JORECA
(Futebol): Durante largas dezenas de décadas os laços de sangue entre Portugal
e Brasil ajudaram a que milhares de jogadores e treinadores cruzassem o
Atlântico em busca de uma oportunidade para alcançar o sucesso no mundo do
futebol. Uma viagem cuja balança pende mais - muito mais - na ligação Brasil -
Portugal, do que o inverso, ou seja, foram mais os brasileiros que vieram
tentar a sua sorte no futebol português do que lusitanos em busca do el dorado em Terras de Vera Cruz. E se
ao longo da história os portugueses se habituaram a ver atletas de origem
brasileira envergar as cores da seleção nacional lusa - Lúcio foi o pioneiro,
nos anos 60, imitado décadas mais tarde por Deco, Pepe, ou Liedson - e
treinadores a orientar a equipa das quinas em grandes competições internacionais
- Otto Glória foi o mestre que conduziu os Magriços de Eusébio e companhia ao
3º lugar no Campeonato do Mundo de 1966, enquanto que num passado recente o sargentão Scolari foi vice campeão da
Europa em 2004, e 4º classificado no Mundial de 2006 - é mais complicado, bem
mais, imaginar um português a vestir a mítica camisola canarinha (Casemiro do
Amaral foi o único a fazê-lo) ou sequer a sentar-se no banco para orientar o escrete numa qualquer partida de
futebol. Impensável, mas não impossível. Como assim? Nesta última função (a de
treinador) a resposta está em Joreca, a alcunha de Jorge Gomes de Lima,
lisboeta de berço, nascido no longínquo 7 de janeiro de 1904, que como
principal cartão de visita tem o facto de ter sido um dos dois únicos estrangeiros
a ter o privilégio de treinar a principal seleção do Brasil!
Como já
vimos, Jorge Gomes de Lima nasceu em Lisboa no início do século passado, tendo
ainda cedo cruzado o Atlântico rumo ao país que haveria de fazer dele um dos
melhores treinadores dos anos 40. Precisamente no início da década de 40 Joreca
- a alcunha que ganhou pouco depois de assentar arraiais em solo sul-americano
- licenciou-se em Educação Física na Universidade de São Paulo, a cidade que o
acolheu e que o eternizou no planeta da bola.
Antes
mesmo de descobrir a sua vocação como condutor de equipas fez uso da sua
extrema habilidade com as palavras, ao tornar-se num apreciado jornalista
desportivo, escrevendo crónicas em vários jornais paulistas e espalhando os
seus vastos conhecimentos sobre o belo jogo nas frequências da rádio, na
qualidade de comentador.
O salto
para o terreno de jogo foi dado de forma discreta. Deu as primeiras preleções
táticas na seleção paulista de amadores, ao mesmo tempo em que descobria uma
outra faceta dentro da modalidade, a de árbitro!
Joreca
revelava-se um homem dos 7 ofícios no desporto rei, e foi ele que na qualidade
de árbitro dirigiu o jogo de estreia de um tal de... Leônidas da Silva, com a
camisola do São Paulo Futebol Clube. Efeméride ocorrida em 1942, precisamente
um antes de Joreca assumir o comando técnico do tricolor paulista.
Um
casamento que iria durar até 1947, tendo sido pautado por inúmeros momentos de
felicidade para ambos os conjugues. No primeiro jogo em que se sentou no banco
dos paulistas o portuga Joreca - que a
meio da viagem havia substituído na função o técnico uruguaio Conrado Ross -
não brincou em serviço, que o diga a Portuguesa Santista, despachada com uma
goleada de 6-1. Joreca entrava com o pé direito. Esse primeiro ano ao serviço
de São Paulo seria histórico. Até final da temporada disputou mais 12 partidas,
tendo vencido 11 e empatado apenas uma, ante o rival Palmeiras, precisamente o
derradeiro encontro do campeonato, o empate que colocaria um ponto final no
longo jejum de 12 anos em que o São Paulo esteve arredado dos títulos.
O São
Paulo era campeão estadual pela mão de um português, uma conquista marcada pela
visão revolucionária daquele homem nascido do lado de lá do imenso Atlântico
aliada ao brilho do diamante negro Leônidas da Silva, que assim festejava o seu
primeiro título com a camisola tricolor.
O
trabalho de Joreca não passou despercebido aos responsáveis da Confederação
Brasileira dos Desportos (antecessora da atual Confederação Brasileira de
Futebol) que no ano seguinte convidaram o luso a treinar nada mais nada menos
do que a seleção brasileira! A tarefa seria dividida com Flávio Costa, que
juntamente com o treinador português formou assim uma espécie de comissão
técnica para dois jogos amigáveis que o escrete disputou em maio de 1944. Ambos
tiveram como adversário o Uruguai, tendo o primeiro encontro sido realizado no
Estádio São Januário, no Rio de Janeiro, saldado por um robusto triunfo
brasileiro por 6-1. Quatro dias depois repetiu-se a dose, embora com números
mais modestos, no Pacaembu, de São Paulo, onde a seleção derrotava os vizinhos
charruas por 4-0.
A
carreira de Joreca no combinado nacional do Brasil foi curta, pois logo de
seguida Flávio Costa segurava o leme da equipa sozinho até 1950, ano em que perdeu
o título mundial para o Uruguai em pleno Maracanã!
Após
ter-se tornado no PRIMEIRO ESTRANGEIRO A TREINAR A SELEÇÃO BRASILEIRA - facto
histórico, muita atenção! - Joreca voltou ao São Paulo, onde conquistaria mais
dois títulos de campeão estadual. O primeiro em 1945, e o segundo um ano
depois, este de forma invicta (!), algo nunca mais reptido na história do
tricolor paulista. Saiu do clube em 1947, com um fabuloso registo de 166 jogos
disputados, 109 vitórias conquistadas, 31 empates averbados, e somente 26
desaires, sendo ainda hoje o terceiro treinador na história do São Paulo que
mais títulos oficiais venceu.
Joreca
deixou a casa que o catapultou para a fama, e que ele que próprio fez regressar
à fama, há que sublinhá-lo, mas não deixou o seu amado futebol.
Em
janeiro de 1949 espeta um punhal no coração dos acérrimos adeptos do tricolor
paulista ao assinar pelo eterno rival Corinthians, emblema que orientou durante
52 partidas, tendo entre outros feitos lançado para a rivalta um dos maiores
ídolos da fiel torcida corintiana, Baltazar, o cabecinha de ouro. O sucesso de
Joreca no Coringão foi muito curto, já que no final desse ano de 1949 - 5 de
dezembro para sermos mais precisos - o português mais brasileiro de sempre - no
que ao futebol diz respeito - morria vitimado por um ataque cardíaco.
Além do
desporto rei ainda fez uma perninha no boxe, subindo ao ringue em duas
ocasiões, e em ambas saiu vitorioso!
Legenda
das fotografias:
1-
Jorge Gomes de Lima, eternizado como Joreca
2-Como
árbitro da Federação Paulista de Futebol
3-A
equipa do São Paulo que venceu o campeonato estadual de 1943, onde Leônidas da
Silva (é o jogador do meio na fila de baixo) assumiu o papel de estrela
4-O São
Paulo campeão estadual de 1946, de forma invicta. Joreca é o primeiro elemento
(da direita para a esquerda) da fila de cima
5-Abraçado
pelos seus pupilos do tricolor paulista após a conquista de mais uma vitória
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