quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A grande vitória do hóquei em patins luso no Mundial de Montreux em 1948

Olivério Serpa com o troféu 
de campeão mundial
Na antecâmara de mais um Campeonato do Mundo de hóquei em patins - marcado em 2022 para a Argentina - abrimos as portas do nosso Museu para recordar a segunda sticada certeira de Portugal no troféu planetário mais cobiçado ao nível de seleções nacionais. Uma história que aconteceu em 1948, precisamente um ano depois dos lusos terem inscrito pela primeira vez - em Lisboa - o seu nome na lista de campeões mundiais. Entravámos na 4.ª edição do Mundial que pela segunda vez na sua ainda curta história tinha como palco uma cidade que eternamente estará ligada ao hóquei em patins: Montreux.

Popular a nível internacional pelo seu Festival de Jazz; por albergar estátua do falecido e icónico vocalista da banda Queen, Freddie Mercury; e claro, pelo hóquei em patins - onde é disputado anualmente o mítico Torneio de Montreux -, a cidade helvética recebeu nove seleções nesse ano de 1948 para disputar não só o Mundial como também o Campeonato da Europa, tendo em conta que na época ambas as competições se disputavam no mesmo torneio! Além da equipa da casa, a prova contou com a França, Espanha, Bélgica, Itália, Inglaterra, Holanda, Portugal e Egito, a única seleção não europeia. O certame, disputado entre os dias 24 e 30 de março de citado ano, foi desenrolado num sistema de "todos contra todos", sagrando-se campeã a seleção que somasse mais pontos ao longo deste mini-campeonato que tinha a particularidade de ter a competir o maior número de seleções (9) em quatro edições.

Na antevisão deste campeonato o jornalista da revista Stadium, Jorge Monteiro, opinava que a tarefa dos lusos para renovar o título não se afigurava fácil, tendo em conta que estes iriam ter pela frente oito turmas «qual delas a melhor apetrechada para o assalto, que certamente lutarão estoicamente para destronarem os campeões». Apesar deste aviso, o jornalista frisava que mesmo perante a forte concorrência não se devia duvidar da nossa seleção, lembrando que a crise moral dos portugueses na sequência de uma recente derrota ante o vizinho e eterno rival, a Espanha, estaria sanada e que os hoquistas lusos eram bem capazes de regressarem da Suíça vitoriosos.

A comitiva lusa antes do embarque para 
a Suíça
«Tenhamos, portanto, confiança, e sobretudo fé no triunfo. Oh, quem dera! É que teria ainda muito mais valor por ser confirmado (o título) no estrangeiro», assim desejava Jorge Monteiro. Numa análise da concorrência o escriba da Stadium destacava Espanha, Bélgica, Itália e Inglaterra como seleções com possibilidade de chegar ao título, apontando ainda os estreantes Holanda e o Egito como verdadeiras incógnitas neste Mundial/Europeu.

Quis os sorteio que os lusos defrontassem no penúltimo dia da competição dois dos candidatos ao cetro mundial, a Espanha e a Itália, ao passo que para o derradeiro dia do campeonato Portugal media forças com outra das grandes potência da modalidade na altura, a Inglaterra, duas vezes campeão mundial.

Para Montreux o selecionador nacional José Prazeres levava os seguintes jogadores: Emídio Pinto, Manuel Soares, Olivério Serpa, Sidónio Serpa, Jesus Correia, Correia dos Santos, Cipriano Santos, e António Raio. Em relação ao Mundial de 47 duas novidades na convocatória, Raio e Manuel Soares, que substituíam António Soares e Álvaro Simões.    

A seleção nacional que em 1948 sagrou-se bi-campeã mundial

A Stadium esteve no Aeroporto da Portela para se despedir da comitiva lusa, que integrava ainda o árbitro Martins Correia, tendo trocado algumas palavras com os nossos selecionados. «Confiantes, contagiando com o seu entusiasmo todos quantos os foram ver partir ao Aeroporto da Portela, os rapazes do grupo nacional de hóquei instalaram-se no potente avião da KLM, sorridentes e garantindo-nos que hão-de regressar vitoriosos (...) José Prazeres, o selecionador nacional, garantiu-nos que: os rapazes vão cheios de fé e animados pela confiança na vitória. Manteremos o nível de classificação compatível com os lugares conquistados anteriormente. E posso-lhe garantir que defenderão o título com o maior entusiasmo (...) Regressarão campeões? Porque não? No entanto é sempre arriscado fazerem-se prognósticos num torneio de tanta responsabilidade como este campeonato do Mundo. Mas há um pormenor que lhe posso garantir: a equipa regressará honrada pelas suas exibições e o nome do nosso país será em Montreux condignamente representado por este grupo de rapazes plenos, de entusiasmo, de fé, e especialmente bem portugueses». Na despedida à seleção lusa uma adepta muito especial, a avó de Olivério Serpa, um dos craques da nossa seleção, uma senhora que do alto dos seus 90 anos nunca falta a um evento de hóquei em patins, de acordo com a Stadium. Olivério Serpa que era o capitão da turma lusa, ele que à reportagem da revista deixava claro que a equipa nacional ia para a Suíça «com coragem e energia suficientes para defendermos o nosso título de campeões. Concordo que a empresa é de grande responsabilidade, mas não será surpresa se regressarmos com o honroso título com que agora seguimos para Montreux».

Um jogo desse Mundial de 48
E os lusos não defraudaram as expetativas, tendo saído da Suíça com o título de campeão no bolso. Foi uma caminhada quase imaculada, e quase porque não fosse a derrota na última jornada com a Inglaterra, Portugal teria conquistado este bi-campeonato mundial de forma invicto. Para a Stadium este triunfo foi mais especial que o de 1947 pela simples razão que foi conquistado fora de portas, e de forma admirável. A citada revista referia mais à frente na sua reportagem que este torneio internacional havia sido o melhor de sempre - até então -, já que foram batidos vários recordes, desde logo o da assistência, em grande número. Mas também a nível de resultados o campeonato foi memorável, tendo a Inglaterra batido o seu recorde de maior goleada em Mundiais no jogo com a Holanda (17-0), e Portugal também a estabelecer novos recordes "pessoais" em termos de scores avolumados nos encontros com a Holanda (15-0) e Egito (13-0). Recorde também no número de golos marcados em toda a prova: 288, «uma média alta, quando numa dúzia de campeonatos anteriores se tinham feito 1315, menos de metade, em média, por ano, em relação ao torneio de 1948», referia a título de curiosidade a Stadium.

O presidente da Federação Internacional 
entrega a taça a Olivério Serpa
Portugal entrou para a última partida com os ingleses já campeão do Mundo, tendo em conta que na dupla jornada da véspera havia batido a Espanha e a Itália pelo menos resultado (3-1), de nada afetando pois o desaire por 1-2. Portugal terminou o Mundial em 1.º lugar , com 14 pontos, os mesmos que os ingleses, mas com vantagem no número de golos marcados e sofridos. Os lusos somaram sete triunfos, de forma mais concreta, ante a Espanha (3-1), perante a Itália (3-1), diante da França (6-0), da Suíça (5-4), da Bélgica (10-0), e os já referidos triunfos antes os estreantes Egito e Holanda, que foram, respetivamente, os dos últimos classificados deste campeonato.

