terça-feira, 19 de abril de 2022

Efemérides (6)... 3.º visconde de Reguengo brilha em Torneio de Tiro ao Pombo realizado em França

Os primórdios do desporto eram restritos à alta sociedade. Muitas foram as modalidades que no seu início eram único e exclusivamente praticadas pelas classes mais altas. Foi assim um pouco por todo o Mundo, sendo que Portugal não foi exceção.

Leva-nos isto e recordar uma efeméride em julho de 1910, altura em que um nobre português fez furor no estrangeiro num campeonato de tiro aos pombos, uma modalidade então muito em voga, tanto a nível nacional como internacional. O nosso campeão dava pelo nome de Jorge Frederico de Avilez (na imagem), o 3.º visconde de Reguengo, e deputado português durante a Monarquia Constitucional, então um dos mais ativos e entusiastas sportsman lusitanos daquele tempo. Reza então a história que na sua participação no Torneio de Tiro ao Pombo realizado em Aix-les-Bains, em França, o nobre bateu a concorrência no Grand Prix matando 21 pombos em 22. O visconde não se ficou por aqui, já que a sua pontaria afinada valeu-lhe ainda o 1.º lugar no Prix Tresserve, matando 8 pombos em 8; e outra 1.ª posição no Prix de Sierroz, matando 30 pombos em 32. A sua série em terras gaulesas foi então considerada a maior do Mundo!

terça-feira, 5 de abril de 2022

Ramaldense, o maior símbolo da história do hóquei em campo português que chegou aos 100 anos de existência

Apesar de pouco divulgada no nosso país, no que concerne à sua aparição na comunicação social, o hóquei em campo é uma modalidade que cativa um número digno de registo de praticantes e adeptos em Portugal. Sendo uma modalidade cujas origens remontam à Era antes de Cristo, pelo menos, tendo em conta que registos históricos descobertos em Atenas, mais concretamente uma gravura sobre o túmulo de Théristocles, datada do ano 500 a.C., em que são mostradas várias figuras a disputar um jogo com uma bola e um stick. No entanto, segundo dados mais concretos, apontam que o jogo tenha sido (re)criado pelos ingleses nos finais do século XIX, tendo o primeiro clube sido fundado em 1849, mais concretamente o Blackheath, na zona de South-east London. Ainda segundo a história, a modalidade era praticada em descampados, com bastões de madeira e bolas formadas por pedaços de borracha.

Como tantas outras modalidades também o hóquei em campo evoluiu com o passar dos anos, afirmando-se como desporto rei em muitos países, como o Paquistão ou a Índia, sendo ainda, segundo as estatísticas, a quarta modalidade mais praticada no Mundo.  

Portugal não tem acompanhado estes números, infelizmente, dirão os praticantes e amantes da modalidade em terras lusas, mas não deixa de ter a sua história, rica, e que hoje nos leva a abrir as portas deste Museu.

História do hóquei luso está umbilicalmente ligada ao Ramaldense

E a história do hóquei em campo português quase que se confunde com a de um clube, e que é hoje o motivo desta nossa viagem ao passado. Coletividade essa que faz hoje, dia 5 de abril, a bonita idade de 100 anos! É verdade, um século de existência ao serviço do desporto. E o nosso aniversariante dá pelo nome de Ramaldense Futebol Clube, um símbolo da cultura popular e do bairrismo portuense que viu a luz do dia a 5 de abril de 1922. Silva Neves, Santos Oleiro, Alberto Araújo, Cunhas e os irmãos Grilo estiveram na génese deste emblema que teve como berço a freguesia de Ramalde, na cidade do Porto, e que através do hóquei em campo fez conhecer o seu nome não só pelos quatro cantos do território nacional como igualmente em várias partes do Velho Continente. Foi o futebol, contudo, a dar a este emblema os seus primeiros anos de vida. Um emblema que deu os primeiros pontapés na bola num campo situado na Senhora da Hora, na Rua Joaquim Pinto, e que depois de mais alguns anos em que andou com a "casa às costas" se mudou para a sua freguesia natal e para o histórico Campo Alberto Araújo, situado na Rua do Pinheiro Manso, recinto hoje em dia extinto (desde 2009), mas onde ao longo de várias décadas se escreveu história.

