A equipa portuguesa com o pai do futebol português, Guilherme Pinto Basto, a figurar na fila de cima |
Em
viagens passadas a bordo da Máquina do Tempo fomos ao encontro daquela que é
tida como a primeira aparição oficial do futebol em Portugal. Um histórico
momento ocorrido em 1888, em Cascais (nos terrenos da Parada), protagonizado
por um grupo de veraneantes proveniente da mais fina flor da alta sociedade
portuguesa daquela época, onde na qual se destacava Guilherme Pinto Basto, o
grande responsável pela introdução do futebol em terras lusitanas. Sobre os
acontecimentos desse célebre final de tarde de um – qualquer – domingo de
outubro já aqui foram traçadas umas linhas aquando da visita feita ao ilustre
pai do futebol português, Guilherme Pinto Basto, eternizado no Museu Virtual do
Desporto Português.
Não
será demais recordar que segundo o próprio Pinto Basto – anos mais tarde –
aquele primeiro contacto com a bola – trazida de Inglaterra pelos seus irmãos
Eduardo e Frederico – não passou senão de um “ensaio” onde 28 fidalgos travaram
conhecimento com o jogo que apaixonou os irmãos Pinto Basto aquando da passagem
destes por terras inglesas. Foi digamos que uma espécie de aula ministrada
pelos Pinto Basto ao seu ilustre leque de amigos sobre aquilo que viria tempos
mais tarde a tornar-se no ópio do povo.
E não
demorou muito para que o recém-nascido futebol – em Portugal – começasse a
gatinhar. Poucos meses após o “ensaio” de Cascais realizou-se aquele que é
considerado o primeiro grande duelo da modalidade no nosso país, o primeiro
jogo a sério, o oposto do cenário descontraído e familiar edificado por aqueles
28 aristocratas nos terrenos da Parada. Recorrendo a alguns desses 28 elitistas
Guilherme Pinto Basto montou uma equipa – não se sabe se com muito ou pouco
jeito para encenar o “pontapé na bola”, o primeiro nome dado pelos populares
lusitanos à modalidade – que ousou enfrentar os mestres do “football” moderno,
vulgo os ingleses. Súbitos de “Sua Majestade” que constituíram um “team”
formado por empregados do Cabo Submarino e da Casa Graham.
Lisboa
e os terrenos do seu Campo Pequeno – na altura ainda sem toiros – presenciaram
na tarde de 22 de janeiro de 1889 a batalha entre os fidalgos portugueses e os
operários ingleses, tendo ao local ocorrido um vasto número de personagens
possuídas por ávida curiosidade em presenciar o ato bárbaro de pontapear uma
bola protagonizado por 22 homens.
Eternizados
ficaram pois os seus nomes, sendo que pelos portugueses se apresentaram em
campo: Guilherme Pinto Basto (sabe-se na qualidade de guarda redes), João
Saldanha Pinto Basto, João Bregaro, Eduardo Romero, Eduardo Pinto Basto, Afonso
Vilar, D. Simão de Sousa Coutinho (Borba), Duarte Pinto Basto, Frederico Pinto
Basto, Fernando Pinto Basto, Augusto Moller e Henrique Vilar. 12 nomes do lado
lusitano, presumindo-se que um deles tivesse sido suplente. Pela armada
britânica entraram em campo: J. Frazer, J. Mason, C. Anderson. Wray. R. W.
Watson, Rawstron, Govan, Briggs, F. Palmer, C. Cox e um outro jogador não
identificado.
O combinado inglês |
Pormenor
curioso foram os equipamentos. Caricatos, na verdade! Trajes para todos os
gostos e feitios. Houve quem levasse fatos de banhos às riscas (!) outros com
endumentária de presidiários calçando sapatos no lugar de botas, e quase todos
eles ostentando um peculiar barrete a fazer lembrar um vendedor de gelados
deambulando pelas praias!
Táticas
de jogo não parece que tenham existido, até porque o único objetivo era
pontapear a bola para a frente na tentativa de a introduzir no “goal”
adversário. Na plateia senhoras da alta sociedade com vestes de gala olhavam
com chocada admiração as correrias bárbaras dos “gentelmens” lusitanos e dos
trabalhadores britânicos. Pormenores mais detalhados da contenda são
desconhecidos, apenas se sabe que os corajosos portugueses venceram, embora não
se sabe por quantos nem quem foram os autores dos “goals”.
Desse
histórico momento daquela tarde ventosa há no entanto uma relíquia ainda hoje
guardada. Uma deliciosa e – muito – peculiar crónica publicada no “Jornal do
Comércio” de 23 de janeiro de 1889. De autor desconhecido este é tido como o
primeiro texto escrito em Portugal retratando os acontecimentos de um “match de
football”, o qual foi ilustrado por uma não menos peculiar ilustração que
também aqui hoje recordamos. Sem mais demoras aqui fica o “retrato escrito”
daquele momento cujo título é senão mais do que uma curiosa combinação de
palavras das emoções ali vividas:
«O “Match” no Campo Pequeno – A mulher peluda
no Jardim Zoológico
Uma
quantidade enorme de pessoas foi hoje ao Campo Pequeno assistir ao desafio,
entre ingleses e portugueses, de futebol. Grande número de carruagens com
elegantes senhoras, entre as quais se destacavam mademoiselle Ida Blanc,
governando galhardamente, ao lado de sua mãe, uma soberba parelha de cavalos
pretos. O resultado do jogo foi muito lisongeiro para os nossos compatriotas
que conseguiram ganhar. Não faltaram os trambolhões e os rebolões do próprio
jogo, mostrando todos os fortes mancebos, que nele tomaram parte, quão exímios
são no “manejo” do pontapé, como disse uma elegante que, por casualidade, ficou
ao pé de nós. Quase toda a gente, findo o futebol, foi passear ao Jardim
Zoológico, onde se exibia a persa Mirra, a mulher peluda».
A pituresca ilustração que acompanhou a peculiar crónica do "macth" |
Uma
crónica pituresca de um acontecimento que nas décadas seguintes do novo século
que se aproximava haveria de se tornar num ritual comum das tardes domingueiras
para as gentes da brava nação lusitana.
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