Apesar
de pouco divulgada no nosso país, no que concerne à sua aparição na comunicação
social, o hóquei em campo é uma modalidade que cativa um número digno de
registo de praticantes e adeptos em Portugal. Sendo uma modalidade cujas
origens remontam à Era antes de Cristo, pelo menos, tendo em conta que registos
históricos descobertos em Atenas, mais concretamente uma gravura sobre o túmulo
de Théristocles, datada do ano 500 a.C., em que são mostradas várias figuras a
disputar um jogo com uma bola e um stick. No entanto, segundo dados mais
concretos, apontam que o jogo tenha sido (re)criado pelos ingleses nos finais
do século XIX, tendo o primeiro clube sido fundado em 1849, mais concretamente
o Blackheath, na zona de South-east London. Ainda segundo a história, a
modalidade era praticada em descampados, com bastões de madeira e bolas
formadas por pedaços de borracha.
Como
tantas outras modalidades também o hóquei em campo evoluiu com o passar dos
anos, afirmando-se como desporto rei
em muitos países, como o Paquistão ou a Índia, sendo ainda, segundo as
estatísticas, a quarta modalidade mais praticada no Mundo.
Portugal
não tem acompanhado estes números, infelizmente, dirão os praticantes e amantes
da modalidade em terras lusas, mas não deixa de ter a sua história, rica, e que
hoje nos leva a abrir as portas deste Museu.
História do
hóquei luso está umbilicalmente ligada ao Ramaldense

E
a história do hóquei em campo português quase que se confunde com a de um
clube, e que é hoje o motivo desta nossa viagem ao passado. Coletividade essa
que faz hoje, dia 5 de abril, a bonita idade de 100 anos! É verdade, um século
de existência ao serviço do desporto. E o nosso aniversariante dá pelo nome de
Ramaldense Futebol Clube, um símbolo da cultura popular e do bairrismo
portuense que viu a luz do dia a 5 de abril de 1922. Silva Neves, Santos
Oleiro, Alberto Araújo, Cunhas e os irmãos Grilo estiveram na génese deste
emblema que teve como berço a freguesia de Ramalde, na cidade do Porto, e que
através do hóquei em campo fez conhecer o seu nome não só pelos quatro cantos
do território nacional como igualmente em várias partes do Velho Continente. Foi o futebol, contudo, a dar a este emblema os
seus primeiros anos de vida. Um emblema que deu os primeiros pontapés na bola
num campo situado na Senhora da Hora, na Rua Joaquim Pinto, e que depois de
mais alguns anos em que andou com a "casa às costas" se mudou para a
sua freguesia natal e para o histórico Campo Alberto Araújo, situado na Rua do
Pinheiro Manso, recinto hoje em dia extinto (desde 2009), mas onde ao longo de
várias décadas se escreveu história.

Não
só no futebol, onde nomes como Humberto Coelho ou André Villas Boas vestiram a
mítica camisola tricolor (verde, vermelho e branca) do clube de Ramalde, mas
sobretudo no hóquei em campo, onde este clube se tornou no maior de Portugal.
Sim, o maior, não só porque ainda hoje detém, largamente, o maior número de títulos
de campeão nacional, mas porque de igual modo foi berço de alguns dos maiores
jogadores da história da modalidade no nosso país. Ao todo são 33 os títulos
conquistados no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão (1954/55, 1956/57, 1957/58,
1959/60, 1960/61, 1962/63, 1964/65, 1965/66, 1966/67, 1969/70, 1970/71,
1971/72, 1972/73, 1973/74, 1974/75, 1976/77, 1977/78, 1979/80, 1980/81,
1981/82, 1982/83, 1983/84, 1984/85, 1985/86, 1987/88, 1988/89, 1989/90,
1998/99, 2000/01, 2001/02, 2002/03, 2003/04 e 2006/07), 10 Taças de Portugal
(1982/83, 1983/84, 1984/85, 1985/86, 1987/88, 1990/91, 2001/02, 2003/04,
2006/07 e 2007/08), 4 Supertaças de Portugal (1998/99, 2000/01, 2002/03 e
2003/04), uma Taça Luso Galaica, entre muitas dezenas de títulos nacionais ao
nível da formação.