Não só no futebol, onde nomes como Humberto Coelho ou André Villas Boas vestiram a mítica camisola tricolor (verde, vermelho e branca) do clube de Ramalde, mas sobretudo no hóquei em campo, onde este clube se tornou no maior de Portugal. Sim, o maior, não só porque ainda hoje detém, largamente, o maior número de títulos de campeão nacional, mas porque de igual modo foi berço de alguns dos maiores jogadores da história da modalidade no nosso país. Ao todo são 33 os títulos conquistados no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão (1954/55, 1956/57, 1957/58, 1959/60, 1960/61, 1962/63, 1964/65, 1965/66, 1966/67, 1969/70, 1970/71, 1971/72, 1972/73, 1973/74, 1974/75, 1976/77, 1977/78, 1979/80, 1980/81, 1981/82, 1982/83, 1983/84, 1984/85, 1985/86, 1987/88, 1988/89, 1989/90, 1998/99, 2000/01, 2001/02, 2002/03, 2003/04 e 2006/07), 10 Taças de Portugal (1982/83, 1983/84, 1984/85, 1985/86, 1987/88, 1990/91, 2001/02, 2003/04, 2006/07 e 2007/08), 4 Supertaças de Portugal (1998/99, 2000/01, 2002/03 e 2003/04), uma Taça Luso Galaica, entre muitas dezenas de títulos nacionais ao nível da formação.

Alberto José Guimarães, o impulsionador do hóquei ramaldense

No longínquo ano de 1932 estaria longe de imaginar a então jovem coletividade de Ramalde que seria o hóquei em campo a eternizar o seu nome na história do nosso desporto. Na então freguesia rural de Ramalde era comum a paixão pelo futebol jogado com bolas de trapo ser dividida pelo hóquei praticado com troços de couve e bolas improvisadas jogado em terrenos baldios. Um nome sobressaiu neste início de viagem rumo à glória, por assim dizer, no seio da modalidade. Alberto José Guimarães. Praticante desde o primeiro dia da modalidade no clube, ele viria a ser a partir de 1935 o principal dinamizador do hóquei em campo do Ramaldense, sendo a partir daqui e ao longo das décadas seguintes o chefe de secção. E mais do que isto, ele foi digamos que o guardião da mística que a coletividade construiu a partir dali e que permitiu fazer com que o Ramaldense seja ainda hoje o maior emblema da história do hóquei em campo luso. Alberto José Guimarães foi o impulsionador de uma paixão que contagiou centenas de atletas, treinadores e dirigentes ao longo de décadas a fio e sob o signo do amadorismo, em que muitas vezes pagavam do próprio bolso para jogar, para viajar de modo a defender o clube fora da sua região.

Mas, a paixão pelo clube, pelo hóquei, superavam tudo, e muitas vezes o Ramaldense lá improvisava alguma fonte de receita para custear despesas, um sorteio de qualquer coisa, por exemplo.

A mística foi passando de geração em geração, foi sendo traduzida em êxitos desportivos, formando novos atletas numa freguesia que foi respirando hóquei por todos os seus cantos, com quase todos os meninos a improvisarem renhidos jogos com os tais troços de couve. Nomes como Arlindo Silva, João Batista, Jorge Pinho, Litos, Armando, Coelho, Nelo, Agostinho, Rui Resende, Berto Pereira, Vítor Moutinho, Terrinha, entre tantos, mas tantos outros que ajudaram a escrever esta história de glória.

Mas para falar desta história, ou de um bocadinho desta história, nada melhor do que ouvir alguém que não só a viveu de perto, mas como também ajudou a escrevê-la.

E esse alguém é tão somente uma das maiores glórias não só do clube como do próprio hóquei em campo português, de seu nome Jorge Pinto.

Num breve registo biográfico, dizer que esta lenda da modalidade no nosso iniciou-se no hóquei em campo aos 15 anos de idade, estando a ele ligado como jogador ate aos 43 anos, sempre defendendo as cores do histórico Ramaldense. Foi 10 vezes internacional sub-21 pela seleção nacional, tendo participado num Campeonato da Europa neste escalão. Pelo combinado nacional de seniores vestiu a camisola em oito ocasiões, tendo disputado um Campeonato da Europa.

