quarta-feira, 5 de maio de 2021

Uma, duas... três medalhas olímpicas a bordo de um barco à vela

Rebello de Andrade e Fiúza
Noutras viagens ao passado do nosso desporto já aqui evocámos dois memoráveis capítulos da história da vela nacional no maior palco desportivo do planeta: os Jogos Olímpicos. Mas como diz o ditado "não há duas sem três" e hoje vamos viajar até 1952, ano em que Helsínquia acolhe as Olimpíadas. Portugal apresentava nesta edição a maior delegação de sempre até à data, com 73 atletas participantes, sendo que pela primeira vez a comitiva lusa era integrada por atletas femininas, numa época em que a Mocidade Portuguesa defendia que as mulheres não deviam praticar “desportos prejudiciais à missão natural das mulheres”. Dália Cunha, Natália Cunha e Lurdes Amorim foram os nomes que assim entraram na história. E uma das nove modalidades em que Portugal se fez representar na capital finlandesa foi a vela, modalidade que na época vivia tempos de glamour e glória, quer a nível nacional, quer a nível internacional.

1952 foi mesmo um ano memorável para a modalidade, visto que na Baía de Cascais Portugal havia sido 4.ª classificado no Campeonato do Mundo por intermédio da dupla composta por Francisco Fiúza e Francisco Rebello de Andrade. Esta dupla, porém, haveria de conquistar louros maiores tempos depois no maior e mais importante evento desportivo planetário, os Jogos Olímpicos. Para Joaquim Fiúza, esta era a terceira presença nas Olimpíadas, tendo feito a estreia em 1936, em Berlim, sendo que na altura não fez melhor do que o 10.º lugar na classe Star, tendo então como parceiro António Herédia.

No pós-guerra, o velejador integrou a comitiva portuguesa nos Jogos de 1948, em Londres, tendo feito dupla com Júlio Leite Gourinho e ficou em 6.º também na classe Star. A glória chegaria em 1952, ao lado de Rebello de Andrade, com quem ficou no terceiro lugar da prova da classe Star, a bordo do Espadarte - o nome da embarcação utilizada. Portugal ganhava assim a medalha de bronze, a sua segunda medalha na vela, depois de os irmãos Bello (Francisco e Duarte) terem conquistado a medalha de prata nos Jogos de 48 e de os também irmãos Quina, Mário e José Manuel, terem arrecadado a prata nos Jogos de Roma, em 1960, dois feitos que já aqui evocámos no nosso Museu.

Mas voltando a 1952, Portugal fica então em 3.º na classe Star, atrás da Itália (medalha de ouro) e dos Estados Unidos da América (medalha de prata). Esta prova ficou mítica pela batalha travada por italianos e norte-americanos na luta pelo ouro, um duelo intenso, tendo os Estados Unidos vencido as sete regatas que compunham a competição, embora no somatório a Itália tenham vencido pela regularidade. Em termos de pontuação os italianos arrecadaram o ouro com 7635 pontos, seguidos dos Estados Unidos da América com 7215 pontos e de Portugal com 4903 pontos

Na hora da sua morte, em março de 2010, Francisco Fiúza foi recordado pelo presidente do Comité Olímpico de Portugal, Vicente Moura, como "um dos mais prestigiados velejadores portugueses de sempre, que todos respeitam e que nunca se afastou e nem deixou de se interessar pelas coisas do mar e da vela". Fiúza tinha um conhecimento como poucos sobre o mar. Em 1957 e 1958, concretizou um sonho de ser campeão da Europa e por nove vezes foi ainda campeão nacional. No seu dia a dia dividia-se entre a atividade vitivinícola e a vela, a sua grande paixão, tendo enquanto atleta, protagonizando participações vitoriosas nas mais variadas provas e países. Porém, a medalha de bronze conquistada em Helsínquia foi mesmo o seu momento de glória.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

José Bento Pessoa: a primeira grande estrela do desporto luso além fronteiras

Diz a história que o primeiro grande desportista português a brilhar além fronteiras fê-lo em cima de uma bicicleta. E fê-lo numa altura em que o desporto nacional era ainda uma criança, em que se começava a enraizar na cultura portuguesa.

Estávamos pois nos finais do século XIX quando um jovem oriundo da Figueira da Foz alcançou a glória internacional em cima da sua bicicleta, tornando-se assim num dos primeiros grandes ases do ciclismo planetário. José Bento Pessoa, o seu nome.