Alberto José
Guimarães, o impulsionador do hóquei ramaldense

No
longínquo ano de 1932 estaria longe de imaginar a então jovem coletividade de
Ramalde que seria o hóquei em campo a eternizar o seu nome na história do nosso
desporto. Na então freguesia rural de Ramalde era comum a paixão pelo futebol
jogado com bolas de trapo ser dividida pelo hóquei praticado com troços de
couve e bolas improvisadas jogado em terrenos baldios. Um nome sobressaiu neste
início de viagem rumo à glória, por assim dizer, no seio da modalidade. Alberto
José Guimarães. Praticante desde o primeiro dia da modalidade no clube, ele
viria a ser a partir de 1935 o principal dinamizador do hóquei em campo do
Ramaldense, sendo a partir daqui e ao longo das décadas seguintes o chefe de
secção. E mais do que isto, ele foi digamos que o guardião da mística que a
coletividade construiu a partir dali e que permitiu fazer com que o Ramaldense
seja ainda hoje o maior emblema da história do hóquei em campo luso. Alberto
José Guimarães foi o impulsionador de uma paixão que contagiou centenas de
atletas, treinadores e dirigentes ao longo de décadas a fio e sob o signo do
amadorismo, em que muitas vezes pagavam do próprio bolso para jogar, para viajar
de modo a defender o clube fora da sua região.
Mas,
a paixão pelo clube, pelo hóquei, superavam tudo, e muitas vezes o Ramaldense
lá improvisava alguma fonte de receita para custear despesas, um sorteio de
qualquer coisa, por exemplo.
A
mística foi passando de geração em geração, foi sendo traduzida em êxitos
desportivos, formando novos atletas numa freguesia que foi respirando hóquei
por todos os seus cantos, com quase todos os meninos a improvisarem renhidos
jogos com os tais troços de couve. Nomes como Arlindo Silva, João Batista,
Jorge Pinho, Litos, Armando, Coelho, Nelo, Agostinho, Rui Resende, Berto
Pereira, Vítor Moutinho, Terrinha, entre tantos, mas tantos outros que ajudaram
a escrever esta história de glória.
Mas
para falar desta história, ou de um bocadinho desta história, nada melhor do
que ouvir alguém que não só a viveu de perto, mas como também ajudou a
escrevê-la.
E
esse alguém é tão somente uma das maiores glórias não só do clube como do
próprio hóquei em campo português, de seu nome Jorge Pinto.
Num
breve registo biográfico, dizer que esta lenda da modalidade no nosso iniciou-se
no hóquei em campo aos 15 anos de idade, estando a ele ligado como jogador ate
aos 43 anos, sempre defendendo as cores do histórico Ramaldense. Foi 10 vezes
internacional sub-21 pela seleção nacional, tendo participado num Campeonato da
Europa neste escalão. Pelo combinado nacional de seniores vestiu a camisola em
oito ocasiões, tendo disputado um Campeonato da Europa.
Ao
serviço do Ramaldense conquistou inúmeros títulos nacionais, a saber 3 Campeonatos
Nacionais de Juniores, 14 Campeonatos Nacionais de Seniores, 7 Taças de
Portugal, 2 Supertaças, uma Taça Luso Galaica, uma Taça Luso e um Torneio
Internacional disputado em Londres. Contas feitas, este ícone venceu quase
metade dos campeonatos nacionais a nível sénior que o histórico clube detém no
seu palmarés (33), para ser mais exatos), venceu 7 das 10 Taças de Portugal que
os tricolores arrecadaram ao longo da sua história, venceu 2 das 4 supertaças
que a coletividade detém nas suas vitrinas, e marcou presença nos dois títulos
internacionais que este emblema venceu.
Jorge
Pinho, atualmente com 65 anos, é pois um histórico do clube, um guardião da
história deste centenário e popular emblema e foi com ele que estivemos à
conversa neste dia tão especial para o Ramaldense.