Ao serviço do Ramaldense conquistou inúmeros títulos nacionais, a saber 3 Campeonatos Nacionais de Juniores, 14 Campeonatos Nacionais de Seniores, 7 Taças de Portugal, 2 Supertaças, uma Taça Luso Galaica, uma Taça Luso e um Torneio Internacional disputado em Londres. Contas feitas, este ícone venceu quase metade dos campeonatos nacionais a nível sénior que o histórico clube detém no seu palmarés (33), para ser mais exatos), venceu 7 das 10 Taças de Portugal que os tricolores arrecadaram ao longo da sua história, venceu 2 das 4 supertaças que a coletividade detém nas suas vitrinas, e marcou presença nos dois títulos internacionais que este emblema venceu.

Jorge Pinho, atualmente com 65 anos, é pois um histórico do clube, um guardião da história deste centenário e popular emblema e foi com ele que estivemos à conversa neste dia tão especial para o Ramaldense.

ENTREVISTA

Jorge Pinho com as cores 
do Ramaldense e da seleção nacional
Jorge Pinho: lenda do hóquei em campo do Ramaldense recorda alguns episódios de uma história que ajudou a escrever

Museu Virtual do Desporto Português (MVDP): O Jorge Pinto foi um dos muitos ícones da história do hóquei em campo do Ramaldense, e nesse sentido como explica o facto da freguesia de Ramalde ter uma ligação e uma paixão tão forte com a modalidade, e ao mesmo tempo um viveiro de tantos campeões?

Jorge Pinho (JP): A freguesia tem uma forte paixão pela modalidade, porque viu no Ramaldense um expoente máximo no desporto da terra e na divulgação da própria freguesia, tanto a nível nacional como internacional. E com os resultados a aparecerem, como os títulos de campeões nacionais, os jovens começaram a gostar da modalidade e vinham para o clube no sentido de a praticar, embora na altura só havia competição a nível de juniores e seniores.



MVDP: No seu caso concreto, quando e como despertou o interesse pelo hóquei em campo?

JP: No meu caso o interesse pela modalidade deu-se por mero acaso, ou seja, eu praticava futebol no escalão de juvenis, também no Ramaldense, e certo dia, um sábado, estava a ver um treino dos juniores do hóquei e faltava um elemento para formar duas equipas. Então o treinador, que era meu vizinho, e jogador dos seniores ma equipa de hóquei, pediu-me para fazer uma "perninha" com o intuito de para perfazer os 11 elementos. No final do treino disse que eu tinha muito jeito para aquilo e perguntou-me se queria jogar. Como eu na altura estava a jogar futebol disse-lhe que não. Passado um mês acabou campeonato de futebol e o senhor Arlindo Silva, que era o treinador dos juniores de hóquei, ao passar na minha porta disse-me que já tinha acabado o campeonato de futebol, e voltou a perguntar se eu queria ir jogar hóquei, ao que eu aceitei o convite. Pediu-me para levar duas fotos tipo passe, e nesse mesmo dia, uma quarta-feira, fui inscrito no Ramaldense, tendo no sábado seguinte já participado na final do Torneio de Início de juniores, contra o FC Porto, na condição de como suplente, tendo entrado na segunda parte desse  jogo. Desde aí fui sempre titular da equipa na posição de defesa direito. E foi assim que o meu interesse pela modalidade.

MVDP: Quem eram os grandes ídolos da altura em que o Jorge Pinho ficou ligado à modalidade do Ramaldense, ou seja, quem eram os grandes jogadores do clube que admirava enquanto jovem e sonhava seguir as pisadas?

JP: A equipa sénior estava recheada de muitos bons jogadores, mas tinha alguns que admirava, como era o caso do senhor Arlindo Silva, do senhor João, do senhor António  Pereira, do Coelho, do Nelo, sendo que mais tarde fui colega de equipa destes dois últimos jogadores no escalão de seniores.

MVDP: Sempre que o Ramaldense atuava em casa, o campo estava cheio. Como se explica esta paixão de Ramalde pelo clube e pelo hóquei?