Nascido a 7 de março de 1874, na bonita cidade costeira da Figueira da Foz, como já vimos, era filho de um proprietário de uma sapataria e de uma doméstica, tendo passado a sua infância entre a Rua da Oliveira, onde residia, e a sapataria do seu progenitor. E foi precisamente para o estabelecimento de Ricardo Lourenço Pessoa - o pai - que José foi trabalhar assim que concluiu os estudos. Porém, o jovem figueirense estava longe de seguir o sonho do seu pai, que aspirava que José assumisse a batuta do negócio na loja de sapatos. Este estava mais inclinado para o desporto, ou não fosse ele um praticante nato de natação, remo, atletismo e até futebol, modalidade esta onde reza a história que foi um exímio guarda-redes. A certa altura a prática desportiva fez mossa no jovem José, que na sequência de uma queda fraturou um tornozelo. A conselho médico foi-lhe indicado então que praticasse ciclismo para curar as mazelas físicas. Mais do que a cura encontrou a sua grande vocação no desporto.

A 23 de fevereiro de 1894, em Coimbra, José Bento Pessoa realizou a sua primeira prova oficial, alinhando como júnior numa prova de 13 quilómetros onde acabou por ganhar a medalha de ouro. Tinha então 20 anos.

Um ano mais tarde ruma a Lisboa para trabalhar na loja de bicicletas de Manuel Beirão, representante da marca de bicicletas Brennabor. Na capital, José treinava de manhã e no resto do dia trabalhava na loja.

Em 1896 o jovem figueirense sofre um abalo com a morte do seu pai, decidindo deixar a loja de bicicletas em Lisboa para se tornar profissional de ciclismo, assinando contrato com a marca Raleigh, representada pela “Casa Esteves”. Filia-se então na União Velocipédica Espanhola, pois a União Velocipédica Portuguesa ainda não tinha sido criada, pelo que o ciclismo luso era então tutelado pelo organismo espanhol.

A 12 de abril de 1897, José Bento Pessoa alcança o primeiro grande título da sua carreira. Participando no primeiro campeonato de Espanha em ciclismo, em estrada, uma prova que tinha 100 quilómetros, com partida em Madrid, passagem por Ávila e regresso a Madrid, José entra para a história por ter cortado a meta em 1.º lugar e consequente por se ter tornado como o primeiro campeão de Espanha da modalidade. Nesta prova que ficou conhecida como os "100 quilómetros de Ávila", alinharam vinte ciclistas e o prémio atribuído era de 750 pesetas. Nesse mesmo ano de 1897 volta a fazer história. Em maio, na inauguração do Velódromo de Chamartin, Madrid, ganhou a prova internacional e bateu o recorde mundial dos 500 metros, que pertencia a Edmond Jacquelin, baixando o tempo de 34,6 para 33,2 segundos.

Em Espanha tornou-se um ídolo, pois em 68 corridas, venceu-as todas. Na última década do século XIX até sensivelmente 1905 correu em Espanha, França (Paris) Bélgica (Gand), Suíça (Genebra), Itália (Turim), Alemanha (Berlim) e Brasil (Pará), sendo que no país vizinho disputou provas em Vigo, Corunha, Sevilha, Bilbau, Salamanca, Ávila e Madrid. Perante tudo isto bem se pode dizer que o primeiro grande nome do ciclismo espanhol era... português.

Em Berlim, a 8 de maio de 1898, atingiu novamente o Olimpo dos Deuses ao vencer o Grande Prémio Zimmerman, então a prova velocipédica mais importante da Europa, em honra de Arthur Augustus Zimmerman, vencedor do Campeão do Mundo Willy Arend.

Apesar de a estrela de José Bento Pessoa brilhar longe, a Figueira da Foz nunca o esqueceu, sendo que as suas vitórias eram festejadas com pompa e circunstância ali no burgo, com manifestações ruidosas e festivas. E sempre que vinha à sua terra natal era recebido como um verdadeiro herói, e reza a história que muitas vezes ia da estação dos caminhos-de-ferro até casa em ombros.

José Bento Pessoa retirou-se de competição em 1905, depois de uma digressão pelo Brasil. Regressado a casa comprou um forno de cal e montou o Cal-Hidráulico do Mondego, Lda., tendo este sido o seu negócio até ao fim da vida, vindo a falecer em 7 de julho 1954, com 80 anos de idade.

Em sua memória a Câmara Municipal da Figueira da Foz batizou o estádio municipal local com o seu nome.