ENTREVISTA
 |
Jorge Pinho com as cores do Ramaldense e da seleção nacional |
Jorge Pinho: lenda do hóquei em campo do
Ramaldense recorda alguns
episódios de uma história que ajudou a escrever
Museu Virtual do
Desporto Português (MVDP): O Jorge Pinto foi um dos muitos ícones da história
do hóquei em campo do Ramaldense, e nesse sentido como explica o facto da
freguesia de Ramalde ter uma ligação e uma paixão tão forte com a modalidade, e
ao mesmo tempo um viveiro de tantos campeões?
Jorge
Pinho (JP): A freguesia tem uma forte paixão pela modalidade, porque viu no
Ramaldense um expoente máximo no desporto da terra e na divulgação da própria
freguesia, tanto a nível nacional como internacional. E com os resultados a
aparecerem, como os títulos de campeões nacionais, os jovens começaram a gostar
da modalidade e vinham para o clube no sentido de a praticar, embora na altura só
havia competição a nível de juniores e seniores.
MVDP: No seu
caso concreto, quando e como despertou o interesse pelo hóquei em campo?
JP:
No meu caso o interesse pela modalidade deu-se por mero acaso, ou seja, eu
praticava futebol no escalão de juvenis, também no Ramaldense, e certo dia, um
sábado, estava a ver um treino dos juniores do hóquei e faltava um elemento
para formar duas equipas. Então o treinador, que era meu vizinho, e jogador dos
seniores ma equipa de hóquei, pediu-me para fazer uma "perninha" com
o intuito de para perfazer os 11 elementos. No final do treino disse que eu
tinha muito jeito para aquilo e perguntou-me se queria jogar. Como eu na altura
estava a jogar futebol disse-lhe que não. Passado um mês acabou campeonato de
futebol e o senhor Arlindo Silva, que era o treinador dos juniores de hóquei,
ao passar na minha porta disse-me que já tinha acabado o campeonato de futebol,
e voltou a perguntar se eu queria ir jogar hóquei, ao que eu aceitei o convite.
Pediu-me para levar duas fotos tipo passe, e nesse mesmo dia, uma quarta-feira,
fui inscrito no Ramaldense, tendo no sábado seguinte já participado na final do
Torneio de Início de juniores, contra o FC Porto, na condição de como suplente,
tendo entrado na segunda parte desse
jogo. Desde aí fui sempre titular da equipa na posição de defesa
direito. E foi assim que o meu interesse pela modalidade.
MVDP: Quem eram
os grandes ídolos da altura em que o Jorge Pinho ficou ligado à modalidade do
Ramaldense, ou seja, quem eram os grandes jogadores do clube que admirava
enquanto jovem e sonhava seguir as pisadas?
JP:
A equipa sénior estava recheada de muitos bons jogadores, mas tinha alguns que
admirava, como era o caso do senhor Arlindo Silva, do senhor João, do senhor
António Pereira, do Coelho, do Nelo,
sendo que mais tarde fui colega de equipa destes dois últimos jogadores no
escalão de seniores.
MVDP: Sempre que
o Ramaldense atuava em casa, o campo estava cheio. Como se explica esta paixão
de Ramalde pelo clube e pelo hóquei?
JP:
Eram pessoas que nos acompanhavam para todo o lado, inclusive para Lisboa,
sempre que íamos participar no Campeonato Nacional. Faziam-se excursões com
várias camionetas e a paixão tornou-se grande, derivado aos êxitos da equipa,
que além de ter bons praticantes tinha atletas muito unidos e com muita raça, e
que foram criando laços de amizade ao longo do tempo com a massa associativa. E
daí, na minha opinião, a razão desta paixão pelo hóquei em campo em Ramalde.
MVDP: Qual foi o
segredo do clube para o facto de ter obtido tanto sucesso nesta modalidade em
particular?
JP:
Principalmente o espírito de sacrifício, enquanto as outras equipas pouco
treinavam, nós, Ramaldense, era-mos a equipa que mais treinava. Depois, a união,
pois todos os jogadores eram de Ramalde. A amizade, o facto de sermos "um
por todos, e todos por um", e acima de tudo a raça que todos tínhamos
ajuda a explicar esse segredo do sucesso.