A receção aos campeões do Mundo foi apoteótica em Lisboa. A comitiva lusa seria homenageada, já em solo luso, dias mais tarde, num Pavilhão dos Desportos repleto de público. Ainda na pista do Aeroporto da Portela os jogadores foram agarrados por uma multidão em profunda euforia e levados em ombros como verdadeiros heróis. «Através das ruas de Lisboa, entre filas de povo, de gente de todos os setores sociais, os triunfadores não cessavam de receber aclamações. E a manifestação culminou em apoteose - que era ainda a do primeiro ato de uma grande peça... quando se atingiu o Ministério da Educação Nacional. Aí foi o delírio! Ao assomarem a janela do edifício - já depois de recebidos os agradecimentos da nação - os campeões do Mundo puderam verificar, com satisfação, quanto o seu feito era apreciado; a multidão em coro, sem que para tal tivesse sido solicitada, rompeu a cantar o hino nacional! Era Portugal inteiro a vibrar de contentamento pela voz humilde do povo de Lisboa!», retratava a Stadium que dava ainda conta que os primos Jesus Correia e Emídio Pinto foram também recebidos apoteoticamente em Paço de Arcos, a sua terra, e que o mesmo aconteceu em Sintra com Raio.  

A receção aos campeões no 
Ministério da Educação
No dia 7 de abril de 1948, o dia seguinte à chegada a Lisboa dos campeões, foi a vez do Pavilhão dos Desportos receber em euforia os triunfadores, numa sessão solene onde lhes foram entregues lembranças, como anéis de ouro, ou cigarreiras de prata. Além de que o Ministério de Educação Física atribuiu a cada jogador uma medalha evocativa do feito. Jorge Monteiro, o jornalista encarregue de cobrir esta receção, rematava a sua reportagem dizendo que os hoquistas lusos merecerem estes aplausos da nação, pois honraram Portugal e dignificaram o desporto e que «bem merecem, por conseguinte, da pátria que lhes foi berço e que não os deve olvidar - como heróis que são das atualidades desportivas. Embaixadores do melhor quilate, desportistas da mais fina gema, os campeões do Mundo de hóquei em patins podem ufanar-se de si e do seu nome de portugueses!».

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Há 30 anos o andebol português deu-se a conhecer de forma surpreendente à Europa

A seleção portuguesa que em 1992 sagrou-se campeã da Europa de cadetes

Nos últimos anos o andebol português subiu vários degraus na escadaria da qualidade, tanto ao nível de clubes, como ao nível de seleções. A presença nas grandes provas internacionais não surpreende hoje ninguém que acompanha de perto a modalidade, mas há 30 anos atrás era impensável, por exemplo, ver a seleção nacional a disputar um torneio olímpico - como aconteceu em Tóquio 2020 - ou ver clubes lusitanos a participar sistematicamente, e com brilhantismo, na Liga dos Campeões Europeus.  

Há três décadas um título internacional de andebol, fosse me que escalão fosse era motivo de festa, de orgulho... e de alguma estupefação. Pois bem, tudo isto aconteceu em 1992, há precisamente 30 anos, quando a seleção nacional de cadetes masculinos venceu o Campeonato da Europa da categoria, disputado em Winterthur (Suíça).

Foi a primeira edição do certame continental no escalão de sub-18/cadetes, e chegar à fase final já era por si um feito heroico para o então modesto - a nível internacional - andebol lusitano. Na fase de qualificação, disputada na cidade francesa de Lyon, a seleção lusa afastou a França (vitória por 18-17) e a Suécia (novo triunfo, desta feita por 25-14), duas potências da modalidade, há que sublinhá-lo.

Perante este feito Portugal integrava o lote de finalistas do 1.º Campeonato da Europa de Cadetes da EHF (European Handball Federation). Estar ali, entre as grandes potências do andebol continental já era, para muitos, o prémio maior para esta jovem geração de atletas, brilhantemente comandada pelo lendário técnico romeno Mirecea Costache, que enquanto jogador foi campeão do Mundo em 1961 e 1964. Até porque o grupo que em sorte calhou aos lusos não era pêra doce: Rússia, Alemanha e Israel. Os andebolistas portugueses não se amedrontaram, pelo contrário, e no primeiro jogo da fase final bateram por 21-17 uma seleção israelita que contava com vários jogadores russos naturalizados. Mas a surpresa maior aconteceu na jornada seguinte, com a potência mundial Rússia a ser derrotada pelos portugueses por 19-13, e a partir daqui a Europa do andebol, pelo menos no escalão de cadetes, começou a olhar com outros olhos para Portugal. Afinal, a presença no Europeu não havia sido obra do acaso. Mesmo a derrota - injusta, segundo críticos da época - com a outra superpotência em prova, a Alemanha, por 21-22, não impediu os pupilos de Costache de seguirem para as meias finais do campeonato. Nesta fase a eliminar seguiu-se outra grande potência europeia, a Noruega, que foi despachada em mais uma épica partida por 28-27. E como quem não quer a coisa, Portugal estava na grande final do Europeu, onde teria pela frente uma Rússia com sede de vingança pelo desaire surpreendente na fase de grupos.

E o que aconteceu na grande final foi mais um capítulo épico. Após um empate no tempo regulamentar (24-24), os portugueses venceram no prolongamento por 30-26, sagrando-se contra todas as previsões campeões da Europa (!)... quando nem sequer eram candidatos a estar na fase final. É esta a beleza do desporto, é uma "ciência" imprevisível.

Para a história do andebol nacional ficam os seguintes nomes: Sérgio Morgado, Rui Nunes, Carlos Silva, Eduardo Filipe, Fernando Nunes, Miguel Póvoas, Rui Oliveira, Paulo Vieira, Armando Gonçalves, Miguel Fernandes, Jorge Menezes, Ricardo Viela, Marco Tonicher, Danilo Ferreira, Nuno Guerra, Lino Nunes, Hélder Leal e Mircea Costache - estes dois últimos treinadores. Todos eles os campeões europeus de cadetes masculinos em 1992.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Na sua primeira aparição num Mundial de Pesca Desportiva - Mar, Portugal foi campeão!

"Chegar, ver, e vencer". Bem poderia ser este o título da façanha da seleção portuguesa de pesca desportiva que em 1983 participou no 3.º Campeonato do Mundo de Mar da Fédération Internationale de Pêche Sportive - Mer (Federação Internacional de Pesca Desportiva - Mar), realizado em Algeciras (Espanha) entre 21 e 26 de setembro do referido ano. 

Portugal participava pela primeira vez com uma seleção nacional nesta competição destinada ao escalão de seniores masculinos. Até aqui, e a nível de seleções, o máximo que a nação lusa tinha feito havia sido um 3.º lugar no Campeonato do Mundo de Água Doce, também em seniores masculinos, numa prova que então decorreu em Saragoça (Espanha), no ano de 1979.

Em Algeciras, Portugal contou com seis pescadores de mão cheia, nomeadamente Vítor Seiça (capitão de equipa), Mário Barros, António Castro, Manuel Basílio, Joaquim Costa, e Bernardino Machado.  A comitiva foi chefiada por Albino Nito, ao qual se juntou Carlos Batista, que era então o responsável pela área/disciplina de mar no seio da Federação Portuguesa de Pesca Desportiva. Esta última figura havia sido convidada pela presidente da nossa federação de então, João Carreira, para organizar em Portugal as provas de mar, tendo o campeonato nacional arrancada precisamente em 1982, tendo como palco a Ericeira. O bom trabalho de Carlos Batista colheu de pronto os seus frutos, não só a nível nacional, como internacional, já que no curto espaço de um ano conseguiu colocar Portugal num Mundial. A viagem para Espanha foi no mínimo surreal, tendo em conta de que se tratava de uma seleção nacional que ia representar o nosso país ao mais alto nível. Porém, a seleção viajou em veículos particulares dos pescadores que a compunham! Uma parte foi na carrinha de Bernardino Machado, e a outra no carro do capitão Vítor Seiça. Apesar de talentosa esta era uma seleção inexperiente em provas de calibre internacional, mas isso não impediu de Portugal chegar, ver e vencer. 