JP: Eram pessoas que nos acompanhavam para todo o lado, inclusive para Lisboa, sempre que íamos participar no Campeonato Nacional. Faziam-se excursões com várias camionetas e a paixão tornou-se grande, derivado aos êxitos da equipa, que além de ter bons praticantes tinha atletas muito unidos e com muita raça, e que foram criando laços de amizade ao longo do tempo com a massa associativa. E daí, na minha opinião, a razão desta paixão pelo hóquei em campo em Ramalde.

MVDP: Qual foi o segredo do clube para o facto de ter obtido tanto sucesso nesta modalidade em particular?

JP: Principalmente o espírito de sacrifício, enquanto as outras equipas pouco treinavam, nós, Ramaldense, era-mos a equipa que mais treinava. Depois, a união, pois todos os jogadores eram de Ramalde. A amizade, o facto de sermos "um por todos, e todos por um", e acima de tudo a raça que todos tínhamos ajuda a explicar esse segredo do sucesso.

MVDP: Há então de certa forma uma mística associada a este sucesso que passou de década em década?

JP: Essa mística passava de geração em geração, e em alguns casos de pais para filhos, que já desde pequeninos acompanhavam os pais para os treinos e para os jogos. E daí ficavam a amar a modalidade e o clube.

MVDP: Sendo o Jorge Pinho um profundo conhecedor da história do clube, no que ao hóquei diz respeito, pensa que há alguma geração do Ramaldense que possa ter sido considerada a maior de sempre? Isto tendo em conta que o Ramaldense conquistou títulos nacionais em décadas distintas, desde 50, 60, 70 e 80, décadas em que o clube teve uma hegemonia a nível nacional.

JP: Sim, a geração das épocas de 70 e 80, onde me englobo, em que a equipa sénior era constituída por jogadores muito jovens que subiram da equipa júnior ao longo dos anos, o que permitiu termos uma equipa constituída sempre pelos mesmos jogadores.

MVDP: Com cerca de 90 anos de atividade, ou seja desde 1932, a secção de hóquei do clube produziu dezenas de craques. Algum destes na sua opinião, pode ser considerado o melhor jogador português de sempre? Ou os melhores da história?

JP: O Ramaldense para mim sempre teve muitos bons jogadores. No entanto, saliento um, do qual fui colega desde os juniores até ao fim da minha carreira, que era o João Batista, um jogador veloz, com uma técnica extraordinária, fora do normal, e um jogador com muito conhecimento de hóquei em campo.

MVDP: O nome de Alberto José Guimarães está para sempre ligado ao hóquei do Ramaldense. Ele foi o primeiro e grande impulsionador da modalidade dentro do clube. Chegou a conhecê-lo?

JP: Sim, cheguei a conhecer e a conviver com esse grande senhor, o Alberto Guimarães, tanto na vida desportiva, como na vida social. Era uma pessoa extraordinária, amigo do seu amigo, que nada deixava faltar ao hóquei do clube, dentro das suas possibilidades. Mas era também uma pessoa muito correta e exigente no termo disciplinar com os jogadores. Se o pudesse definir numa só palavra diria que era: Extraordinário.

Jorge Pinho, uma lenda 
do Ramaldense
MVDP: Ao longo da sua história o hóquei em campo do Ramaldense viveu inúmeros momentos inesquecíveis. O Jorge Pinho esteve em muitos deles. Nesse sentido pergunto-lhe quais os momentos mais marcantes da vida do clube no âmbito desta modalidade?