MVDP: Há então
de certa forma uma mística associada a este sucesso que passou de década em
década?
JP:
Essa mística passava de geração em geração, e em alguns casos de pais para
filhos, que já desde pequeninos acompanhavam os pais para os treinos e para os jogos.
E daí ficavam a amar a modalidade e o clube.
MVDP: Sendo o Jorge Pinho um profundo conhecedor
da história do clube, no que ao hóquei
diz respeito, pensa que há alguma geração do Ramaldense que possa ter sido
considerada a maior de sempre? Isto tendo em conta que o Ramaldense conquistou
títulos nacionais em décadas distintas, desde 50, 60, 70 e 80, décadas em que o
clube teve uma hegemonia a nível nacional.
JP:
Sim, a geração das épocas de 70 e 80, onde me englobo, em que a equipa sénior
era constituída por jogadores muito jovens que subiram da equipa júnior ao longo
dos anos, o que permitiu termos uma equipa constituída sempre pelos mesmos
jogadores.
MVDP: Com cerca
de 90 anos de atividade, ou seja desde 1932, a secção de hóquei do clube
produziu dezenas de craques. Algum destes na sua opinião, pode ser considerado
o melhor jogador português de sempre? Ou os melhores da história?
JP:
O Ramaldense para mim sempre teve muitos bons jogadores. No entanto, saliento
um, do qual fui colega desde os juniores até ao fim da minha carreira, que era o
João Batista, um jogador veloz, com uma técnica extraordinária, fora do normal,
e um jogador com muito conhecimento de hóquei em campo.
MVDP: O nome de
Alberto José Guimarães está para sempre ligado ao hóquei do Ramaldense. Ele foi
o primeiro e grande impulsionador da modalidade dentro do clube. Chegou a
conhecê-lo?
JP:
Sim, cheguei a conhecer e a conviver com esse grande senhor, o Alberto
Guimarães, tanto na vida desportiva, como na vida social. Era uma pessoa extraordinária,
amigo do seu amigo, que nada deixava faltar ao hóquei do clube, dentro das suas
possibilidades. Mas era também uma pessoa muito correta e exigente no termo
disciplinar com os jogadores. Se o pudesse definir numa só palavra diria que
era: Extraordinário.
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Jorge Pinho, uma lenda do Ramaldense |
MVDP: Ao longo
da sua história o hóquei em campo do Ramaldense viveu inúmeros momentos
inesquecíveis. O Jorge Pinho esteve em muitos deles. Nesse sentido pergunto-lhe
quais os momentos mais marcantes da vida do clube no âmbito desta modalidade?
JP:
Tive de facto vários momentos marcantes, tanto pela positiva, como pela
negativa. Pela
negativa recordo um célebre jogo no campo de treinos do Estádio da Luz, com o Benfica,
onde tememos pela nossa vida. Foi após o 25 de Abril, numa altura em que se
criou uma guerra norte-sul em termos futebolísticos. Sempre que o FC Porto ia
ao sul as camionetas dos portistas eram apedrejadas, e quando o Benfica vinha
ao Porto era o contrário, as camionetas dos adeptos benfiquistas eram
apedrejadas. Nós, num desses jogos em que fomos a casa do Benfica, na semana
anterior as camionetas dos adeptos benfiquistas tinham sido apedrejadas no
Porto. Ora, como éramos do Porto cidade a vingança foi sobre a nossa equipa. Lembro-me
que ainda a caminho dos balneários fomos autenticamente bombardeados com pedras,
e quem nos valeu na altura foi o grande Humberto Coelho, que ainda jogava
futebol, e que estava a almoçar no restaurante do Benfica. Então, ele viu os jogadores
do clube que o viu nascer para o futebol serem apedrejados, e de pronto abriu
as portas do restaurante para que nos pudéssemos refugiar no interior do mesmo.
Nessa altura o presidente do Benfica era o senhor Fernando Martins, que depois nos
pediu imensa desculpa pelos atos dos seus adeptos. Pela
positiva lembro-me de um celebre campeonato nacional em que as equipas de
Lisboa se recusaram a participar devido a divergências com a Federação Portuguesa
de Hóquei e o campeonato foi disputado com duas equipas: o FC Porto e o
Ramaldense, a duas mãos. Na primeira mão, no Campo da Constituição, ficou 0-0.
