segunda-feira, 18 de setembro de 2023

O conto de fadas do pequeno Estrelas da Avenida escreveu-se há 25 anos


O que para muitos seria impensável (ou não!) aconteceu há precisamente 25 anos no universo do basquetebol nacional. Um pequeno clube lisboeta surpreendeu (ou não, lá está) o país basquetebolístico ao fazer a dobradinha na temporada de 97/98. Por outras palavras, sagrou-se campeão nacional e venceu a Taça de Portugal, os dois principais troféus do basket português. E este feito ainda hoje tem contornos de conto de fadas se atendermos ao facto de ter acontecido numa altura em que o Benfica, por exemplo, vivia o seu melhor período da história no âmbito desta modalidade, já que entre 1988 e 1995 havia sido sete vezes consecutivas campeão nacional sob a batuta de lendas como Pedro Miguel, Jean-Jacques, Carlos Seixas, Steve Rocha, ou o imortal Carlos Lisboa; mas também num período que via renascer o FC Porto como um gigante da modalidade, visto que nas duas temporadas anteriores a 97/98 os portistas interromperam o reinado benfiquista no que diz respeito ao campeonato nacional.

Não se pense, porém, que este pequeno clube da capital era um pobre coitado no então panorama do basquetebol português, nada disso, já que partiu para 97/98 nas asas de um grupo forte, talentoso, experiente e capaz de bater o pé a muito boa gente. Mas seria isso suficiente para alcançar o brilharete alcançado? Pelos vistos foi. 

Esta introdução serve para recordar a epopeia do Centro Recreativo Estrelas da Avenida, que em 97/98 escreveu a sua página de (maior) glória. Clube com fortes tradições no basquetebol, o Estrelas da Avenida concretizou na referida época a "ameaça" que vinha fazendo nos anos anteriores, ou seja, inscrever o seu nome no palmarés das principais competições nacionais. A primeira tentativa de o fazer havia sido em 85/86 quando o Estrelas, então na 2.ª Divisão Nacional, caiu aos pés do FC Porto na final da Taça de Portugal, por 119-76, numa final disputada em Coimbra. Uma temporada mais tarde o Estrelas da Avenida sobe à 1.ª Divisão Nacional e por uma "unha negra" não vence o título do segundo escalão, sucumbindo às mãos do Esgueira. Esta subida ao patamar mas elevado do basket nacional era então o maior feito de um clube que havia sido fundado apenas cerca de 10 anos antes - mais concretamente em abril de 1976 - e com apenas 600 associados! Rapidamente o clube da freguesia da Penha de França tornou-se querido e popular entre os lisboetas... e apetecido para muitos basquetebolistas de renome prosseguirem a sua carreira fora do "circuito" dos grandes clubes nacionais. Na entrada para os anos 90 o Estrelas consolidou-se como um clube de "primeira" (divisão) e passo a passo foi rumo ao sonho concretizado em 1998. E para agarrar o sonho o Estrelas da Avenida foi comandado por aquela que é provavelmente a melhor dupla de treinadores da história do basquetebol nacional, composta por Mário Palma (treinador-principal) e Mário Gomes (treinador-adjunto). Ambos tinham conduzido o Benfica à glória ao longo das seis temporadas anteriores. Tecnicamente bem comandado o clube da Penha de França contou nessa temporada, e como já referimos, com nomes sonantes do basket nacional, casos de Henrique Pina (base), Artur Cruz (extremo/poste), ou o brasileiro Flávio Nascimento (extremo), três nomes que enquanto antigos jogadores do Benfica comandado por Mário Palma haviam tido a experiência de ser campeões nacionais da 1.ª Divisão. A estes nomes juntavam-se, por exemplo, os espanhóis Joaquín Arcega (base/extremo) e Juan Barros (extremo/poste), que traziam consigo a qualidade do competitivo a nível internacional campeonato de Espanha, quiçá já então o melhor campeonato nacional a nível europeu. Além disso, qualquer equipa de basket que se preze tem de ter pelo menos um atleta norte-americano nos seus quadros para conferir qualidade e competitividade, ou não fosse os Estados Unidos da América a potência mundial do basket. Pois bem, o Estrelas da Avenida de 97/98 tinha três artistas norte-americanos de "primeira água", casos de Doug Muse (poste), Terrence Rayford (poste), e Wayne Englestad (extremo/poste). A estes nomes juntam-se os de Daniel Guedes (base), Arlindo Neves (base), Luís Simão (extremo), Roberto Silva (extremo), Alex Bento (base), Paulo Agostinho (extremo/poste), Paulo Simão (base/extremo) e Bruno Trinchante (extremo/poste), e eis que estamos perante o plantel que conduziu o Estrelas da Avenida à glória. 

Em termos mais concretos, o emblema lisboeta fez uma fase regular do campeonato nacional absolutamente brilhante, terminado esta primeira etapa no 3.º lugar, com 20 vitórias e 6 derrotas, e com 46 pontos, os mesmos que o segundo colocado e campeão nacional em título, o FC Porto, e apenas a um do primeiro classificado, a Oliveirense. Atrás do Estrelas vislumbravam-se potências do basquetebol nacional de então, casos do Benfica, da Portugal Telecom, ou da Ovarense. E seria precisamente diante de um projeto que viria dar frutos (títulos) nos anos seguintes que o Estrelas da Avenida deu início à sua caminhada na fase dos play-off. O clube da Penha de França vence a Portugal Telecom nos quartos de final desta fase a eliminar e marca encontro com o FC Porto na ronda seguinte. E o que se viu foi o campeão nacional em título vergar-se à magnífica equipa lisboeta, que no quinto e decisivo jogo da eliminatória venceu em Almada (a sua casa ao longo deste trajeto de glória) por 77-70, assegurando assim a presença na final do campeonato. 

Por esta altura, já muitos apontavam o Estrelas da Avenida como sério candidato ao título, já que no meio da eliminatória com os portistas os pupilos de Mário Palma haviam conquistado a Taça de Portugal, após derrotarem o Benfica por 87-86. Na final da 49.ª edição da taça, realizada no Pavilhão do Seixal, o Estrelas saiu para o intervalo em desvantagem, por 38-45, mas uma sensacional recuperação no segundo tempo assegurou a conquista do primeiro título de cariz nacional para o emblema da Penha de França. E seria pois com a moral em alta que os rapazes de Mário Palma chegaram à final do campeonato nacional, onde teriam como opositores a Ovarense. E tal como na meia-final dos play-off foi necessário um quinto e decisivo jogo para encontrar o campeão nacional, partida essa que o Estrelas iria vencer por 71-63 e carimbar assim o título. A partida decisiva foi disputada num Pavilhão de Almada completamente cheio, que testemunhou a conclusão de uma época de ouro para o emblema da capital. O Estrelas da Avenida que até entrou melhor nesta eliminatória final, conquistando duas vitórias nos dois primeiros jogos. Porém, a perda de uma das suas unidades mais influentes, o norte-americano Wayne Englestad, que acusou positivo num controlo anti-doping, fez a equipa de Mário Palma quebrar nos dois encontros seguintes, como se comprovam as vitórias da Ovarense e o consequente empate na eliminatória. Porém, na "negra" o Estrelas foi a equipa mais serena, menos tensa e que aguentou melhor a pressão, nas palavras do técnico Mário Palma, que desta forma vencia o seu sexto título de campeão nacional. "Ao longo da época fomos a melhor equipa", dizia Palma no rescaldo desta grande fábula em que David venceu (vários) Golias.