A equipa do Oriental que em 1946 entrou na história do futebol português |
Saber
onde foi o ponto de partida “disto ou daquilo” é por vezes uma missão espinhosa
para um historiador, seja ele de que área for. E no futebol essa incerteza que
convive com os investigadores do esférico sobre um determinado facto é em
muitas ocasiões uma realidade, ou não estivéssemos nós perante um fenómeno
global em que nem sempre é fácil ter certezas absolutas se determinado facto
aconteceu pela primeira vez “aqui ou ali”. É o caso da numeração nas camisolas,
que ainda hoje suscita algumas dúvidas entre os historiadores sobre o local ou a(s)
equipa(s) que pela primeira vez na história usou dorsais nas costas dos seus
mantos sagrados – vulgo camisolas. Há quem aponte o ano de 1911 como aquele em
que pela primeira vez jogadores de duas equipas surgiram no retângulo de jogo
com as “costas” numeradas. Facto ocorrido, segundo reza a história, na
Austrália, num jogo disputado em Sydney, entre os conjuntos do Sydney Leichardt
e do HMS Powerfull.
Uma
moda que terá pegado de estaca em terras de cangurus, já que no ano seguinte
todas as equipas do país foram obrigadas a usar numeração nos torneios oficiais
em que competiam.
Outros
historiadores defendem que os números estampados nas costas das camisolas
surgiram pela primeira vez nos Estados Unidos da América, nos anos 20, num jogo
entre o Fall River Marksmen e o Saint Louis Vesper Buick. Certezas, certezas de
onde foi a "primeira vez" não existem, sabendo-se apenas que a moda
rapidamente pegou, e em finais dos anos 20 do século passado chegou (com toda a
certeza) à Europa, mais concretamente à pátria do futebol moderno, Inglaterra,
onde o Arsenal então orientado pelo lendário Herbert Chapman surgiu em campo
para defrontar o Sheffield Wednesday a 25 de agosto de 1928 com as suas
camisolas numeradas. Segundo a História, e no mesmo dia, o Chelsea defrontou o
Swansea Town com as suas camisolas... numeradas! A única diferença entre os
rivais londrinos residiu no facto de que o guarda-redes dos blues não usava
número na sua camisola, contrariamente aos seus colegas de campo - cuja
numeração ia do 2 ao 11. Já os gunners apresentavam a sua equipa numerada de 1
a 11.
E em
Portugal, quando é que a moda pegou? Quando é que uma equipa se apresentou com
camisolas numeradas num jogo? Bom, é aqui que entronca a nossa história de
hoje, o momento em que os números nas costas dos jogadores bailaram pela
primeira vez num relvado lusitano.
Facto
histórico que coincide com outro momento histórico para um não menos histórico
- e perdoem-nos os nossos visitantes por usarmos e abusarmos desta palavra -
clube lusitano, neste caso o Clube Oriental de Lisboa. Bem, sobre a história do
Oriental não nos vamos alongar muito, até porque ela é rica e extensa, e não
caberia neste artigo, vamos sim centrar-nos no primeiro passo futebolístico que
este emblema deu e que entrou na história do futebol em Portugal.
Relembrar
apenas que o Oriental nasceu da fusão de três pequenos clubes da zona oriental
de Lisboa, no caso o Clube Desportivo "Os Fósforos", o Marvilense
Futebol Clube e o Chelas Futebol Clube. Uma união que visava um sonho: dotar a
freguesia de Marvila de um grande clube. E assim nasceu a 8 de agosto de 1946 o
Clube Oriental de Lisboa. O futebol foi desde o primeiro dia a modalidade
rainha de um emblema que alcançou inúmeros momentos de glória - desde logo as
presenças no palco principal do futebol luso, a 1ª Divisão, onde esteve por
sete ocasiões. E foi precisamente ao serviço do desporto rei que o Oriental
entrou para a História do futebol português no dia 15 de setembro de 1946. Uma
jornada cheia de significado para o então recém nascido Oriental, que nessa
tarde disputava diante do gigante Belenenses aquele que era o primeiro match da
sua curta existência. Uma partida desenrolada no mítico Estádio das Salésias a
contar para a ronda inaugural do Campeonato Regional de Lisboa da temporada de
1946/47. Rezam as crónicas que o recém criado Oriental vendeu muito cara a
derrota (1-2) diante do emblema que nessa temporada haveria de conquistar o
maior feito da sua história: o título de campeão nacional da 1ª Divisão.
Mas
nesse longínquo encontro do Regional lisboeta um pormenor histórico ressalta
hoje, passados poucos mais de 70 anos, à nossa memória, isto é, o facto de pela
primeira vez uma equipa de futebol ter usado números nas suas camisolas. E esse
registo pertence ao Oriental, que mal gatinhava ainda e já se apresentava
inovador. Aliás, na antecâmara deste encontro um dirigente do clube de Marvila,
no caso Rui de Seixas, levantava um pouco do véu junto da imprensa da época ao
dizer que o seu clube iria surgir nas Salésias com uma pequena surpresa,
fazendo um apelo ao público para comparecer ao encontro pois iriam presenciar
algo de inédito nos retângulos da bola lusitanos. O mistério lançado pelo
dirigente orientalista foi então dissipado na tarde de 15 de setembro, quando
os jogadores de Marvila surgiram no relvado com as camisolas numeradas de 1 a
11. E assim se fazia história no futebol português. A imprensa da época fez eco
desta "primeira vez" que os números bailaram nas costas das camisolas
de uma equipa em Portugal, tendo o mestre Cândido de Oliveira, por exemplo,
escrito que «a decisão do Oriental de numerar os jogadores merece relevo e é
digna de ser seguida por todos os clubes». Seria contudo só a partir da época
de 1947/48 que a Federação Portuguesa de Futebol iria tornar obrigatório o uso
de números nas camisolas.
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