A seleção nacional que em 1983 conquistou o Mundial de Pesca Desportiva - Mar

O Campeonato do Mundo era disputado em três provas, sendo uma de fundo, e duas de boia. Cada uma das provas tinha a duração de quatro horas.  Logo na primeira prova, a de fundo, disputada à noite, a turma lusa levou a melhor sobre a concorrência, conquistando o 1.º lugar. No dia seguinte, disputou-se a primeira de duas provas de boia, sendo que na primeira a seleção espanhola ficou com o 1.º lugar, ao passo que Portugal quedou-se em 2.º. Na terceira e derradeira prova de boia, a Espanha venceu novamente, enquanto a seleção lusa foi 3.ª classificada. No total das três provas Portugal ficou em 1.º lugar (1.º + 2.º + 3.º), seguida da Espanha (5.º + 1.º + 1.º), e da França (2.º + 4.º + 4.º).  

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Efemérides (7)... Em 1942 Mário Simas, sagra-se o melhor nadador da Europa nos 100 metros costas

1942 é um ano memorável para a natação portuguesa. A nação viu um dos seus melhores nadadores de então, para muitos o melhor, Mário Simas, sagrar-se o melhor nadador da Europa nos 100 metros costas. O atleta do Sport Algés e Dafundo era conhecido a nível nacional pela sua aptidão para estabelecer novos recordes nas provas em que participava, estando, para a imprensa desportiva da época, muito acima da restante comunidade da natação lusa. E em 1942 os seus feitos ultrapassaram as fronteiras do nosso país, na sequência de uma brilhante prestação num meeting realizado entre a Mocidade Portuguesa e a Jeunesse Française - o que traduzido no nosso idioma significa Mocidade Francesa. Nesta prova, Mário Simas começou por bater, nos 100 metros costas, o francês Zins, por 2s/6d, e nos 100 metros livres, fazendo o tempo de 1m/3s/2d, venceu Cecchini, por 4s/3d. Mas seria o triunfo a prova de 100 metros costas, onde efetuou um tempo de 1m/09s, que colocaria Mário Simas nas bocas da Europa, já que com este novo recorde foi considerado o melhor nadador europeu da referida especialidade naquele ano, superando nomes consagrados como o campeão espanhol (da especialidade), Afonso Weller, um dos melhores europeus daquele tempo, a título de exemplo. 1942 foi um dos muitos anos dourados da brilhante carreira de Simas, que nesse ano se sagrou campeão nacional nos 100 metros livres, nos 200 metros livres, e nos 100 metros de costas. Estabeleceria ainda no mesmo ano quatro novos recordes nacionais, a saber, nos 100 metros livres, com 1m/01s; nos 200 metros livres, com 2m/24s; nos 100 metros costas, com a marca de 1m/09s; e nos 200 metros de costas, com o tempo de 2m/42s.

Mário Simas (na imagem) é considerado por muitos historiadores da natação lusa como o melhor atleta nacional da primeira metade do século XX, tendo iniciado a carreira muito cedo no Algés, clube onde se evidenciou com apenas 12 anos de idade. 1937 marca o início da competição oficial para o nadador, disputando as primeiras provas nacionais dos 100 metros, nas especialidades de costas e livres, onde se viria a tornar um especialista de elite nos anos seguintes. Disputou 10 campeonatos nacionais com as cores do Algés e do Estoril, tendo representado Portugal nos Campeonatos da Europa de 1957, realizado em Monte Carlo, e nos Jogos Olímpicos de 1948, realizados em Londres.

terça-feira, 26 de julho de 2022

Francisco Lázaro distinguiu-se entre 48 atletas que deram vida à prova oficial mais antiga do atletismo português

Os atletas do 1.º Cross Country Nacional na linha de partida

O atletismo agrega a si um conjunto de disciplinas (ou modalidades) desportivas que se constituem como o evento desportivo mais antigo que se conhece do mundo civilizado. Criado na Grécia antiga, o atletismo foi a base da criação dos jogos Olímpicos,  em 776 a.C. . A modalidade é composta por um total de 25 disciplinas, sendo uma delas a corrida de Corta-Mato, ou como se chamava nos finais do século XIX e princípios do século XX, Cross Country. Em Portugal as provas de Corta-Mato, ou de Cross-Country, como então se denominavam, constituem-se como a mais antiga competição oficial do nosso atletismo, tendo sido criada em 1911, e é esse tiro de partida que hoje vamos recordar no nosso Museu

Facto ocorrido em maio do citado ano, altura em que Lisboa - e arredores - acolheu o 1.º Cross Country Nacional, ou na denominação atual, o 1.º Campeonato Nacional de Corta-Mato. De acordo com Os Sports Ilustrados, a principal revista desportiva da época, a primeira corrida deste género realizada em solo nacional foi «brilhantíssima», deixando as melhores impressões quer ao numeroso público que a ela assistiu, quer aos 48 atletas que em representação de 8 clubes marcaram presença no evento organizado pela Liga Sportiva. Cada clube/equipa era formado por 6 atletas. Assim, deram vida a este primeiro Cross Country Nacional o Benfica (cuja equipa era constituída por Francisco Lázaro, Félix Bermudes, Augusto Fernandes, Germano de Vasconcelos, Francisco Rocha e José Correia), o Sporting (que apresentou como atletas, Amadeu Barros, Mathias de Carvalho, Augusto Barros, Guilherme Ribeiro, Joaquim Pires, e Arnaldo Silva), o Clube Internacional de Football (cuja equipa era formada por Plácido Duro, João Figueiredo, Armando Cortezão, MacCarthy, Heraldo Ribeiro, e José Mascarenhas), o Sport Grupo e Progresso (composto pelos atletas Augusto Jardim, João Guerreiro, Benjamim Jardim, António Ferreira, Álvaro de Almeida, e José Caldas), o Atheneu Comercial (que apresentou os atletas Armando Cruz, Homero Alves, António Montez, Alberto de Oliveira, José Trindade, e Ponte Ferreira), o Sport Clube Império (cuja equipa era formada por Travassos Lopes, Albino Abranches, Borja Santos, Miguel Simões, António Fernandes, e Theodoro da Costa), o Ginásio Clube Português (cujo combinado era composto por Borges de Castro, Pinto d' Almeida, José Carreira, José da Costa Brandão, José Ferreira dos Santos, e Virgílio Gomes), e a Escola Académica (com António Ferreira Coutinho, Heitor de Lemos, Heliodoro Monteiro de Castro, Henrique Drumond Júnior, António Dias dos Reis, e João Guilherme Diniz).

O Sport Clube Império, que venceu o 1.º lugar da classificação por equipas

Entre esta quase meia centena de corredores alguns nomes sonantes do (então) atletismo luso disseram presente, entre eles o primeiro grande corredor português, Francisco Lázaro, de quem aqui já falámos noutras viagens ao passado, e que viria a ser a grande estrela desta corrida. Augusto Sabbo, árbitro da prova e um dos três elementos que juntamente com Cândido Silva e João Lopes de Figueiredo compunham a comissão de sports athleticos da Liga Sportiva, deu o tiro de partida da corrida às 11H30 debaixo de um calor abrasador, num percurso de 4,8 km. «Esta corrida, que deixou no espírito de todos, tanto concorrentes, como espectadores, uma magnífica impressão, foi a prova cabal de quanto valor teem os nossos pedestrianistas e de quanto seriam capazes de fazer, se soubessem e quizessem treinar-se com rigor e methodo», escrevia a reportagem d' Os Sports Ilustrados,  a qual vincava o esforço dos 48 sportsmen, que debaixo de intenso calor mostraram uma força e uma energia que «só o portuguez sabe ter, ora saltando um obstaculo, escarpando um monte, atravessando um campo de piso irregular ou lançando-se a toda a velocidade por uma encosta abaixo. Corriam sempre, no desejo de alcançarem uma boa colocação ou um bom logar na classificação final».