Na segunda mão, qualquer equipa teria que vencer para ser campeão nacional. Ao
intervalo perdíamos por 1-0. O meu saudoso pai, que também era um adepto
ferrenho do clube e da modalidade, foi ao balneário e disse-nos a todos: "Malta,
se vocês derem a volta ao resultado e ganharem o jogo ofereço um almoço e um
lanche em Vale de Cambra para todos os atletas e dirigentes". Então um dos
nossos colegas de campo diz-lhe: "Marque já o dia que vamos dar a vota já
a isto". Passados 10 minutos já ganhávamos por 2-1, tendo-nos tornados
mais uma vez campeões nacionais e o dito almoço e lanche foi realizado. Marcou-me
bastante pela positiva esta nossa atitude e raça para dar a volta ao resultado.
MVDP: E qual foi
seu momento mais marcante vivido com a camisola do Ramaldense?
JP:
Outro dos momentos mais marcantes, foi em pleno jogo com o GD Viso, para a Taça
de Portugal, o falecimento do nosso chefe de secção, o senhor Camilo Batista,
pois era um sofredor pelo seu Ramaldense, e um leixonense de gema. Ele tinha problemas
cardíacos, e estávamos sempre a dizer-lhe para ter calma porque um dia ainda
morria no nosso meio. Ele dizia sempre que se assim fosse morria no meio de
quem gostava. Quis o destino que isso sucedesse mesmo. No meio do seu Ramaldense
e no campo do seu Leixões. Outro momento também inesquecível vivido com a
camisola do Ramaldense foi um 3º. lugar conquistado na Taça dos Campeões
Europeus, em Belfast, na Irlanda do Norte
MVDP: O poderio
do hóquei em campo nacional sempre esteve no norte, e no Porto em particular.
Como explica esta tendência?
JP:
No norte sempre existiu maior poderio porque havia maior gosto pela modalidade
e empenho pela mesma. Havia muito mais praticantes e muitas mais equipas, em
relação ao sul, onde na altura havia uma equipa também com muito empenho pela
modalidade, que era o Futebol Benfica.
MVDP: Ainda por
falar do hóquei jogado a norte, o FC Porto sempre foi o vosso maior rival Havia
um gosto especial vencer o vizinho da Cidade Invicta, quer fosse num jogo ou
simplesmente ter "roubado" um campeonato?
JP:
Sim, havia sempre uma grande rivalidade entre as duas equipas, porque
geralmente eram duas as melhores, e o FC Porto vinha sempre buscar jogadores ao
Ramaldense. Portanto, havia sempre aquela rivalidade de jogar colega contra
colega, mas neste caso com camisolas diferentes.
MVDP: Há algum dérbi portuense que ainda se recorda
por algum momento mais especial ou que lhe tivesse ficado gravado na memória?
JP:
Sim, recordo um GD Viso-Ramaldense, disputado em Vila Nova da Telha, em que em numa
disputa de uma bola com um adversário, devido ao poderio físico dele, em
relação a mim, mas sem maldade alguma, num ombro a ombro na disputa de uma bola
cai e bati com a cabeça. Continuei a jogar e no fim do jogo fui parar ao hospital
porque não me lembrava de nada. Nesse jogo vencemos por 1-0, mas felizmente
nada de grave aconteceu.
MVDP: Enquanto
crónico campeão nacional o Ramaldense participou algumas vezes na Taça dos
Campeões Europeus da modalidade. O que guarda dessa competição com alguns dos
melhores clubes da Europa no âmbito desta modalidade? Deu para aprender, para
perceber que o nosso hóquei estava a "anos luz" do que praticava lá
fora, ou pelo contrário...
JP:
Por diversas vezes fomos participar nas
provas europeias. Claro que sempre que nos deslocávamos a essas competições à
partida já íamos inferiorizados, pois o nosso hóquei era disputado em campos de
terra, enquanto todos os nossos adversários jogavam em relvados propícios para
a modalidade. Aprendemos muito ao jogarmos com adversários com estatuto
superior ao nosso, mas ao longo dos anos já nos acostumávamos aos relvados e
conseguimos até o tal 3.º lugar na Europa. Além disso, acho que foi uma mais
valia para a modalidade em si.
