MANUEL OLIVEIRA
(Futebol): Génios há que nunca viram reconhecidas as suas obras nas (mais
diversas) áreas em que se notabilizaram. No futebol, em concreto, foram muitas
as figuras que imprimiram o seu cunho na história do jogo mas que por
"esta ou aquela razão" - inveja, ausência de mediatismo,
personalidade controversa, são algumas das razões que poderemos apontar para
justificar o facto de não figurarem no hall
of fame do futebol - passaram ao largo das (merecidas) vénias e da fama
global. É o caso do nosso mestre da tática de hoje, uma personalidade singular,
ou não tivesse reunidas em si características tão distintas como inovação,
disciplina, sabedoria, polémica, ou frontalidade. Manuel Oliveira, a sua graça,
indiscutivelmente uma dos maiores treinadores da história do futebol português,
e porque não dizê-lo a esta distância do(s) tempo(s) em desempenhou com mestria
a sua função... um dos maiores a nível internacional. Afirmação exagerada? Se
calhar não, e já vamos ver porquê?
Manuel
Oliveira Santos, nasceu a 29 de maio de 1932, na margem sul, Distrito de
Setúbal, mais precisamente em Pinhal Novo. Oriundo de uma família pobre - o pai
era ferroviário - foi de pé descalço, como tantos outros meninos da época, que
se deixou enamorar, ali, ao lado do lar, pelos encantos do belo jogo. Travou-se
de amores com o futebol enquanto arte, espetáculo, simplicidade, e não com o
futebol negócio, jogo de interesses, povoado por vilões com que muitas vezes
foi confrontado ao longo da sua ímpar carreira e contra quem sempre lutou. A
sua entrada oficial no desporto rei dá-se em 1949 pela mão de outro lendário
treinador que teve grande influência no percurso que Manuel Oliveira iria
trilhar enquanto treinador, Fernando Vaz. Este ícone do futebol luso dirigia na
altura os juniores B do Sporting, que defrontariam o Estrela, um combinado
formado por jogadores da margem sul - um verdadeiro alfobre de grandes
futebolistas ao longo da história -, onde pontificava o jovem Manuel - que até
então havia tido uma curta passagem pelos escalões de formação do Barreirense -
que nesse dia, na posição de interior/extremo direito, fez uma exibição de
gala, culminada com dois golos que derrotaram os poderosos leões, facto que
levaria Vaz a aproximar-se do jovem, lançando-lhe além dos merecidos elogios um
convite: treinar no Sporting. Manuel Oliveira estava desta forma prestes a
transpor a fronteira entre o sonho e a realidade, ele, que tinha como ídolo um
vulto que atuava na principal equipa leonina, Carlos Canário. O jovem de Pinhal
Novo convence Fernando Vaz, passa no teste, e efetua duas temporadas de grande
nível na equipa júnior do gigante de Lisboa. Como o próprio Manuel Oliveira fez
questão de confessar décadas mais tarde nas suas memórias, aqueles dois anos
foram de extrema importância para a sua formação enquanto homem do futebol.
Aprendeu imenso, não só com treinadores como também com os jogadores que
formavam aquele poderoso Sporting Clube de Portugal, onde pontificavam os 5
Violinos (Peyroteo, Albano, Vasques, Travassos, e Jesus Correia).
Conduzindo a bola, nos tempos de jogador da CUF |
Ainda
como jogador representou o Atlético, durante uma temporada. Pelo meio passou
pela seleção nacional militar, a qual representou em oito ocasiões.
Posteriormente veio a CUF, onde jogaria seis épocas, tendo neste emblema
pendurado as chuteiras em 62/63 para substituir no banco o então treinador
Anselmo Pisa. Manuel Oliveira tinha então 30 anos de idade. E é aqui que se dá
início à verdadeira história desta lenda.
O início do percurso lendário
Uma das últimas fotografias do mestre |
E quem
pensasse que este pequeno grande feito poderia ter sido obra do acaso
enganou-se redondamente na temporada seguinte, em que Manuel Oliveira conduziu
a equipa do Barreiro a um inédito e inesperado - só para quem ainda não
conhecia os métodos de trabalho e a sabedoria técnico-tática do cidadão de
Pinhal Novo - 5º lugar. Mas a escalada do sucesso do jovem treinador estava
longe de terminar. Em 64/65 a fasquia é elevada com a conquista do... 3.º
lugar! O prémio deste brilharete foi a qualificação inédita dos barreirenses
para a edição seguinte da Taça das Cidades com Feira - antecessora da Taça
UEFA. E se o futebol português começava a dar-se conta da mestria do técnico o
resto da Europa iria conhecê-la em 65/66 quando o poderoso Milan caiu no
Barreiro por 2-0, na primeira mão da segunda eliminatória da citada competição
europeia. Manuel Oliveira tinha passado definitivamente de aprendiz a mestre.
A sua
faceta de homem honesto e frontal iria, contudo, e a partir daqui, chocar de
frente com o tal lado negro do futebol, o lado dos interesses, da intriga, do
conflito e do oportunismo. Numa entrevista concedida ao jornal A Bola no
regresso da partida de Milão, onde a CUF perdeu por igual resultado ao
conseguido na primeira mão e obrigando assim os milanistas a uma partida de
desempate, o treinador, em jeito de desabafo, enumerou as várias dificuldades
que afetavam a sua equipa, desde logo a ausência de apoio - sobretudo vindo dos
diretores da empresa. Esta entrevista acabaria por custar o lugar ao treinador,
que a partir dali levaria o seu talento para outras paragens. E foram muitas ao
longo das mais de três décadas que se seguiram. Tantas que seria de certa forma
exaustivo para o leitor ter conhecimento dos contornos de cada uma delas (mas
caso o leitor pretenda fazer esse exercício, aconselhamos vivamente a leitura
das fascinantes Memórias de Manuel Oliveira, editadas em livro. De certo que
não se irá arrepender). Leixões, Barreirense, Sanjoanense, Farense, Olhanense,
Benfica de Nova Lisboa (Angola), Lusitano de Évora, Espinho, Beira-Mar (onde
foi treinador de Eusébio da Silva Ferreira), Vila Real, Portimonense, União de
Leiria, Marítimo, Vitória de Setúbal, Louletano, Seleção da Guiné Bissau, Fafe,
Varzim, Nacional da Madeira, Sintrense, Desportivo de Beja, Gondomar, Imortal e
Lusitanos de Saint-Maur (França) foram emblemas que beberam da sabedoria do
mestre. Em quase todas elas fez história. Umas vezes evitava a temida descida
de divisão, outras conduzia a nau desde os caminhos tortuosos das divisões
secundárias até bom porto, isto é, à 1ª Divisão, noutras ainda criou grupos que
combinavam arte, garra e inovação, batendo o pé a quem quer que fosse, grande
ou pequeno, tombou vezes sem conta às mãos do mestre Oliveira. A sua já
referida personalidade frontal - embora ainda hoje muitos preferem continuar a
recorda-lo como polémico e controverso - valeu-lhe inúmeros dissabores, que,
por várias ocasiões, barraram a sua continuidade ao leme dos notáveis projetos
futebolísticos que foi construindo.
Inovador no plano tático
4-4-2 |
3-5-2 |
3-4-3 |
Manuel Oliveira faleceu a 20 de junho de 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário