Foi sob
o signo do puro amadorismo e – de algum – desconhecimento global do jogo que a
Seleção Nacional fez o seu batismo na alta roda do futebol internacional. Uma
efeméride ocorrida há mais de 90 anos (!) no longínquo 18 de dezembro de 1921.
Nesse histórico dia um grupo de notáveis atletas e timoneiros na implantação do
belo jogo no nosso país defendeu pela primeira vez o “emblema” das quinas num
“match” internacional, tendo como madrinha desse batismo a vizinha e poderosa
Espanha.
Madrid
e o estádio do Atlethic de Madrid – assim se chama o atual Atlético madrileno
por ter sido fundado por bascos – testemunharam esse momento histórico do
futebol luso. E tal como em outros tantos episódios da vida da nossa seleção
também aquele Espanha – Portugal seria envolvido em polémica e quezílias desde
o primeiro instante. A marcar a gigante onda de descontentamento a “política”
da convocatória. Um dos maiores ases do pontapé da bola da altura, o belenense
Artur José Pereira, recusou representar a nossa equipa pelo facto do seu irmão
Francisco Pereira e o seu companheiro de equipa Alberto Rio não terem sido
chamados.
Mas a
polémica maior deu-se entre as cidades do Porto e de Lisboa. A começar pela
recolha de fundos que a União Portuguesa de Futebol (organismo antecessor da atual
Federação Portuguesa de Futebol) quis implementar com a disputa de um “match”
entre as seleções das duas maiores cidades do país com o intuito de custear a
viagem do combinado nacional a Madrid. A Associação de Futebol do Porto recusou
desde logo esse jogo de angariação de fundos pois sabia de antemão que a Seleção
Nacional iria ser composta por jogadores de Lisboa! E não andaria muito longe
da verdade…
Portuenses
que foram mais longe ao ameaçar o organismo máximo do futebol português que não
permitiriam que nenhum jogador seu filiado participasse nesta estreia
internacional de Portugal. Houve contudo um jogador que não acatou a ordem da
entidade portuense, tendo viajado para a capital do país à revelia dos
dirigentes nortenhos para se juntar à seleção nacional… que para os portuenses
não era mais do que uma seleção de Lisboa! Artur Augusto era o nome do
“desertor”, um homem que apesar de defender as cores do FC Porto era natural de
Lisboa (!)
Ainda
atiçados pela “guerra Norte-Sul” que se instalara em torno da estreia
portuguesa além fronteiras os jornais do Porto lançavam provocações e lamentos
sobre os seus “amigos” do sul. A revista Sporting, por exemplo, escrevia: «É
para lamentar e até encher-se de pesar a alma de todos aqueles que amam o
desporto e a sua terra, torrão abençoado e digno de melhor sorte, levado pela
ambição, pela vaidade de meia dúzia de criaturas onde morreu o sentimento da
mais elementar dignidade, a fazer-se representar em terras estranhas, fora do
solo que amamos, por elementos cujos nomes foram escolhidos por simpatia,
demonstrando à evidência um desconhecimento profundo de patriotismo, ligado ao
maior desprezo pela causa pela qual tanto trabalhos…»
Quezílias
à parte Portugal lá partiu para Madrid com um grupo de homens a quem muito o
futebol nacional deve o ser. Nomes míticos como Ribeiro dos Reis, Jorge Vieira,
ou o grande mestre Cândido de Oliveira fizeram parte desta primeira grande
aventura. Nomes que mesmo estando possuídos de uma alegria e vontade desmedidas
em levar futebolisticamente o nome de Portugal bem longe – e haveriam de
consegui-lo com o passar dos anos – não foram capazes de impedir uma derrota na
estreia no palco internacional deste desporto que ia já enlouquecendo multidões
um pouco por todo o Mundo.
3-1 a
favor da poderosa Espanha num campo pelado, duro e muitíssimo estreito
(queixaram-se os portugueses) foi o resultado final deste batismo internacional
para as nossas cores. Curiosidade do acaso foi o facto do golo luso ter sido
apontado pelo irmão do único jogador que não pertencia a Lisboa (!)… esse
mesmo, Artur Augusto, cabendo a Alberto Augusto a honra de apontar o primeiro
golo da história da Seleção Nacional, na sequência de uma grande penalidade,
batendo o mítico guarda-redes espanhol “Don” Ricardo Zamora.
No
Porto a derrota seria recebida com ironia… «a ansiedade dos desportistas
portuenses em conhecer o resultado do desafio de Madrid foi satisfeita pelas 6
horas da tarde quando os nossos placards noticiaram que a Espanha tinha vencido
o onze de Lisboa por 3-1. O resultado bastante honroso que o telégrafo nos
anunciava era de molde a entusiasmar pessimistas e otimistas…»
Nota:
Na fotografia o histórico “onze” que defrontou a Espanha nesse eterno dia 18 de
Dezembro de 1921
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