MVDP: Olhando
hoje para trás, do que tem mais saudades neste seu percurso pelo Ramaldense?
JP:
A pratica da modalidade, a amizade, e o convívio entre todos nós, pois na nossa
vida social estávamos quase sempre todos juntos. Éramos uma família tricolor.
MVDP: Há alguma figura dentro do clube que o tenha
marcado para a vida de certa forma?
JP:
Sim, e muito, um senhor com S grande, de nome Arlindo Silva, que além de ser a
pessoa que me impulsionou para a modalidade, era um exemplo e um autêntico
Mestre, tanto na formação desportiva, como na formação de homens.
MVDP: O Jorge
Pinho foi igualmente internacional por Portugal. Foi o seu ponto alto da
carreira, ou teve outros com a camisola do Ramaldense?
JP:
Sim, pelo clube tive imensos pontos altos que nunca irei esquecer. Desde os
vários campeonatos nacionais conquistados, tanto de juniores como nos seniores,
passando pelas conquistas de Taças de Portugal, das Supertaças, dos torneios internacionais.
Mas o ponto mais alto da carreira de qualquer desportista não deixa de ser a
seleção nacional, e eu não fujo a regra.
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Jorge Pinho com as cores de Portugal |
MVDP: Tem alguma
história inesquecível com a camisola de Portugal?
JP:
Com a camisola da seleção ficou-me gravado na memória o apuramento para a fase
final do Campeonato da Europa de Sub-21, em Itália, mais propriamente em Turim.
Eliminámos a Itália, por 2-1, sendo que estive envolvido nos dois golos da
nossa seleção. Eliminámos ainda a França e depois de empatarmos a zero fomos
apurados para a fase final, em Inglaterra. Também me ficou na memória a derrota
de Portugal, em seniores, para o Campeonato da Europa, por 12-1, com a seleção
da Bélgica, onde o jogo foi realizado a noite, e onde nunca tínhamos jogado, e
em que foi um descalabro.
MVDP: Como é que
vê o hóquei em campo de hoje comprado com o hóquei em campo do seu tempo?
JP:
Hoje o hóquei em campo, é mais tecnicista, mais veloz derivado a todos jogarem
em campos sintéticos. Mas na minha opinião acho que perdeu toda a beleza em si,
ao serem modificadas muitas das regras existentes anteriormente. Há também
muitas deslocações para disputar os diversos campeonatos, o que torna muito
dispendiosa a modalidade, já que não há quase ajudas nenhumas das entidades,
excetuando alguns casos. Clubes como o nosso não tinham ajudas, e daí a haver
muito menos praticantes da modalidade a nível nacional. Resumindo, antigamente havia
muitos praticantes, mas não havia condições para a pratica da modalidade, sendo
que agora há condições (relvados sintéticos), mas não há é praticantes, e estas
são as grandes diferenças entre o passado e o presente.
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Uma das muitas equipas do Ramaldense campeãs nacionais com a ajuda de Jorge Pinho |
MVDP: Para
terminar, como vê hoje o hóquei em campo em Portugal e a modalidade no seio do
Ramaldense e o que falta ao clube para voltar a ser a potência que foi no
passado?
JP:
Para tristeza minha o Ramaldense hoje não tem hóquei em campo, teve de
suspender a modalidade. Como sabem somos um clube de bairro, mas histórico e
fazemos hoje (5 de abril) 100 ANOS DE EXIXTÊNCIA. Vivemos da carolice das
pessoas, embora com alguma ajuda da Junta de Freguesia de Ramalde. Não temos
campo próprio, foi nos tirado. Antes jogávamos (hóquei) no sintético do Viso,
mas derivado as (elevadas) verbas não podemos competir, já que eram os
jogadores a suportar quase as despesas todas. Queríamos voltar a ser a maior
potencia no hóquei em campo, se voltarmos a reativar o secção com a formação.