Histórica equipa do Boavista que em 1914 vence a 1.ª edição do Campeonato do Porto |
Nascidos
no mesmo berço - a mui nobre cidade
do Porto - Futebol Clube do Porto e Boavista Futebol Clube desde os primeiros
anos de vida que ergueram entre si uma cortina de uma acérrima rivalidade
bairrista que ao longo de mais de um século de história deu aso a inúmeros
capítulos empolgantes e épicos. Rivalidade intensa que em diversas ocasiões
ultrapassou as fronteiras das quatro linhas, como aconteceu, por exemplo, em
1912, ano em que a Associação de Futebol do Porto (AFP) é fundada - no dia 10
de agosto - por influência de portistas... e leixonenses. FC Porto e Leixões
foram pois os dois emblemas responsáveis pela edificação daquela que é hoje em
dia a maior associação distrital de futebol do país - no que a número de clubes
e atletas diz respeito - deixando de lado desta empreitada histórica o outro
grande clube da região, o Boavista Football Club, que ao que parece andava de
candeias às avessas com os vizinhos azuis e brancos.
Não
tardou muito a surgir a vingança - por assim dizer - boavisteira, que menos de
dois anos após a fundação da AFP ousou contrariar as leis da supremacia
portista dentro da associação ao vencer a primeira edição do Campeonato do
Porto. Feito assegurado há precisamente 100 anos, altura em que recém fundada
AFP decide erguer o seu próprio campeonato, criando desde logo uma espécie de
braço de ferro com a primeira competição que viu a luz do dia no norte do país,
a Taça José Monteiro da Costa, prova sobre a qual o Museu Virtual do Futebol já
dedicou largas linhas num passado não muito distante, e que, recorde-se, foi
criada em memória do (re)fundador do FC Porto, precisamente José Monteiro da
Costa, sendo esta durante a sua curta existência - entre 1910 e 1916 - encarada
como o campeonato do Norte.
Talvez
por isso os portistas não terão dado grande importância ao primeiro regional do
Porto, o qual foi olhado como uma prova de segundo plano, a julgar pelo facto
de terem enviado a sua equipa de reservas para o pontapé de saída do campeonato
organizado sob a égide da AFP. Pontapé de saída que seria dado a 4 de janeiro
de 1914, no Campo do Bessa, a casa de um Boavista que na altura, ao que parece,
(já) havia feito as pazes com os vizinhos da Constituição - a catedral que o FC
Porto havia inaugurado precisamente um ano antes. E ao que parece pois os azuis
e brancos num gesto de cortesia cederam um dos seus três guarda-redes aos
vizinhos da avenida (da Boavista), neste caso Cecil Wright, que era a terceira
escolha para a baliza dos dragões, atrás de Manuel Valença e de Peter Janson.
O emblema do Boavista Football Club em 1914 |
Pois
bem, o Bessa encheu para ver as duas equipas mais representativas da cidade
darem o citado pontapé de saída no Campeonato do Porto, que para além de
boavisteiros e portistas teve igualmente como integrante o conjunto do Leixões.
Como já foi dito a cabeça dos portistas estava na reconquista da Taça José
Monteiro da Costa, perdida na temporada anterior para a Académica de Coimbra, pelo
que no Campo do Bessa evoluiu com a camisola azul e branco um misto composto
por habituais titulares e reservistas. Rezam no entanto as crónicas de então
que apesar de «actuar desfalcadíssimo (o FC Porto) dominou a contenda, mas a
falta de remate não lhe permitiu obter resultado favorável». A falta de remate
e a tarde de verdadeira inspiração de... Cecil Wright, o inglês que os
portistas cederam gentilmente aos boavisteiros, que ao que dizem fez
intervenções... impossíveis, quiçá tentando mostrar - com algum sentimento de
revolta à mistura - à casa mãe o erro que esta tinha cometido em autorizar a
sua dispensa. Com a sua baliza bem segura e com um meio campo muito bem
organizado sob a batuta de outro inglês, nesta caso Pye, o Boavista venceu o
eterno rival por 2-1, dando assim o primeiro passo de uma caminhada que haveria
de ser de glória.
Ainda
longe de envergaram o tradicional - equipamento - xadrez que os iria tornar populares não só em
território nacional como em diversas paragens além fronteiras, os boavisteiros
- que na época usavam camisola preta, calção branco, e meia preta - voltariam a
entrar em campo no Regional da AFP a 25 de janeiro, dia em que receberam o
frágil Leixões, a julgar pelo resultado de 9-0 com que os matosinhenses saíram
do Bessa. Leixões que a 9 de fevereiro vendeu cara a derrota - caseira - diante
do FC Porto por 2-3, fazendo desta forma com que o desafio alusivo à 4ª
jornada, a realizar no Campo da Constituição entre portistas e boavisteiros,
tivesse contornos de final, já que uma vitória - ou empate - dos visitantes
dava-lhes praticamente o título de campeões, ao passo que um triunfo azul e
branco relançava o interesse em redor da prova.
A turma do FC Porto que socumbiu aos pés do Boavista |
O
reduto do FC Porto encheu para presenciar o duelo do título, realizado a 1 de
março, e ao que dizem as crónicas «renhido do princípio ao fim por duas equipas
muito iguais». Os golos surgiram apenas na segunda parte, sendo o primeiro da
autoria do boavisteiro Fernandes, na sequência de um pontapé de canto. Os
portistas restabeleceram a igualdade por intermédio de Charles Allwood, não
conseguindo traduzir em mais golos as suas restantes incursões à baliza de
Cecil Wright, que mais uma vez foi a figura do jogo (!) ao defender quase tudo
o que havia para defender. O guarda-redes do FC Porto emprestado ao Boavista
segurou a preciosa igualdade a uma bola com que o jogo findou, e praticamente
selou as contas do campeonato, que a 5 de abril encerraria com a definitiva
consagração boavisteira no terreno do Leixões, traduzida em mais uma vitória -
por números no entanto desconhecidos.
Com 7
pontos somados - contra apenas 5 do FC Porto - e um impressionante registo de
22 golos apontados e apenas dois sofridos o Boavista escrevia assim a sua
primeira página de glória pela mão de imortais como Cecil Wright, A.Valente,
Camposo, H. Valente, Nunes, Pye, Alvedos, Vasconcelos, Bastos, Reid, e
Fernandes, os 11 heróis do título.
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