A equipa do Sporting que foi 2.ª classificada

O sportinguista Mathias de Carvalho foi o primeiro a dar nas vistas, alcançando com distinção o primeiro obstáculo da corrida, um monte. Só que ao trepar o dito monte, que tinha ainda um pequeno charco para dificultar ainda mais a vida aos atletas, despistou-se, e teve de voltar atrás - segundo as regras da prova -, sendo alcançado pela dupla composta por Francisco Lázaro, e Augusto Fernandes, que passaram a tomar a dianteira da corrida, seguidos de perto por Mathias de Carvalho. Reza a crónica deste 1.º Cross Country Nacional que a luta entre os três foi emocionante. «Os três queriam o primeiro logar e a encosta que se seguia a esse monte, a azinhaga até ao Campo Grande e a estrada do Campo à entrada da azinhaga dos Frades foi percorrida pelos três, que já então se tinham distanciados dos restantes concorrentes, n'uma lucta magnifica tomando a cabeça ora um ora outro. Essa lucta emocionante prolongou-se até à méta de chegada que foi alcançada em primeiro logar por Francisco Lázaro, do Sport Lisboa e Benfica, seguido de perto de Augusto Fernandes, do mesmo clube, e Mathias de Carvalho, do Sporting Clube de Portugal», assim relatava a reportagem da citada revista desportiva.   

A equipa do Benfica, onde pontificava o maior nome do atletismo 
nacional da primeira década dp século XX: Francisco Lázaro

Francisco Lázaro cortou a meta em primeiro lugar com o registo de 20'25'', tendo o jornalista que eternizou nas esbatidas páginas d' Os Sports Ilustrados (cujo nome foi desconhecido) esta corrida, considerado este desempenho como magnífico. A classificação por equipas foi feita depois de terem sido recebidos todos os boletins dos árbitros da pista, que deram como primeiro classificado, com 96 pontos, a equipa do Sport Clube Império que recebeu assim a Taça Os Sports Ilustrados.

Em segundo lugar por equipas ficou oi Sporting, que foi agraciado com a Taça da Liga Sportiva, ao passo que o Benfica fechou o pódio. Seguiram-se as equipas do Sport Grupo e Progresso (4.º), do Club Internacional de Football (5.º), do Atheneu Comercial (6.º), do Ginásio Clube Português (7.º) e da Escola Académica (8.º).

Um momento da corrida

A reportagem dá ainda conta de que dos 48 participantes apenas um não finalizou a corrida, por doença súbita. Os prémios deste 1.º Cross Country Nacional foram entregues no dia seguinte à corrida, nas instalações do Ginásio Clube Português, sendo que além das já referidas taças aos dois primeiros classificados por equipas, a organização ofereceu um estojo de barbear, uma cigarreira de prata, e um cinzeiro de cristal e prata aos dois primeiros classificados a nível individual.

terça-feira, 5 de julho de 2022

A primeira digressão internacional dos Harlem Globetrotters teve Portugal como ponto de partida

Harlem Globetrotters atuando no Porto
ante o Vasco da Gama
Eles são um misto de entertainers e representantes do melhor basquetebol do Mundo - o dos Estados Unidos da América -, e que viajam pelo planeta precisamente para fazer apresentações performáticas da modalidade. Eles são os Harlem Globetrotters, uma equipa de basquetebol norte-americana, e que para muitos experts do basket é tão somente a melhor equipa do Mundo, combinando mestria com malabarismos, e que - segundo o wikipedia - até 2010 contabilizava mais de 25 mil apresentações em 118 países desde que iniciaram as digressões internacionais em 1950.

E quis o destino que Portugal fosse o primeiro país a receber os magos, ou ilusionistas, se preferirem, do basket planetário. Estávamos em maio de 1950 quando os melhores basquetebolistas do Mundo aterraram no nosso país para aqui iniciarem uma digressão que iria durar até 1962! Estava assim colocada em marcha a ideia do inglês Abe Saperstein, o proprietário dos Harlem Globetrotters, que quis conquistar o mercado europeu através desta equipa que nasceu oficialmente em Chicago no ano de 1927, e que tinha como característica distintiva o facto de ser composta exclusivamente por jogadores negros excluídos das ligas profissionais. Nesta altura a fama dos jogadores afro-americanos que exibiam os seus dotes de basquetebolistas nos playgrounds - quadras de rua - norte-americanos, sobretudo na região de Nova Iorque, era enorme, sendo ali criado um festival de verão organizado pelo bairro negro de Harlem, que se viria a tornar extremamente popular em todo o país com o passar dos anos. Nesse sentido, Abe Saperstein escolheu esse nome para a sua equipa, para indicar claramente que se tratava de um conjunto formado por atletas negros, e que seriam uma espécie de globetrotters, isto é, que jogariam por todo o território dos Estados Unidos da América, o berço do basquetebol. Durante suas viagens, os Harlem Globetrotters demonstraram sistematicamente a sua superioridade sobre os conjuntos compostos por atletas brancos, sendo que a título de exemplo, em 1948 e 1949, venceram por duas ocasiões os Minneapolis Lakers, que eram nada mais nada menos do que os campeões da mais famosa liga de basquetebol do Mundo, a National Basketball Association (NBA).

E depois de conquista a América, Abe Saperstein quis conquistar o resto do planeta com esta sua equipa, iniciando então a digressão internacional no nosso país, que até então só os tinha visto na tela do cinema.

A presença dos mágicos do basket norte-americano mereceu, como é óbvio, redobradas atenções por parte da imprensa nacional, em especial da desportiva, que escreveu algumas páginas sobre esta (hoje) histórica visita. Para muitos parecia um sonho, como escreveu o jornalista Rodrigues Teles, na revista Stadium. O sonho de ver os melhores basquetebolistas do Mundo a atuar no nosso país, um sonho que na verdade se viria a tornar em realidade. «Os americanos do basquetebol, os americanos brancos e os americanos pretos, que nos maravilharam através de uma curiosa exibição cinematográfica, apresentaram-se entre nós, "carne e osso", e demonstraram-nos que todas as suas fantasias são deste Mundo, que não há o mínimo exagero no que vimos no "ecran". Foram tudo - e mais alguma coisa ainda. Talvez o verdadeiro amador do basquetebol puro, embora gostando muitíssimo do malabarismo e da arte americana, achasse que o espectáculo "era mais de circo". Talvez. Quanto a nós, porém, o eapectáculo de que foram especiais comparsas os negros dos Harlem Globe Trotteres, revelou-nos a excepecional categoria destes atletas, o apuro extraordinário a que chegaram, a maneira simples como enfeitam uma jogada - fazendo desporto».

A vinda dos norte-americanos a Portugal não se restringiu à capital, já que também o Porto (onde enfrentaram um seleção do norte e o Vasco da Gama) e Coimbra ficaram deslumbrados com o virtuosismo dos  Harlem Globetrotters, que se faziam acompanhar nesta tourné pela equipa dos All Stars of America.

Os astros norte-americanos em Portugal
Perante pavilhões repletos, nas três cidades lusas, os norte-americanos «são quase infantis, autênticas crianças, sorrindo sem amesquinhar, brincando sem diminuir uma só vez o adversário. (...) São artistas de rara categoria», escrevia Rodrigues Teles nesta sua reportagem, descrevendo mais à frente os jogadores que mais o impressionaram, entre outros um tal de Marques Haines, um luso-americano «que esconde a bola, que joga com os joelhos colados ao chão, que passa o esférico por baixo das pernas, tocando-lhe com os dedos como se estivessem carregados de electricidade».