JP: Tive de facto vários momentos marcantes, tanto pela positiva, como pela negativa. Pela negativa recordo um célebre jogo no campo de treinos do Estádio da Luz, com o Benfica, onde tememos pela nossa vida. Foi após o 25 de Abril, numa altura em que se criou uma guerra norte-sul em termos futebolísticos. Sempre que o FC Porto ia ao sul as camionetas dos portistas eram apedrejadas, e quando o Benfica vinha ao Porto era o contrário, as camionetas dos adeptos benfiquistas eram apedrejadas. Nós, num desses jogos em que fomos a casa do Benfica, na semana anterior as camionetas dos adeptos benfiquistas tinham sido apedrejadas no Porto. Ora, como éramos do Porto cidade a vingança foi sobre a nossa equipa. Lembro-me que ainda a caminho dos balneários fomos autenticamente bombardeados com pedras, e quem nos valeu na altura foi o grande Humberto Coelho, que ainda jogava futebol, e que estava a almoçar no restaurante do Benfica. Então, ele viu os jogadores do clube que o viu nascer para o futebol serem apedrejados, e de pronto abriu as portas do restaurante para que nos pudéssemos refugiar no interior do mesmo. Nessa altura o presidente do Benfica era o senhor Fernando Martins, que depois nos pediu imensa desculpa pelos atos dos seus adeptos. Pela positiva lembro-me de um celebre campeonato nacional em que as equipas de Lisboa se recusaram a participar devido a divergências com a Federação Portuguesa de Hóquei e o campeonato foi disputado com duas equipas: o FC Porto e o Ramaldense, a duas mãos. Na primeira mão, no Campo da Constituição, ficou 0-0. Na segunda mão, qualquer equipa teria que vencer para ser campeão nacional. Ao intervalo perdíamos por 1-0. O meu saudoso pai, que também era um adepto ferrenho do clube e da modalidade, foi ao balneário e disse-nos a todos: "Malta, se vocês derem a volta ao resultado e ganharem o jogo ofereço um almoço e um lanche em Vale de Cambra para todos os atletas e dirigentes". Então um dos nossos colegas de campo diz-lhe: "Marque já o dia que vamos dar a vota já a isto". Passados 10 minutos já ganhávamos por 2-1, tendo-nos tornados mais uma vez campeões nacionais e o dito almoço e lanche foi realizado. Marcou-me bastante pela positiva esta nossa atitude e raça para dar a volta ao resultado.

MVDP: E qual foi seu momento mais marcante vivido com a camisola do Ramaldense?

JP: Outro dos momentos mais marcantes, foi em pleno jogo com o GD Viso, para a Taça de Portugal, o falecimento do nosso chefe de secção, o senhor Camilo Batista, pois era um sofredor pelo seu Ramaldense, e um leixonense de gema. Ele tinha problemas cardíacos, e estávamos sempre a dizer-lhe para ter calma porque um dia ainda morria no nosso meio. Ele dizia sempre que se assim fosse morria no meio de quem gostava. Quis o destino que isso sucedesse mesmo. No meio do seu Ramaldense e no campo do seu Leixões. Outro momento também inesquecível vivido com a camisola do Ramaldense foi um 3º. lugar conquistado na Taça dos Campeões Europeus, em Belfast, na Irlanda do Norte

MVDP: O poderio do hóquei em campo nacional sempre esteve no norte, e no Porto em particular. Como explica esta tendência?

JP: No norte sempre existiu maior poderio porque havia maior gosto pela modalidade e empenho pela mesma. Havia muito mais praticantes e muitas mais equipas, em relação ao sul, onde na altura havia uma equipa também com muito empenho pela modalidade, que era o Futebol Benfica.

MVDP: Ainda por falar do hóquei jogado a norte, o FC Porto sempre foi o vosso maior rival Havia um gosto especial vencer o vizinho da Cidade Invicta, quer fosse num jogo ou simplesmente ter "roubado" um campeonato?

JP: Sim, havia sempre uma grande rivalidade entre as duas equipas, porque geralmente eram duas as melhores, e o FC Porto vinha sempre buscar jogadores ao Ramaldense. Portanto, havia sempre aquela rivalidade de jogar colega contra colega, mas neste caso com camisolas diferentes.

MVDP:  Há algum dérbi portuense que ainda se recorda por algum momento mais especial ou que lhe tivesse ficado gravado na memória?

JP: Sim, recordo um GD Viso-Ramaldense, disputado em Vila Nova da Telha, em que em numa disputa de uma bola com um adversário, devido ao poderio físico dele, em relação a mim, mas sem maldade alguma, num ombro a ombro na disputa de uma bola cai e bati com a cabeça. Continuei a jogar e no fim do jogo fui parar ao hospital porque não me lembrava de nada. Nesse jogo vencemos por 1-0, mas felizmente nada de grave aconteceu.

MVDP: Enquanto crónico campeão nacional o Ramaldense participou algumas vezes na Taça dos Campeões Europeus da modalidade. O que guarda dessa competição com alguns dos melhores clubes da Europa no âmbito desta modalidade? Deu para aprender, para perceber que o nosso hóquei estava a "anos luz" do que praticava lá fora, ou pelo contrário...

