Diz a história que o primeiro grande desportista português a brilhar além fronteiras fê-lo em cima de uma bicicleta. E fê-lo numa altura em que o desporto nacional era ainda uma criança, em que se começava a enraizar na cultura portuguesa.
Estávamos
pois nos finais do século XIX quando um jovem oriundo da Figueira da Foz alcançou
a glória internacional em cima da sua bicicleta, tornando-se assim num dos
primeiros grandes ases do ciclismo planetário. José Bento Pessoa, o seu nome.
Nascido
a 7 de março de 1874, na bonita cidade costeira da Figueira da Foz, como já
vimos, era filho de um proprietário de uma sapataria e de uma doméstica, tendo
passado a sua infância entre a Rua da Oliveira, onde residia, e a sapataria do
seu progenitor. E foi precisamente para o estabelecimento de Ricardo Lourenço
Pessoa - o pai - que José foi trabalhar assim que concluiu os estudos. Porém, o
jovem figueirense estava longe de seguir o sonho do seu pai, que aspirava que
José assumisse a batuta do negócio na loja de sapatos. Este estava mais
inclinado para o desporto, ou não fosse ele um praticante nato de natação,
remo, atletismo e até futebol, modalidade esta onde reza a história que foi um exímio
guarda-redes. A certa altura a prática desportiva fez mossa no jovem José, que
na sequência de uma queda fraturou um tornozelo. A conselho médico foi-lhe
indicado então que praticasse ciclismo para curar as mazelas físicas. Mais do
que a cura encontrou a sua grande vocação no desporto.
A
23 de fevereiro de 1894, em Coimbra, José Bento Pessoa realizou a sua primeira
prova oficial, alinhando como júnior numa prova de 13 quilómetros onde acabou
por ganhar a medalha de ouro. Tinha então 20 anos.
Um
ano mais tarde ruma a Lisboa para trabalhar na loja de bicicletas de Manuel
Beirão, representante da marca de bicicletas Brennabor. Na capital, José
treinava de manhã e no resto do dia trabalhava na loja.
Em
1896 o jovem figueirense sofre um abalo com a morte do seu pai, decidindo
deixar a loja de bicicletas em Lisboa para se tornar profissional de ciclismo,
assinando contrato com a marca Raleigh, representada pela “Casa Esteves”.
Filia-se então na União Velocipédica Espanhola, pois a União Velocipédica
Portuguesa ainda não tinha sido criada, pelo que o ciclismo luso era então tutelado
pelo organismo espanhol.
A
12 de abril de 1897, José Bento Pessoa alcança o primeiro grande título da sua
carreira. Participando no primeiro campeonato de Espanha em ciclismo, em
estrada, uma prova que tinha 100 quilómetros, com partida em Madrid, passagem
por Ávila e regresso a Madrid, José entra para a história por ter cortado a
meta em 1.º lugar e consequente por se ter tornado como o primeiro campeão de
Espanha da modalidade. Nesta prova que ficou conhecida como os "100
quilómetros de Ávila", alinharam vinte ciclistas e o prémio atribuído era
de 750 pesetas. Nesse mesmo ano de 1897 volta a fazer história. Em maio, na
inauguração do Velódromo de Chamartin, Madrid, ganhou a prova internacional e
bateu o recorde mundial dos 500 metros, que pertencia a Edmond Jacquelin,
baixando o tempo de 34,6 para 33,2 segundos.
Em Espanha tornou-se um ídolo, pois em 68 corridas, venceu-as todas. Na última década do século XIX até sensivelmente 1905 correu em Espanha, França (Paris) Bélgica (Gand), Suíça (Genebra), Itália (Turim), Alemanha (Berlim) e Brasil (Pará), sendo que no país vizinho disputou provas em Vigo, Corunha, Sevilha, Bilbau, Salamanca, Ávila e Madrid. Perante tudo isto bem se pode dizer que o primeiro grande nome do ciclismo espanhol era... português.
Em
Berlim, a 8 de maio de 1898, atingiu novamente o Olimpo dos Deuses ao vencer o Grande
Prémio Zimmerman, então a prova velocipédica mais importante da Europa, em
honra de Arthur Augustus Zimmerman, vencedor do Campeão do Mundo Willy Arend.
Apesar
de a estrela de José Bento Pessoa brilhar longe, a Figueira da Foz nunca o
esqueceu, sendo que as suas vitórias eram festejadas com pompa e circunstância
ali no burgo, com manifestações ruidosas e festivas. E sempre que vinha à sua
terra natal era recebido como um verdadeiro herói, e reza a história que muitas
vezes ia da estação dos caminhos-de-ferro até casa em ombros.
José
Bento Pessoa retirou-se de competição em 1905, depois de uma digressão pelo
Brasil. Regressado a casa comprou um forno de cal e montou o Cal-Hidráulico do
Mondego, Lda., tendo este sido o seu negócio até ao fim da vida, vindo a
falecer em 7 de julho 1954, com 80 anos de idade.
Em
sua memória a Câmara Municipal da Figueira da Foz batizou o estádio municipal
local com o seu nome.
Nenhum comentário:
Postar um comentário