O jornalista dava ainda conta que a vinda destes astros a Portugal havia resultado de um convite do Sporting, que se associou ao Vasco da Gama (do Porto) e da Académica de Coimbra para organizar os jogos/exibições nas três urbes portuguesas.

Tempo houve ainda para Rodrigues Teles trocar algumas palavras com os malabaristas do basquetebol, como lhes chamou, no sentido de os conhecer um pouco melhor.   

Marques Haines,
luso-americano dos Harlem
Por exemplo, de Haynes, um dos craques dos Harlem Globetrotters, soube que para este atleta fazer parte dos Harlem era uma honra extraordinária, explicando este atleta que o contrato com a equipa era feito para 5 anos, e que se ao fim desse tempo os jogadores não dessem provas capazes eram dispensados. «No Harlem só entram vedetas, verdadeiros malabaristas. Nos bairros negros, onde se procura jogar assim, neste estilo, há sempre uma selecção cuidada», explicava o craque. Questionado pelo jornalista português se eram profissionais e como era o ordenado, Haynes respondia que sim, que eram profissionais, e que quanto ao ordenado além de terem todas as despesas pagas durante esta digressão internacional, ainda usufruíam de 10 dólares de vencimento por dia! A impressão que as estrelas do basquetebol dos States tiveram dos jogadores lusos foram ademais positivas, conforme nos contou nesta reportagem Rodrigues Teles, na sequência de uma troca de palavras com outro deus do basket, neste caso, Elliot Hansan. «Gostei dos portugueses. Parece até impossível como alguns rapazes, tão franzinos, se movimentam tão bem e nos imitam até em vários lances», contou aquele atleta, que elogiou ainda o público português: «Grande público. Gostou do trabalho das duas equipas americanas, vibrou, deu palmas entusiásticas. Bravo».

Nome grande do basquetebol português de então era Correia César, dirigente do Sporting, que nesta reportagem se mostrava satisfeito pelas casas esgotadas, quer no Porto, quer em Coimbra, quer em Lisboa, registadas para ver de perto os Harlem Globetrotters nesta sua primeira passagem por Portugal. Uma equipa que para Rodrigues Teles era composta por «maravilhosos jogadores que subjugam pela arte, rapidez, agilidade e ciência de colocação. Estes atletas ultrapassam a noção de jogadores de basquete. São ao mesmo tempo verdadeiros artistas!».

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Silva Ruivo, o homem que abriu o caminho do boxe em Portugal

Santa Camarão pode até sido o primeiro grande ícone planetário do boxe português, subindo aos mais mediáticos rinques mundiais para enfrentar lendas como Primo Carnera, ou Max Schmeling, mas tempos antes da sua estrela brilhar uma outra já reluzia com intensidade no nosso país. Uma figura que com a sua arte, ou melhor, com a destreza e pontaria dos seus punhos, empolgava multidões em volta dos primitivos rinques do boxe português. Os (hoje) poucos e preciosos relatos que dão conta da sua carreira, definiam-no como um boxeur de fibra, entusiasmante, a tal ponto que ficaria eternizado como o Mestre. E mais do que isso ele foi um pioneiro, ou o pioneiro, no que concerne ao título de primeiro grande nome do boxe lusitano. Silva Ruivo, o seu nome, tido como o primeiro grande pugilista nacional, um homem cujo talento desportivo ajudou a cimentar a modalidade no nosso país ainda o século XX era uma criança.

José da Silva Ruivo veio ao Mundo a 27 de fevereiro de 1893, tendo como berço o Cadaval. Com apenas 15 anos decidiu que queria ser o primeiro nome consagrado da então quase desconhecida - e descriminada - modalidade em Portugal, tudo porque se deixou entusiasmar pelo mediatismo do grande combate do ano de 1908 entre Tommy Burls e Jack Jonhson, a contar para o campeonato do Mundo, um duelo que teve eco em todo o planeta, de tal modo que o jovem Silva Ruivo quis seguir as pisadas daqueles peso pesados. Não teve uma tarefa fácil, acima de tudo porque o boxe era olhado de lado pelos portugueses, que o tinham como um desporto violento. Mas Silva Ruivo lutou contra esse preconceito, dentro e fora dos rinques, ao lado de outros nomes que então ajudaram a contornar a má fama da modalidade, como Humberto Vieira Caldas, e Nascimento Liz, dois outros pioneiros do boxe nacional. Silva Ruivo Lisboa começou por lutar ao serviço do Sport Gimnásio, e mais tarde no Sport Club Progresso. À falta de clubes para desenvolver o boxe ele próprio fundou algumas coletividades locais, onde foi o verdadeiro Mestre para muitos que sonhavam seguir as suas pisadas em cima dos rinques. Neste campo formou alguns nomes que ficariam para a história do boxe luso, como Abel da Cunha, Silvestre Alves da Silva, Tavares Coutinho, Mário Garcia, Simões Mendes, Raúl Castro, César Rumina, Henrique David, António Cardoso, Silva Adães, ou Armando Correia. Silva Ruivo exibiu o seu talento não só no nosso país, como também em Espanha, ou França, tornando-se no primeiro pugilista profissional português. Foi campeão nacional de quatro categorias: meios-leves, leves, e médios.

Ao longo da sua carreira enfrentou grandes nomes do boxe internacional, casos dos franceses Mário Gall, Martus, Jean André e Cadieux; os espanhóis Miró, Armengol, Rojas e Americano; o canadiano Leducq e os americanos Jeck Haloon e Harper.

Em Portugal ficaram célebres os seus combates - em locais como o Parque Mayer, o Coliseu dos Recreios, a Praça de Touros do Campo Pequeno, ou no Palácio de Cristal - com compatriotas como Tavares Crespo, Faustino Pereira, Ferreira Júnior, Reis Cosia, Manuel Guita e Silvestre A. Silva, este último um antigo discípulo de Ruivo. A derradeira luta do primeiro dinamizador do boxe em Portugal deu-se em 1924, ante o francês Sérge.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Efemérides (6)... 3.º visconde de Reguengo brilha em Torneio de Tiro ao Pombo realizado em França

Os primórdios do desporto eram restritos à alta sociedade. Muitas foram as modalidades que no seu início eram único e exclusivamente praticadas pelas classes mais altas. Foi assim um pouco por todo o Mundo, sendo que Portugal não foi exceção.

Leva-nos isto e recordar uma efeméride em julho de 1910, altura em que um nobre português fez furor no estrangeiro num campeonato de tiro aos pombos, uma modalidade então muito em voga, tanto a nível nacional como internacional. O nosso campeão dava pelo nome de Jorge Frederico de Avilez (na imagem), o 3.º visconde de Reguengo, e deputado português durante a Monarquia Constitucional, então um dos mais ativos e entusiastas sportsman lusitanos daquele tempo. Reza então a história que na sua participação no Torneio de Tiro ao Pombo realizado em Aix-les-Bains, em França, o nobre bateu a concorrência no Grand Prix matando 21 pombos em 22. O visconde não se ficou por aqui, já que a sua pontaria afinada valeu-lhe ainda o 1.º lugar no Prix Tresserve, matando 8 pombos em 8; e outra 1.ª posição no Prix de Sierroz, matando 30 pombos em 32. A sua série em terras gaulesas foi então considerada a maior do Mundo!

terça-feira, 5 de abril de 2022

Ramaldense, o maior símbolo da história do hóquei em campo português que chegou aos 100 anos de existência

Apesar de pouco divulgada no nosso país, no que concerne à sua aparição na comunicação social, o hóquei em campo é uma modalidade que cativa um número digno de registo de praticantes e adeptos em Portugal. Sendo uma modalidade cujas origens remontam à Era antes de Cristo, pelo menos, tendo em conta que registos históricos descobertos em Atenas, mais concretamente uma gravura sobre o túmulo de Théristocles, datada do ano 500 a.C., em que são mostradas várias figuras a disputar um jogo com uma bola e um stick. No entanto, segundo dados mais concretos, apontam que o jogo tenha sido (re)criado pelos ingleses nos finais do século XIX, tendo o primeiro clube sido fundado em 1849, mais concretamente o Blackheath, na zona de South-east London. Ainda segundo a história, a modalidade era praticada em descampados, com bastões de madeira e bolas formadas por pedaços de borracha.

