Rogério Pipi ergue na tribuna do Estádio Nacional a Taça Latina de 1950 |
«Em 20
anos de futebol nunca vi nada assim!», foram as palavras proferidas pelo inglês
Ted Smith logo após a esgotante e emocionante final da Taça Latina de 1950 que
opôs o Benfica - por si tecnicamente orientado - aos franceses do Bordéus, um
duelo que ficou sentenciado ao fim de... 265 minutos! Mais de 4 horas de
futebol levadas à cena no palco do Estádio Nacional, que recebeu a 2ª edição de
uma competição que a par da Taça Mitropa (competição jogada por clubes da
Europa de leste) estaria na génese da Taça dos Campeões Europeus, prova esta
que a UEFA implantaria na temporada de 1955/56. Taça Latina que nunca será
demais recordar - pelo menos para os mais distraídos - era disputada por
equipas de França, Itália, Espanha, e Portugal numa cidade a designar
antecipadamente pela organização do certame, tendo em 1950 a escolha recaído em
Lisboa, localidade que recebia as equipas do Bordéus, Atlético de Madrid, e
Lázio, as quais juntamente com o combinado da casa, o Benfica, procuravam
ocupar o torno do Barcelona, clube este que em 1949 havia sido coroado como o
primeiro campeão da Taça Latina.
E no
dia 10 de junho, feriado em Portugal, as equipas do Benfica e da Lázio de Roma
sobem ao bem tratado relvado da "sala de visitas" do futebol
lusitano, o Estádio Nacional, para dar o pontapé de saída da 2ª edição da
competição. Nesse dia, e mercê de uma magnífica exibição, os benfiquistas batem
a "squadra" transalpina por expressivos 3-0, com golos de Carmona,
Arsénio, e Rogério, todos apontados durante os primeiros 45 minutos. Vitória
indiscutível, escreveram os analistas desportivos da época, ante uma Lázio
visivelmente afetada pela ausência de alguns dos seus melhores atletas, que,
por motivo de doença, haviam ficado "fora de combate". Indiscutível
seria também o triunfo dos franceses do Bordéus ante os espanhóis do Atlético
de Madrid, por 4-2, duelo ocorrido nesse mesmo dia 10 de junho.
Ao
contrário do que hoje em dia acontece as grandes competições da altura eram
jogadas num curto espaço de tempo, pelo que a decisão da Taça Latina de 1950
foi agendada para o dia seguinte às meias-finais. Esse dia 11 de junho começava
com os madrilenos do Atlético a levarem para casa o 3º lugar depois de vencerem
uma desoladora Lázio por 2-1. E eis que finalmente Benfica e Bordéus entraram
em cena para travar a primeira metade de uma batalha que haveria de ter
contornos emocionantes. Os portugueses chegaram facilmente ao 2-0 nos instantes
iniciais da contenda, graças à pontaria certeira de Arsénio e Corona. Porém, do
outro lado da barricada estava um conjunto de fino retalhe, uma equipa de bom
recorte técnico que ainda antes do intervalo daria a volta ao marcador! Seria
então na condição de derrotado (2-3) que o Benfica voltaria ao campo para
disputar a etapa final da empolgante batalha. Pegando nas rédeas do encontro os
benfiquistas dominaram a seu bel-prazer os segundos 45 minutos, acabando por
chegar ao justo golo do empate por intermédio de Pascoal. Face a esta igualdade
as duas equipas tiveram de enfrentar um prolongamento de 30 minutos, tempo
extra onde nada de novo surgiu, pelo que a organização agendou uma finalíssima
para uma semana mais tarde.
Golo da vitória chegou aos 143 minutos da
finalíssima!
18 de
junho foi então o dia do novo confronto, tendo o Estádio Nacional registado uma
afluência de 20 000 espectadores, um numero estranho para aqueles dias, já que a
média de assistências do campeonato português não ultrapassava os 5 000
espectadores. Mas talvez "enfeitiçados" pelo espetáculo que Benfica e
Bordéus haviam proporcionado uma semana estes 20 000 entusiastas terão pensado
que as duas equipas pudessem prolongar aquela magia futebolística por mais 90
minutos... no mínimo. E não se enganariam, muito pelo contrário.
Os
lusos entraram melhor numa finalíssima que iria ficar gravada na "Grande
Enciclopédia do Futebol" como um dos jogos mais dramáticos da história,
enviando uma bola aos ferros da baliza francesa. Não marcaram os encarnados...
marcaram os azuis de Bordéus quando o relógio marcava apenas 11 minutos de
jogo. A perder os pupilos de Ted Smith partiram para cima do Bordéus com todas
as suas forças e alma, valendo ao emblema gaulês uma soberba exibição do
guardião do seu templo, o guarda-redes Astresse. O Benfica ia tentando sem
êxito chegar ao golo, e além dos franceses enfrentava agora outro rival de
peso, o relógio, que galgava a linha do tempo a um ritmo alucinante.
Perante
este cenário o público afeto ao Benfica ia perdendo a esperança de ver o seu
clube triunfar na prestigiada competição internacional... e quando muitos, com
um ar cabisbaixo, já se encaminhavam para fora da catedral do futebol lusitano,
Arsénio faz o golo do empate, provocando uma imediata explosão de alegria nos
que teimaram em ficar sentados nas bancadas de pedra do Jamor até ao apito
final. O relógio marcava 90 minutos! Um golo apontado em cima da linha de meta
que levaria as equipas para mais um prolongamento.
30
minutos onde nada se alterou, sendo que segundo os regulamentos da prova teria
de ser jogado em seguida um pequeno prolongamento de 10 minutos para se
encontrar o vencedor. Teimosamente as equipas permaneceriam empatadas nestes 10
minutos suplementares, pelo que tiveram se de jogar... mais 10 minutos! Também
durante este novo período nada de relevante ocorreu no relvado do Jamor que aos
poucos ia deixando de ser iluminado pelo sol. A noite espreitava sobre Lisboa
numa época em que o principal estádio português não tinha iluminação artificial!
E eis que no terceiro período de 10 minutos, numa altura em que os jogadores
dos dois conjuntos há muito que tinham ficado sem forças, muitos já nem se
mexiam (!), em que jogavam já quase sem luz solar, Julinho apareceu do nada
para fazer o 2-1 e acabar de vez com aquela longa maratona futebolística.
Já
tinham passado 143 minutos (!) desde que o árbitro dera início à finalíssima.
Com o apito final a festa estalou. 265 minutos - no total dos dois jogos -
haviam sido precisos para coroar o Benfica como a primeira equipa portuguesa a
vencer uma competição internacional. O público invadiu o relvado para abraçar
os jogadores que já não tinham forças para erguer os braços em sinal de
vitória. Um pouco a custo Rogério de Carvalho - também conhecido por Rogério
Pipi - subiu a longa escadaria até à tribuna do Jamor para receber a Taça
Latina de 1950. Para a história ficam os nomes dos heróis dessa primeira grande
epopeia do futebol lusitano: Bastos (guarda-redes), Jacinto, Fernandes,
Moreira, Félix, José da Costa, Corona, Arsénio, Julinho, Rogério, e Rosário.
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