quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A grande vitória do hóquei em patins luso no Mundial de Montreux em 1948

Olivério Serpa com o troféu 
de campeão mundial
Na antecâmara de mais um Campeonato do Mundo de hóquei em patins - marcado em 2022 para a Argentina - abrimos as portas do nosso Museu para recordar a segunda sticada certeira de Portugal no troféu planetário mais cobiçado ao nível de seleções nacionais. Uma história que aconteceu em 1948, precisamente um ano depois dos lusos terem inscrito pela primeira vez - em Lisboa - o seu nome na lista de campeões mundiais. Entravámos na 4.ª edição do Mundial que pela segunda vez na sua ainda curta história tinha como palco uma cidade que eternamente estará ligada ao hóquei em patins: Montreux.

Popular a nível internacional pelo seu Festival de Jazz; por albergar estátua do falecido e icónico vocalista da banda Queen, Freddie Mercury; e claro, pelo hóquei em patins - onde é disputado anualmente o mítico Torneio de Montreux -, a cidade helvética recebeu nove seleções nesse ano de 1948 para disputar não só o Mundial como também o Campeonato da Europa, tendo em conta que na época ambas as competições se disputavam no mesmo torneio! Além da equipa da casa, a prova contou com a França, Espanha, Bélgica, Itália, Inglaterra, Holanda, Portugal e Egito, a única seleção não europeia. O certame, disputado entre os dias 24 e 30 de março de citado ano, foi desenrolado num sistema de "todos contra todos", sagrando-se campeã a seleção que somasse mais pontos ao longo deste mini-campeonato que tinha a particularidade de ter a competir o maior número de seleções (9) em quatro edições.

Na antevisão deste campeonato o jornalista da revista Stadium, Jorge Monteiro, opinava que a tarefa dos lusos para renovar o título não se afigurava fácil, tendo em conta que estes iriam ter pela frente oito turmas «qual delas a melhor apetrechada para o assalto, que certamente lutarão estoicamente para destronarem os campeões». Apesar deste aviso, o jornalista frisava que mesmo perante a forte concorrência não se devia duvidar da nossa seleção, lembrando que a crise moral dos portugueses na sequência de uma recente derrota ante o vizinho e eterno rival, a Espanha, estaria sanada e que os hoquistas lusos eram bem capazes de regressarem da Suíça vitoriosos.

A comitiva lusa antes do embarque para 
a Suíça
«Tenhamos, portanto, confiança, e sobretudo fé no triunfo. Oh, quem dera! É que teria ainda muito mais valor por ser confirmado (o título) no estrangeiro», assim desejava Jorge Monteiro. Numa análise da concorrência o escriba da Stadium destacava Espanha, Bélgica, Itália e Inglaterra como seleções com possibilidade de chegar ao título, apontando ainda os estreantes Holanda e o Egito como verdadeiras incógnitas neste Mundial/Europeu.

Quis os sorteio que os lusos defrontassem no penúltimo dia da competição dois dos candidatos ao cetro mundial, a Espanha e a Itália, ao passo que para o derradeiro dia do campeonato Portugal media forças com outra das grandes potência da modalidade na altura, a Inglaterra, duas vezes campeão mundial.

Para Montreux o selecionador nacional José Prazeres levava os seguintes jogadores: Emídio Pinto, Manuel Soares, Olivério Serpa, Sidónio Serpa, Jesus Correia, Correia dos Santos, Cipriano Santos, e António Raio. Em relação ao Mundial de 47 duas novidades na convocatória, Raio e Manuel Soares, que substituíam António Soares e Álvaro Simões.    

A seleção nacional que em 1948 sagrou-se bi-campeã mundial

A Stadium esteve no Aeroporto da Portela para se despedir da comitiva lusa, que integrava ainda o árbitro Martins Correia, tendo trocado algumas palavras com os nossos selecionados. «Confiantes, contagiando com o seu entusiasmo todos quantos os foram ver partir ao Aeroporto da Portela, os rapazes do grupo nacional de hóquei instalaram-se no potente avião da KLM, sorridentes e garantindo-nos que hão-de regressar vitoriosos (...) José Prazeres, o selecionador nacional, garantiu-nos que: os rapazes vão cheios de fé e animados pela confiança na vitória. Manteremos o nível de classificação compatível com os lugares conquistados anteriormente. E posso-lhe garantir que defenderão o título com o maior entusiasmo (...) Regressarão campeões? Porque não? No entanto é sempre arriscado fazerem-se prognósticos num torneio de tanta responsabilidade como este campeonato do Mundo. Mas há um pormenor que lhe posso garantir: a equipa regressará honrada pelas suas exibições e o nome do nosso país será em Montreux condignamente representado por este grupo de rapazes plenos, de entusiasmo, de fé, e especialmente bem portugueses». Na despedida à seleção lusa uma adepta muito especial, a avó de Olivério Serpa, um dos craques da nossa seleção, uma senhora que do alto dos seus 90 anos nunca falta a um evento de hóquei em patins, de acordo com a Stadium. Olivério Serpa que era o capitão da turma lusa, ele que à reportagem da revista deixava claro que a equipa nacional ia para a Suíça «com coragem e energia suficientes para defendermos o nosso título de campeões. Concordo que a empresa é de grande responsabilidade, mas não será surpresa se regressarmos com o honroso título com que agora seguimos para Montreux».

Um jogo desse Mundial de 48
E os lusos não defraudaram as expetativas, tendo saído da Suíça com o título de campeão no bolso. Foi uma caminhada quase imaculada, e quase porque não fosse a derrota na última jornada com a Inglaterra, Portugal teria conquistado este bi-campeonato mundial de forma invicto. Para a Stadium este triunfo foi mais especial que o de 1947 pela simples razão que foi conquistado fora de portas, e de forma admirável. A citada revista referia mais à frente na sua reportagem que este torneio internacional havia sido o melhor de sempre - até então -, já que foram batidos vários recordes, desde logo o da assistência, em grande número. Mas também a nível de resultados o campeonato foi memorável, tendo a Inglaterra batido o seu recorde de maior goleada em Mundiais no jogo com a Holanda (17-0), e Portugal também a estabelecer novos recordes "pessoais" em termos de scores avolumados nos encontros com a Holanda (15-0) e Egito (13-0). Recorde também no número de golos marcados em toda a prova: 288, «uma média alta, quando numa dúzia de campeonatos anteriores se tinham feito 1315, menos de metade, em média, por ano, em relação ao torneio de 1948», referia a título de curiosidade a Stadium.

O presidente da Federação Internacional 
entrega a taça a Olivério Serpa
Portugal entrou para a última partida com os ingleses já campeão do Mundo, tendo em conta que na dupla jornada da véspera havia batido a Espanha e a Itália pelo menos resultado (3-1), de nada afetando pois o desaire por 1-2. Portugal terminou o Mundial em 1.º lugar , com 14 pontos, os mesmos que os ingleses, mas com vantagem no número de golos marcados e sofridos. Os lusos somaram sete triunfos, de forma mais concreta, ante a Espanha (3-1), perante a Itália (3-1), diante da França (6-0), da Suíça (5-4), da Bélgica (10-0), e os já referidos triunfos antes os estreantes Egito e Holanda, que foram, respetivamente, os dos últimos classificados deste campeonato.

A receção aos campeões do Mundo foi apoteótica em Lisboa. A comitiva lusa seria homenageada, já em solo luso, dias mais tarde, num Pavilhão dos Desportos repleto de público. Ainda na pista do Aeroporto da Portela os jogadores foram agarrados por uma multidão em profunda euforia e levados em ombros como verdadeiros heróis. «Através das ruas de Lisboa, entre filas de povo, de gente de todos os setores sociais, os triunfadores não cessavam de receber aclamações. E a manifestação culminou em apoteose - que era ainda a do primeiro ato de uma grande peça... quando se atingiu o Ministério da Educação Nacional. Aí foi o delírio! Ao assomarem a janela do edifício - já depois de recebidos os agradecimentos da nação - os campeões do Mundo puderam verificar, com satisfação, quanto o seu feito era apreciado; a multidão em coro, sem que para tal tivesse sido solicitada, rompeu a cantar o hino nacional! Era Portugal inteiro a vibrar de contentamento pela voz humilde do povo de Lisboa!», retratava a Stadium que dava ainda conta que os primos Jesus Correia e Emídio Pinto foram também recebidos apoteoticamente em Paço de Arcos, a sua terra, e que o mesmo aconteceu em Sintra com Raio.  

A receção aos campeões no 
Ministério da Educação
No dia 7 de abril de 1948, o dia seguinte à chegada a Lisboa dos campeões, foi a vez do Pavilhão dos Desportos receber em euforia os triunfadores, numa sessão solene onde lhes foram entregues lembranças, como anéis de ouro, ou cigarreiras de prata. Além de que o Ministério de Educação Física atribuiu a cada jogador uma medalha evocativa do feito. Jorge Monteiro, o jornalista encarregue de cobrir esta receção, rematava a sua reportagem dizendo que os hoquistas lusos merecerem estes aplausos da nação, pois honraram Portugal e dignificaram o desporto e que «bem merecem, por conseguinte, da pátria que lhes foi berço e que não os deve olvidar - como heróis que são das atualidades desportivas. Embaixadores do melhor quilate, desportistas da mais fina gema, os campeões do Mundo de hóquei em patins podem ufanar-se de si e do seu nome de portugueses!».