Como tantas outras modalidades também o hóquei em campo evoluiu com o passar dos anos, afirmando-se como desporto rei em muitos países, como o Paquistão ou a Índia, sendo ainda, segundo as estatísticas, a quarta modalidade mais praticada no Mundo.  

Portugal não tem acompanhado estes números, infelizmente, dirão os praticantes e amantes da modalidade em terras lusas, mas não deixa de ter a sua história, rica, e que hoje nos leva a abrir as portas deste Museu.

História do hóquei luso está umbilicalmente ligada ao Ramaldense

E a história do hóquei em campo português quase que se confunde com a de um clube, e que é hoje o motivo desta nossa viagem ao passado. Coletividade essa que faz hoje, dia 5 de abril, a bonita idade de 100 anos! É verdade, um século de existência ao serviço do desporto. E o nosso aniversariante dá pelo nome de Ramaldense Futebol Clube, um símbolo da cultura popular e do bairrismo portuense que viu a luz do dia a 5 de abril de 1922. Silva Neves, Santos Oleiro, Alberto Araújo, Cunhas e os irmãos Grilo estiveram na génese deste emblema que teve como berço a freguesia de Ramalde, na cidade do Porto, e que através do hóquei em campo fez conhecer o seu nome não só pelos quatro cantos do território nacional como igualmente em várias partes do Velho Continente. Foi o futebol, contudo, a dar a este emblema os seus primeiros anos de vida. Um emblema que deu os primeiros pontapés na bola num campo situado na Senhora da Hora, na Rua Joaquim Pinto, e que depois de mais alguns anos em que andou com a "casa às costas" se mudou para a sua freguesia natal e para o histórico Campo Alberto Araújo, situado na Rua do Pinheiro Manso, recinto hoje em dia extinto (desde 2009), mas onde ao longo de várias décadas se escreveu história.

Não só no futebol, onde nomes como Humberto Coelho ou André Villas Boas vestiram a mítica camisola tricolor (verde, vermelho e branca) do clube de Ramalde, mas sobretudo no hóquei em campo, onde este clube se tornou no maior de Portugal. Sim, o maior, não só porque ainda hoje detém, largamente, o maior número de títulos de campeão nacional, mas porque de igual modo foi berço de alguns dos maiores jogadores da história da modalidade no nosso país. Ao todo são 33 os títulos conquistados no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão (1954/55, 1956/57, 1957/58, 1959/60, 1960/61, 1962/63, 1964/65, 1965/66, 1966/67, 1969/70, 1970/71, 1971/72, 1972/73, 1973/74, 1974/75, 1976/77, 1977/78, 1979/80, 1980/81, 1981/82, 1982/83, 1983/84, 1984/85, 1985/86, 1987/88, 1988/89, 1989/90, 1998/99, 2000/01, 2001/02, 2002/03, 2003/04 e 2006/07), 10 Taças de Portugal (1982/83, 1983/84, 1984/85, 1985/86, 1987/88, 1990/91, 2001/02, 2003/04, 2006/07 e 2007/08), 4 Supertaças de Portugal (1998/99, 2000/01, 2002/03 e 2003/04), uma Taça Luso Galaica, entre muitas dezenas de títulos nacionais ao nível da formação.

Alberto José Guimarães, o impulsionador do hóquei ramaldense

No longínquo ano de 1932 estaria longe de imaginar a então jovem coletividade de Ramalde que seria o hóquei em campo a eternizar o seu nome na história do nosso desporto. Na então freguesia rural de Ramalde era comum a paixão pelo futebol jogado com bolas de trapo ser dividida pelo hóquei praticado com troços de couve e bolas improvisadas jogado em terrenos baldios. Um nome sobressaiu neste início de viagem rumo à glória, por assim dizer, no seio da modalidade. Alberto José Guimarães. Praticante desde o primeiro dia da modalidade no clube, ele viria a ser a partir de 1935 o principal dinamizador do hóquei em campo do Ramaldense, sendo a partir daqui e ao longo das décadas seguintes o chefe de secção. E mais do que isto, ele foi digamos que o guardião da mística que a coletividade construiu a partir dali e que permitiu fazer com que o Ramaldense seja ainda hoje o maior emblema da história do hóquei em campo luso. Alberto José Guimarães foi o impulsionador de uma paixão que contagiou centenas de atletas, treinadores e dirigentes ao longo de décadas a fio e sob o signo do amadorismo, em que muitas vezes pagavam do próprio bolso para jogar, para viajar de modo a defender o clube fora da sua região.

Mas, a paixão pelo clube, pelo hóquei, superavam tudo, e muitas vezes o Ramaldense lá improvisava alguma fonte de receita para custear despesas, um sorteio de qualquer coisa, por exemplo.

A mística foi passando de geração em geração, foi sendo traduzida em êxitos desportivos, formando novos atletas numa freguesia que foi respirando hóquei por todos os seus cantos, com quase todos os meninos a improvisarem renhidos jogos com os tais troços de couve. Nomes como Arlindo Silva, João Batista, Jorge Pinho, Litos, Armando, Coelho, Nelo, Agostinho, Rui Resende, Berto Pereira, Vítor Moutinho, Terrinha, entre tantos, mas tantos outros que ajudaram a escrever esta história de glória.

Mas para falar desta história, ou de um bocadinho desta história, nada melhor do que ouvir alguém que não só a viveu de perto, mas como também ajudou a escrevê-la.

E esse alguém é tão somente uma das maiores glórias não só do clube como do próprio hóquei em campo português, de seu nome Jorge Pinto.

Num breve registo biográfico, dizer que esta lenda da modalidade no nosso iniciou-se no hóquei em campo aos 15 anos de idade, estando a ele ligado como jogador ate aos 43 anos, sempre defendendo as cores do histórico Ramaldense. Foi 10 vezes internacional sub-21 pela seleção nacional, tendo participado num Campeonato da Europa neste escalão. Pelo combinado nacional de seniores vestiu a camisola em oito ocasiões, tendo disputado um Campeonato da Europa.

Ao serviço do Ramaldense conquistou inúmeros títulos nacionais, a saber 3 Campeonatos Nacionais de Juniores, 14 Campeonatos Nacionais de Seniores, 7 Taças de Portugal, 2 Supertaças, uma Taça Luso Galaica, uma Taça Luso e um Torneio Internacional disputado em Londres. Contas feitas, este ícone venceu quase metade dos campeonatos nacionais a nível sénior que o histórico clube detém no seu palmarés (33), para ser mais exatos), venceu 7 das 10 Taças de Portugal que os tricolores arrecadaram ao longo da sua história, venceu 2 das 4 supertaças que a coletividade detém nas suas vitrinas, e marcou presença nos dois títulos internacionais que este emblema venceu.

Jorge Pinho, atualmente com 65 anos, é pois um histórico do clube, um guardião da história deste centenário e popular emblema e foi com ele que estivemos à conversa neste dia tão especial para o Ramaldense.

ENTREVISTA

Jorge Pinho com as cores 
do Ramaldense e da seleção nacional
Jorge Pinho: lenda do hóquei em campo do Ramaldense recorda alguns episódios de uma história que ajudou a escrever

Museu Virtual do Desporto Português (MVDP): O Jorge Pinto foi um dos muitos ícones da história do hóquei em campo do Ramaldense, e nesse sentido como explica o facto da freguesia de Ramalde ter uma ligação e uma paixão tão forte com a modalidade, e ao mesmo tempo um viveiro de tantos campeões?

