jogadores do seu emblema todo o seu entusiasmo e vontade de vencer, tendo sido fácil o resto: italianos desnorteados, vencidos, nada puderam opor aos golos que iam nascendo na baliza de Fontana», escrevia o jornalista de serviço da Gazeta dos Desportos, que terminada a sua proza com a seguinte pergunta: «Quem se atreve a vencer o Sesimbra? Que responda quem quiser e… souber». Com seis golos na sua conta pessoal, Carlos Pereira foi o melhor marcador dos portugueses, que viram também José Pedro – por duas ocasiões –, Carlos Garrancho e Carlos Cunha fazer o gosto ao stick.

Inferno de Sesimbra empurrou a equipa para a glória


E assim chegávamos à final, onde pela frente o Sesimbra iria ter outra das surpresas desta edição inaugural da Taça CERS, os neerlandeses do RC Lichtstad. O emblema de Eindhoven havia deixado pelo caminho, nos quartos-de-final, o outro clube português envolvido na competição, o Valongo, sendo que nas meias-finais eliminou os italianos do Reggiana Hockey Club. A primeira mão da final foi disputada num sábado à noite no completamente esgotado Pavilhão Gimnodesportivo de Sesimbra, sob arbitragem do espanhol Hidalgo. E talvez porque estivéssemos numa final o início de jogo foi morno, com os dois conjuntos a estudarem-se mutuamente. Até que veio a explosão, o mesmo será dizer, o primeiro golo dos portugueses, por intermédio de Carlos Cunha, na sequência de um belo trabalho de José Adrião. «A torcida aquecia, estava aberto o caminho para o resultado sonhado, tanto mais que os homens da camisola branca, com vivos violeta, eram os que comandavam a movimentação da bola», escrevia a reportagem da Gazeta dos Desportos. Porém, os homens dos Países Baixos eram duros de roer, formavam um conjunto que nunca vira a cara à lura, e sempre que podiam lá se aproximavam da baliza de Fernando António, «rematando com força e quase sempre com boa pontaria, mas o guarda-redes do Sesimbra era um homem atento». Até que numa dessas jogadas o pavilhão sesimbrense levou um autêntico balde de água gelada. Van Gemert, desde a linha do seu meio campo, stica forte para o fundo das redes portuguesas. Estava feito o empate. O golo espicaçou os comandados de Ernesto Meireles, que voltaram a chamar a si o controlo da partida, fechando com atenção todos os caminhos – fossem de perto, ou de longe – da sua baliza, e ainda antes do descanso Carlos Cunha fez o 2-1. «Depois de uma primeira defesa de Van Dungen, após a qual Carlos Pereira lhe roubou a hipótese de completar a defesa, colocando-a (a bola) no stick de Carlos Cunha. Era o 2-1, renascer da esperança». E foi com grande vontade que os sesimbrenses voltaram ao rinque na segunda metade.  Nos segundos iniciais, o capitão de equipa, José Pedro, dispara um “míssil” que elevou para 3-1 a vantagem dos portugueses. Carlos Pereira ainda apontaria o quarto golo do Sesimbra, que assim vencia o primeiro jogo da final por 4-1.

Saber sofrer com valentia e cabeça fria para depois fazer a festa


A vantagem na viagem para Eindhoven era de três golos. Curta ou confortável? O encontro da segunda mão da final ditou que esta foi uma vantagem que o Sesimbra soube segurar com muito sofrimento. Cabeça fria, valentia e coragem, foram três ingredientes que os portugueses usaram para trazer a taça para casa, após um jogo disputado num piso impróprio (de cimento) para a prática do hóquei em patins. Plantado ao ar livre, o rinque – localizado paredes meias com um cemitério! – do RC Lichtstad foi um dos grandes obstáculos que o Sesimbra teve de ultrapassar com bravura para ganhar a competição. Ainda por cima, a partida foi disputada num sábado de chuva, o que dificultou ainda mais a tarefa dos atletas. No que diz respeito ao jogo em si, os neerlandeses assumiram as rédeas nos minutos iniciais à boleia dos irmãos Van Gemert. Carlos Cunha, um dos principais artistas do Sesimbra, foi bem guardado por Trudo Van Gemert, mas mesmo apesar de terem mais tempo a bola em seu poder nos primeiros 25 minutos, os neerlandeses não criaram grandes situações para bater Fernando António. «A defesa do castelo estava mais do que organizada e o assalto resultava inútil»; escrevia Orlando Dias Agudo, jornalista da Gazeta dos Desportos encarregue de cobrir o jogo. Faltavam mais 25 minutos para que os experientes jogadores do Sesimbra acabassem com as esperanças dos novos e «cheios de vida e de força» rapazes de Eindhoven e conquistassem a taça. Porém, a missão dos portugueses complicou-se quando aos 3 minutos da segunda parte Peter Van Gemert desviou um passe de Habraken para o fundo da baliza de Fernando António, que 11 segundos depois sofreu um novo golo, desta feita apontado pelo próprio Habraken. O Sesimbra tremeu. A vantagem de três golos passava agora a ser apenas de um. Os neerlandezes cresceram, e na tentativa de igualar a eliminatória atiraram vezes sem conta do “meio da rua” em direção da baliza de Fernando António. No entanto, os pupilos de Ernesto Meireles disseram “presente”, e seguraram com valentia e mestria a magra vantagem no agregado dos dois jogos. E com os minutos a passarem veio ao de cima o mau perder os neerlandeses, que começaram a jogar de forma mais dura. José Adrião e Carlos Garrancho que o digam, já que além da taça trouxeram para Portugal algumas nódoas negras oferecidas pelos jogadores do RC Lichtstad. A certa altura do encontro os locais passarem mesmo a jogar temporariamente com menos um homem na quadra, pois o durão Kippels entrou e quase de imediato viu o cartão vermelho por uma entrada à margem da lei. «Os jogadores do Sesimbra não eram apenas valentes, eram também mártires, à força da força neerlandesa. Havia sangue no rosto de Garrancho, suor em todas as camisolas, e as lágrimas de alegria estavam quase a saltar dos olhos dos portugueses ali presentes», escrevia Orlando Dias Agudo. Farto de levar pancada, Garrancho a escassos minutos do fim fez uma falta que lhe valeu não só o cartão amarelo como beneficiou os locais com um livre direto. A última oportunidade para o RC Lichtstad levar o jogo para prolongamento. «Silêncio absoluto. O árbitro apitou, Trudo Van Gemert rematou… e a bola foi desviada por Fernando António. Pouco depois o sinal de recolher às cabines quase coincidiu com o saltar da primeira rolha de garrafa de champanhe. Foi quando se chorou, no ombro do vizinho, do colega de equipa, do treinador, no banco do adepto que fez questão de gastar umas notas para ajudar a trazer a taça para Sesimbra», assim relatou o jornalista. A festa durou até às tantas. Primeiro em Eindhoven, com os responsáveis do RC Lichtstad a aceitarem a derrota com desportivismo e a convidaram a comitiva lusa para um jantar num restaurante chinês naquela cidade. E depois, claro, na chegada a Portugal, onde Fernando António, José Pedro, Carlos Garrancho, José Adrião, Carlos Cunha, Carlos Pereira, Vítor Afonso, Carlos Silveira, Guedes, e o treinador Ernesto Meireles foram recebidos como heróis. E é como verdadeiros heróis imortais que estes homens continuam hoje, mais de 40 anos depois, a ser recordados na encantadora vila piscatória de Sesimbra.