terça-feira, 5 de julho de 2022

A primeira digressão internacional dos Harlem Globetrotters teve Portugal como ponto de partida

Harlem Globetrotters atuando no Porto
ante o Vasco da Gama
Eles são um misto de entertainers e representantes do melhor basquetebol do Mundo - o dos Estados Unidos da América -, e que viajam pelo planeta precisamente para fazer apresentações performáticas da modalidade. Eles são os Harlem Globetrotters, uma equipa de basquetebol norte-americana, e que para muitos experts do basket é tão somente a melhor equipa do Mundo, combinando mestria com malabarismos, e que - segundo o wikipedia - até 2010 contabilizava mais de 25 mil apresentações em 118 países desde que iniciaram as digressões internacionais em 1950.

E quis o destino que Portugal fosse o primeiro país a receber os magos, ou ilusionistas, se preferirem, do basket planetário. Estávamos em maio de 1950 quando os melhores basquetebolistas do Mundo aterraram no nosso país para aqui iniciarem uma digressão que iria durar até 1962! Estava assim colocada em marcha a ideia do inglês Abe Saperstein, o proprietário dos Harlem Globetrotters, que quis conquistar o mercado europeu através desta equipa que nasceu oficialmente em Chicago no ano de 1927, e que tinha como característica distintiva o facto de ser composta exclusivamente por jogadores negros excluídos das ligas profissionais. Nesta altura a fama dos jogadores afro-americanos que exibiam os seus dotes de basquetebolistas nos playgrounds - quadras de rua - norte-americanos, sobretudo na região de Nova Iorque, era enorme, sendo ali criado um festival de verão organizado pelo bairro negro de Harlem, que se viria a tornar extremamente popular em todo o país com o passar dos anos. Nesse sentido, Abe Saperstein escolheu esse nome para a sua equipa, para indicar claramente que se tratava de um conjunto formado por atletas negros, e que seriam uma espécie de globetrotters, isto é, que jogariam por todo o território dos Estados Unidos da América, o berço do basquetebol. Durante suas viagens, os Harlem Globetrotters demonstraram sistematicamente a sua superioridade sobre os conjuntos compostos por atletas brancos, sendo que a título de exemplo, em 1948 e 1949, venceram por duas ocasiões os Minneapolis Lakers, que eram nada mais nada menos do que os campeões da mais famosa liga de basquetebol do Mundo, a National Basketball Association (NBA).

E depois de conquista a América, Abe Saperstein quis conquistar o resto do planeta com esta sua equipa, iniciando então a digressão internacional no nosso país, que até então só os tinha visto na tela do cinema.

A presença dos mágicos do basket norte-americano mereceu, como é óbvio, redobradas atenções por parte da imprensa nacional, em especial da desportiva, que escreveu algumas páginas sobre esta (hoje) histórica visita. Para muitos parecia um sonho, como escreveu o jornalista Rodrigues Teles, na revista Stadium. O sonho de ver os melhores basquetebolistas do Mundo a atuar no nosso país, um sonho que na verdade se viria a tornar em realidade. «Os americanos do basquetebol, os americanos brancos e os americanos pretos, que nos maravilharam através de uma curiosa exibição cinematográfica, apresentaram-se entre nós, "carne e osso", e demonstraram-nos que todas as suas fantasias são deste Mundo, que não há o mínimo exagero no que vimos no "ecran". Foram tudo - e mais alguma coisa ainda. Talvez o verdadeiro amador do basquetebol puro, embora gostando muitíssimo do malabarismo e da arte americana, achasse que o espectáculo "era mais de circo". Talvez. Quanto a nós, porém, o eapectáculo de que foram especiais comparsas os negros dos Harlem Globe Trotteres, revelou-nos a excepecional categoria destes atletas, o apuro extraordinário a que chegaram, a maneira simples como enfeitam uma jogada - fazendo desporto».

A vinda dos norte-americanos a Portugal não se restringiu à capital, já que também o Porto (onde enfrentaram um seleção do norte e o Vasco da Gama) e Coimbra ficaram deslumbrados com o virtuosismo dos  Harlem Globetrotters, que se faziam acompanhar nesta tourné pela equipa dos All Stars of America.

Os astros norte-americanos em Portugal
Perante pavilhões repletos, nas três cidades lusas, os norte-americanos «são quase infantis, autênticas crianças, sorrindo sem amesquinhar, brincando sem diminuir uma só vez o adversário. (...) São artistas de rara categoria», escrevia Rodrigues Teles nesta sua reportagem, descrevendo mais à frente os jogadores que mais o impressionaram, entre outros um tal de Marques Haines, um luso-americano «que esconde a bola, que joga com os joelhos colados ao chão, que passa o esférico por baixo das pernas, tocando-lhe com os dedos como se estivessem carregados de electricidade».

O jornalista dava ainda conta que a vinda destes astros a Portugal havia resultado de um convite do Sporting, que se associou ao Vasco da Gama (do Porto) e da Académica de Coimbra para organizar os jogos/exibições nas três urbes portuguesas.

Tempo houve ainda para Rodrigues Teles trocar algumas palavras com os malabaristas do basquetebol, como lhes chamou, no sentido de os conhecer um pouco melhor.   

Marques Haines,
luso-americano dos Harlem
Por exemplo, de Haynes, um dos craques dos Harlem Globetrotters, soube que para este atleta fazer parte dos Harlem era uma honra extraordinária, explicando este atleta que o contrato com a equipa era feito para 5 anos, e que se ao fim desse tempo os jogadores não dessem provas capazes eram dispensados. «No Harlem só entram vedetas, verdadeiros malabaristas. Nos bairros negros, onde se procura jogar assim, neste estilo, há sempre uma selecção cuidada», explicava o craque. Questionado pelo jornalista português se eram profissionais e como era o ordenado, Haynes respondia que sim, que eram profissionais, e que quanto ao ordenado além de terem todas as despesas pagas durante esta digressão internacional, ainda usufruíam de 10 dólares de vencimento por dia! A impressão que as estrelas do basquetebol dos States tiveram dos jogadores lusos foram ademais positivas, conforme nos contou nesta reportagem Rodrigues Teles, na sequência de uma troca de palavras com outro deus do basket, neste caso, Elliot Hansan. «Gostei dos portugueses. Parece até impossível como alguns rapazes, tão franzinos, se movimentam tão bem e nos imitam até em vários lances», contou aquele atleta, que elogiou ainda o público português: «Grande público. Gostou do trabalho das duas equipas americanas, vibrou, deu palmas entusiásticas. Bravo».

Nome grande do basquetebol português de então era Correia César, dirigente do Sporting, que nesta reportagem se mostrava satisfeito pelas casas esgotadas, quer no Porto, quer em Coimbra, quer em Lisboa, registadas para ver de perto os Harlem Globetrotters nesta sua primeira passagem por Portugal. Uma equipa que para Rodrigues Teles era composta por «maravilhosos jogadores que subjugam pela arte, rapidez, agilidade e ciência de colocação. Estes atletas ultrapassam a noção de jogadores de basquete. São ao mesmo tempo verdadeiros artistas!».

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