Jorge Pinho (JP): A freguesia tem uma forte paixão pela modalidade, porque viu no Ramaldense um expoente máximo no desporto da terra e na divulgação da própria freguesia, tanto a nível nacional como internacional. E com os resultados a aparecerem, como os títulos de campeões nacionais, os jovens começaram a gostar da modalidade e vinham para o clube no sentido de a praticar, embora na altura só havia competição a nível de juniores e seniores.



MVDP: No seu caso concreto, quando e como despertou o interesse pelo hóquei em campo?

JP: No meu caso o interesse pela modalidade deu-se por mero acaso, ou seja, eu praticava futebol no escalão de juvenis, também no Ramaldense, e certo dia, um sábado, estava a ver um treino dos juniores do hóquei e faltava um elemento para formar duas equipas. Então o treinador, que era meu vizinho, e jogador dos seniores ma equipa de hóquei, pediu-me para fazer uma "perninha" com o intuito de para perfazer os 11 elementos. No final do treino disse que eu tinha muito jeito para aquilo e perguntou-me se queria jogar. Como eu na altura estava a jogar futebol disse-lhe que não. Passado um mês acabou campeonato de futebol e o senhor Arlindo Silva, que era o treinador dos juniores de hóquei, ao passar na minha porta disse-me que já tinha acabado o campeonato de futebol, e voltou a perguntar se eu queria ir jogar hóquei, ao que eu aceitei o convite. Pediu-me para levar duas fotos tipo passe, e nesse mesmo dia, uma quarta-feira, fui inscrito no Ramaldense, tendo no sábado seguinte já participado na final do Torneio de Início de juniores, contra o FC Porto, na condição de como suplente, tendo entrado na segunda parte desse  jogo. Desde aí fui sempre titular da equipa na posição de defesa direito. E foi assim que o meu interesse pela modalidade.

MVDP: Quem eram os grandes ídolos da altura em que o Jorge Pinho ficou ligado à modalidade do Ramaldense, ou seja, quem eram os grandes jogadores do clube que admirava enquanto jovem e sonhava seguir as pisadas?

JP: A equipa sénior estava recheada de muitos bons jogadores, mas tinha alguns que admirava, como era o caso do senhor Arlindo Silva, do senhor João, do senhor António  Pereira, do Coelho, do Nelo, sendo que mais tarde fui colega de equipa destes dois últimos jogadores no escalão de seniores.

MVDP: Sempre que o Ramaldense atuava em casa, o campo estava cheio. Como se explica esta paixão de Ramalde pelo clube e pelo hóquei?

JP: Eram pessoas que nos acompanhavam para todo o lado, inclusive para Lisboa, sempre que íamos participar no Campeonato Nacional. Faziam-se excursões com várias camionetas e a paixão tornou-se grande, derivado aos êxitos da equipa, que além de ter bons praticantes tinha atletas muito unidos e com muita raça, e que foram criando laços de amizade ao longo do tempo com a massa associativa. E daí, na minha opinião, a razão desta paixão pelo hóquei em campo em Ramalde.

MVDP: Qual foi o segredo do clube para o facto de ter obtido tanto sucesso nesta modalidade em particular?

JP: Principalmente o espírito de sacrifício, enquanto as outras equipas pouco treinavam, nós, Ramaldense, era-mos a equipa que mais treinava. Depois, a união, pois todos os jogadores eram de Ramalde. A amizade, o facto de sermos "um por todos, e todos por um", e acima de tudo a raça que todos tínhamos ajuda a explicar esse segredo do sucesso.

MVDP: Há então de certa forma uma mística associada a este sucesso que passou de década em década?

JP: Essa mística passava de geração em geração, e em alguns casos de pais para filhos, que já desde pequeninos acompanhavam os pais para os treinos e para os jogos. E daí ficavam a amar a modalidade e o clube.

MVDP: Sendo o Jorge Pinho um profundo conhecedor da história do clube, no que ao hóquei diz respeito, pensa que há alguma geração do Ramaldense que possa ter sido considerada a maior de sempre? Isto tendo em conta que o Ramaldense conquistou títulos nacionais em décadas distintas, desde 50, 60, 70 e 80, décadas em que o clube teve uma hegemonia a nível nacional.

JP: Sim, a geração das épocas de 70 e 80, onde me englobo, em que a equipa sénior era constituída por jogadores muito jovens que subiram da equipa júnior ao longo dos anos, o que permitiu termos uma equipa constituída sempre pelos mesmos jogadores.

MVDP: Com cerca de 90 anos de atividade, ou seja desde 1932, a secção de hóquei do clube produziu dezenas de craques. Algum destes na sua opinião, pode ser considerado o melhor jogador português de sempre? Ou os melhores da história?

JP: O Ramaldense para mim sempre teve muitos bons jogadores. No entanto, saliento um, do qual fui colega desde os juniores até ao fim da minha carreira, que era o João Batista, um jogador veloz, com uma técnica extraordinária, fora do normal, e um jogador com muito conhecimento de hóquei em campo.

MVDP: O nome de Alberto José Guimarães está para sempre ligado ao hóquei do Ramaldense. Ele foi o primeiro e grande impulsionador da modalidade dentro do clube. Chegou a conhecê-lo?

JP: Sim, cheguei a conhecer e a conviver com esse grande senhor, o Alberto Guimarães, tanto na vida desportiva, como na vida social. Era uma pessoa extraordinária, amigo do seu amigo, que nada deixava faltar ao hóquei do clube, dentro das suas possibilidades. Mas era também uma pessoa muito correta e exigente no termo disciplinar com os jogadores. Se o pudesse definir numa só palavra diria que era: Extraordinário.

Jorge Pinho, uma lenda 
do Ramaldense
MVDP: Ao longo da sua história o hóquei em campo do Ramaldense viveu inúmeros momentos inesquecíveis. O Jorge Pinho esteve em muitos deles. Nesse sentido pergunto-lhe quais os momentos mais marcantes da vida do clube no âmbito desta modalidade?

JP: Tive de facto vários momentos marcantes, tanto pela positiva, como pela negativa. Pela negativa recordo um célebre jogo no campo de treinos do Estádio da Luz, com o Benfica, onde tememos pela nossa vida. Foi após o 25 de Abril, numa altura em que se criou uma guerra norte-sul em termos futebolísticos. Sempre que o FC Porto ia ao sul as camionetas dos portistas eram apedrejadas, e quando o Benfica vinha ao Porto era o contrário, as camionetas dos adeptos benfiquistas eram apedrejadas. Nós, num desses jogos em que fomos a casa do Benfica, na semana anterior as camionetas dos adeptos benfiquistas tinham sido apedrejadas no Porto. Ora, como éramos do Porto cidade a vingança foi sobre a nossa equipa. Lembro-me que ainda a caminho dos balneários fomos autenticamente bombardeados com pedras, e quem nos valeu na altura foi o grande Humberto Coelho, que ainda jogava futebol, e que estava a almoçar no restaurante do Benfica. Então, ele viu os jogadores do clube que o viu nascer para o futebol serem apedrejados, e de pronto abriu as portas do restaurante para que nos pudéssemos refugiar no interior do mesmo. Nessa altura o presidente do Benfica era o senhor Fernando Martins, que depois nos pediu imensa desculpa pelos atos dos seus adeptos. Pela positiva lembro-me de um celebre campeonato nacional em que as equipas de Lisboa se recusaram a participar devido a divergências com a Federação Portuguesa de Hóquei e o campeonato foi disputado com duas equipas: o FC Porto e o Ramaldense, a duas mãos. Na primeira mão, no Campo da Constituição, ficou 0-0. Na segunda mão, qualquer equipa teria que vencer para ser campeão nacional. Ao intervalo perdíamos por 1-0. O meu saudoso pai, que também era um adepto ferrenho do clube e da modalidade, foi ao balneário e disse-nos a todos: "Malta, se vocês derem a volta ao resultado e ganharem o jogo ofereço um almoço e um lanche em Vale de Cambra para todos os atletas e dirigentes". Então um dos nossos colegas de campo diz-lhe: "Marque já o dia que vamos dar a vota já a isto". Passados 10 minutos já ganhávamos por 2-1, tendo-nos tornados mais uma vez campeões nacionais e o dito almoço e lanche foi realizado. Marcou-me bastante pela positiva esta nossa atitude e raça para dar a volta ao resultado.