JP:  Por diversas vezes fomos participar nas provas europeias. Claro que sempre que nos deslocávamos a essas competições à partida já íamos inferiorizados, pois o nosso hóquei era disputado em campos de terra, enquanto todos os nossos adversários jogavam em relvados propícios para a modalidade. Aprendemos muito ao jogarmos com adversários com estatuto superior ao nosso, mas ao longo dos anos já nos acostumávamos aos relvados e conseguimos até o tal 3.º lugar na Europa. Além disso, acho que foi uma mais valia para a modalidade em si.

MVDP: Olhando hoje para trás, do que tem mais saudades neste seu percurso pelo Ramaldense?

JP: A pratica da modalidade, a amizade, e o convívio entre todos nós, pois na nossa vida social estávamos quase sempre todos juntos. Éramos uma família tricolor.

MVDP:  Há alguma figura dentro do clube que o tenha marcado para a vida de certa forma?

JP: Sim, e muito, um senhor com S grande, de nome Arlindo Silva, que além de ser a pessoa que me impulsionou para a modalidade, era um exemplo e um autêntico Mestre, tanto na formação desportiva, como na formação de homens.

MVDP: O Jorge Pinho foi igualmente internacional por Portugal. Foi o seu ponto alto da carreira, ou teve outros com a camisola do Ramaldense?

JP: Sim, pelo clube tive imensos pontos altos que nunca irei esquecer. Desde os vários campeonatos nacionais conquistados, tanto de juniores como nos seniores, passando pelas conquistas de Taças de Portugal, das Supertaças, dos torneios internacionais. Mas o ponto mais alto da carreira de qualquer desportista não deixa de ser a seleção nacional, e eu não fujo a regra.

Jorge Pinho com as cores de Portugal
MVDP: Tem alguma história inesquecível com a camisola de Portugal?

JP: Com a camisola da seleção ficou-me gravado na memória o apuramento para a fase final do Campeonato da Europa de Sub-21, em Itália, mais propriamente em Turim. Eliminámos a Itália, por 2-1, sendo que estive envolvido nos dois golos da nossa seleção. Eliminámos ainda a França e depois de empatarmos a zero fomos apurados para a fase final, em Inglaterra. Também me ficou na memória a derrota de Portugal, em seniores, para o Campeonato da Europa, por 12-1, com a seleção da Bélgica, onde o jogo foi realizado a noite, e onde nunca tínhamos jogado, e em que foi um descalabro.

MVDP: Como é que vê o hóquei em campo de hoje comprado com o hóquei em campo do seu tempo?

JP: Hoje o hóquei em campo, é mais tecnicista, mais veloz derivado a todos jogarem em campos sintéticos. Mas na minha opinião acho que perdeu toda a beleza em si, ao serem modificadas muitas das regras existentes anteriormente. Há também muitas deslocações para disputar os diversos campeonatos, o que torna muito dispendiosa a modalidade, já que não há quase ajudas nenhumas das entidades, excetuando alguns casos. Clubes como o nosso não tinham ajudas, e daí a haver muito menos praticantes da modalidade a nível nacional. Resumindo, antigamente havia muitos praticantes, mas não havia condições para a pratica da modalidade, sendo que agora há condições (relvados sintéticos), mas não há é praticantes, e estas são as grandes diferenças entre o passado e o presente.

Uma das muitas equipas do Ramaldense campeãs nacionais 
com a ajuda de Jorge Pinho

MVDP: Para terminar, como vê hoje o hóquei em campo em Portugal e a modalidade no seio do Ramaldense e o que falta ao clube para voltar a ser a potência que foi no passado?

JP: Para tristeza minha o Ramaldense hoje não tem hóquei em campo, teve de suspender a modalidade. Como sabem somos um clube de bairro, mas histórico e fazemos hoje (5 de abril) 100 ANOS DE EXIXTÊNCIA. Vivemos da carolice das pessoas, embora com alguma ajuda da Junta de Freguesia de Ramalde. Não temos campo próprio, foi nos tirado. Antes jogávamos (hóquei) no sintético do Viso, mas derivado as (elevadas) verbas não podemos competir, já que eram os jogadores a suportar quase as despesas todas. Queríamos voltar a ser a maior potencia no hóquei em campo, se voltarmos a reativar o secção com a formação.