MVDP: E qual foi seu momento mais marcante vivido com a camisola do Ramaldense?

JP: Outro dos momentos mais marcantes, foi em pleno jogo com o GD Viso, para a Taça de Portugal, o falecimento do nosso chefe de secção, o senhor Camilo Batista, pois era um sofredor pelo seu Ramaldense, e um leixonense de gema. Ele tinha problemas cardíacos, e estávamos sempre a dizer-lhe para ter calma porque um dia ainda morria no nosso meio. Ele dizia sempre que se assim fosse morria no meio de quem gostava. Quis o destino que isso sucedesse mesmo. No meio do seu Ramaldense e no campo do seu Leixões. Outro momento também inesquecível vivido com a camisola do Ramaldense foi um 3º. lugar conquistado na Taça dos Campeões Europeus, em Belfast, na Irlanda do Norte

MVDP: O poderio do hóquei em campo nacional sempre esteve no norte, e no Porto em particular. Como explica esta tendência?

JP: No norte sempre existiu maior poderio porque havia maior gosto pela modalidade e empenho pela mesma. Havia muito mais praticantes e muitas mais equipas, em relação ao sul, onde na altura havia uma equipa também com muito empenho pela modalidade, que era o Futebol Benfica.

MVDP: Ainda por falar do hóquei jogado a norte, o FC Porto sempre foi o vosso maior rival Havia um gosto especial vencer o vizinho da Cidade Invicta, quer fosse num jogo ou simplesmente ter "roubado" um campeonato?

JP: Sim, havia sempre uma grande rivalidade entre as duas equipas, porque geralmente eram duas as melhores, e o FC Porto vinha sempre buscar jogadores ao Ramaldense. Portanto, havia sempre aquela rivalidade de jogar colega contra colega, mas neste caso com camisolas diferentes.

MVDP:  Há algum dérbi portuense que ainda se recorda por algum momento mais especial ou que lhe tivesse ficado gravado na memória?

JP: Sim, recordo um GD Viso-Ramaldense, disputado em Vila Nova da Telha, em que em numa disputa de uma bola com um adversário, devido ao poderio físico dele, em relação a mim, mas sem maldade alguma, num ombro a ombro na disputa de uma bola cai e bati com a cabeça. Continuei a jogar e no fim do jogo fui parar ao hospital porque não me lembrava de nada. Nesse jogo vencemos por 1-0, mas felizmente nada de grave aconteceu.

MVDP: Enquanto crónico campeão nacional o Ramaldense participou algumas vezes na Taça dos Campeões Europeus da modalidade. O que guarda dessa competição com alguns dos melhores clubes da Europa no âmbito desta modalidade? Deu para aprender, para perceber que o nosso hóquei estava a "anos luz" do que praticava lá fora, ou pelo contrário...

JP:  Por diversas vezes fomos participar nas provas europeias. Claro que sempre que nos deslocávamos a essas competições à partida já íamos inferiorizados, pois o nosso hóquei era disputado em campos de terra, enquanto todos os nossos adversários jogavam em relvados propícios para a modalidade. Aprendemos muito ao jogarmos com adversários com estatuto superior ao nosso, mas ao longo dos anos já nos acostumávamos aos relvados e conseguimos até o tal 3.º lugar na Europa. Além disso, acho que foi uma mais valia para a modalidade em si.

MVDP: Olhando hoje para trás, do que tem mais saudades neste seu percurso pelo Ramaldense?

JP: A pratica da modalidade, a amizade, e o convívio entre todos nós, pois na nossa vida social estávamos quase sempre todos juntos. Éramos uma família tricolor.

MVDP:  Há alguma figura dentro do clube que o tenha marcado para a vida de certa forma?

JP: Sim, e muito, um senhor com S grande, de nome Arlindo Silva, que além de ser a pessoa que me impulsionou para a modalidade, era um exemplo e um autêntico Mestre, tanto na formação desportiva, como na formação de homens.

MVDP: O Jorge Pinho foi igualmente internacional por Portugal. Foi o seu ponto alto da carreira, ou teve outros com a camisola do Ramaldense?

JP: Sim, pelo clube tive imensos pontos altos que nunca irei esquecer. Desde os vários campeonatos nacionais conquistados, tanto de juniores como nos seniores, passando pelas conquistas de Taças de Portugal, das Supertaças, dos torneios internacionais. Mas o ponto mais alto da carreira de qualquer desportista não deixa de ser a seleção nacional, e eu não fujo a regra.

Jorge Pinho com as cores de Portugal
MVDP: Tem alguma história inesquecível com a camisola de Portugal?

JP: Com a camisola da seleção ficou-me gravado na memória o apuramento para a fase final do Campeonato da Europa de Sub-21, em Itália, mais propriamente em Turim. Eliminámos a Itália, por 2-1, sendo que estive envolvido nos dois golos da nossa seleção. Eliminámos ainda a França e depois de empatarmos a zero fomos apurados para a fase final, em Inglaterra. Também me ficou na memória a derrota de Portugal, em seniores, para o Campeonato da Europa, por 12-1, com a seleção da Bélgica, onde o jogo foi realizado a noite, e onde nunca tínhamos jogado, e em que foi um descalabro.

MVDP: Como é que vê o hóquei em campo de hoje comprado com o hóquei em campo do seu tempo?

JP: Hoje o hóquei em campo, é mais tecnicista, mais veloz derivado a todos jogarem em campos sintéticos. Mas na minha opinião acho que perdeu toda a beleza em si, ao serem modificadas muitas das regras existentes anteriormente. Há também muitas deslocações para disputar os diversos campeonatos, o que torna muito dispendiosa a modalidade, já que não há quase ajudas nenhumas das entidades, excetuando alguns casos. Clubes como o nosso não tinham ajudas, e daí a haver muito menos praticantes da modalidade a nível nacional. Resumindo, antigamente havia muitos praticantes, mas não havia condições para a pratica da modalidade, sendo que agora há condições (relvados sintéticos), mas não há é praticantes, e estas são as grandes diferenças entre o passado e o presente.

Uma das muitas equipas do Ramaldense campeãs nacionais 
com a ajuda de Jorge Pinho

MVDP: Para terminar, como vê hoje o hóquei em campo em Portugal e a modalidade no seio do Ramaldense e o que falta ao clube para voltar a ser a potência que foi no passado?

JP: Para tristeza minha o Ramaldense hoje não tem hóquei em campo, teve de suspender a modalidade. Como sabem somos um clube de bairro, mas histórico e fazemos hoje (5 de abril) 100 ANOS DE EXIXTÊNCIA. Vivemos da carolice das pessoas, embora com alguma ajuda da Junta de Freguesia de Ramalde. Não temos campo próprio, foi nos tirado. Antes jogávamos (hóquei) no sintético do Viso, mas derivado as (elevadas) verbas não podemos competir, já que eram os jogadores a suportar quase as despesas todas. Queríamos voltar a ser a maior potencia no hóquei em campo, se voltarmos a reativar o secção com a formação.