1980: CDUL
O que
para muitos seria impensável (ou não!) aconteceu há precisamente 25 anos no
universo do basquetebol nacional. Um pequeno clube lisboeta surpreendeu (ou
não, lá está) o país basquetebolístico ao fazer a dobradinha na temporada de
97/98. Por outras palavras, sagrou-se campeão nacional e venceu a Taça de
Portugal, os dois principais troféus do basket português. E este feito ainda
hoje tem contornos de conto de fadas se atendermos ao facto de ter acontecido
numa altura em que o Benfica, por exemplo, vivia o seu melhor período da
história no âmbito desta modalidade, já que entre 1988 e 1995 havia sido sete
vezes consecutivas campeão nacional sob a batuta de lendas como Pedro Miguel,
Jean-Jacques, Carlos Seixas, Steve Rocha, ou o imortal Carlos Lisboa; mas
também num período que via renascer o FC Porto como um gigante da modalidade,
visto que nas duas temporadas anteriores a 97/98 os portistas interromperam o
reinado benfiquista no que diz respeito ao campeonato nacional.
Não se pense, porém, que este pequeno clube da capital era um pobre coitado no então panorama do basquetebol português, nada disso, já que partiu para 97/98 nas asas de um grupo forte, talentoso, experiente e capaz de bater o pé a muito boa gente. Mas seria isso suficiente para alcançar o brilharete alcançado? Pelos vistos foi.
Esta introdução serve para recordar a epopeia do Centro Recreativo Estrelas da Avenida, que em 97/98 escreveu a sua página de (maior) glória. Clube com fortes tradições no basquetebol, o Estrelas da Avenida concretizou na referida época a "ameaça" que vinha fazendo nos anos anteriores, ou seja, inscrever o seu nome no palmarés das principais competições nacionais. A primeira tentativa de o fazer havia sido em 85/86 quando o Estrelas, então na 2.ª Divisão Nacional, caiu aos pés do FC Porto na final da Taça de Portugal, por 119-76, numa final disputada em Coimbra. Uma temporada mais tarde o Estrelas da Avenida sobe à 1.ª Divisão Nacional e por uma "unha negra" não vence o título do segundo escalão, sucumbindo às mãos do Esgueira. Esta subida ao patamar mas elevado do basket nacional era então o maior feito de um clube que havia sido fundado apenas cerca de 10 anos antes - mais concretamente em abril de 1976 - e com apenas 600 associados! Rapidamente o clube da freguesia da Penha de França tornou-se querido e popular entre os lisboetas... e apetecido para muitos basquetebolistas de renome prosseguirem a sua carreira fora do "circuito" dos grandes clubes nacionais. Na entrada para os anos 90 o Estrelas consolidou-se como um clube de "primeira" (divisão) e passo a passo foi rumo ao sonho concretizado em 1998. E para agarrar o sonho o Estrelas da Avenida foi comandado por aquela que é provavelmente a melhor dupla de treinadores da história do basquetebol nacional, composta por Mário Palma (treinador-principal) e Mário Gomes (treinador-adjunto). Ambos tinham conduzido o Benfica à glória ao longo das seis temporadas anteriores. Tecnicamente bem comandado o clube da Penha de França contou nessa temporada, e como já referimos, com nomes sonantes do basket nacional, casos de Henrique Pina (base), Artur Cruz (extremo/poste), ou o brasileiro Flávio Nascimento (extremo), três nomes que enquanto antigos jogadores do Benfica comandado por Mário Palma haviam tido a experiência de ser campeões nacionais da 1.ª Divisão. A estes nomes juntavam-se, por exemplo, os espanhóis Joaquín Arcega (base/extremo) e Juan Barros (extremo/poste), que traziam consigo a qualidade do competitivo a nível internacional campeonato de Espanha, quiçá já então o melhor campeonato nacional a nível europeu. Além disso, qualquer equipa de basket que se preze tem de ter pelo menos um atleta norte-americano nos seus quadros para conferir qualidade e competitividade, ou não fosse os Estados Unidos da América a potência mundial do basket. Pois bem, o Estrelas da Avenida de 97/98 tinha três artistas norte-americanos de "primeira água", casos de Doug Muse (poste), Terrence Rayford (poste), e Wayne Englestad (extremo/poste). A estes nomes juntam-se os de Daniel Guedes (base), Arlindo Neves (base), Luís Simão (extremo), Roberto Silva (extremo), Alex Bento (base), Paulo Agostinho (extremo/poste), Paulo Simão (base/extremo) e Bruno Trinchante (extremo/poste), e eis que estamos perante o plantel que conduziu o Estrelas da Avenida à glória.
Em termos mais concretos, o emblema lisboeta fez uma fase regular do campeonato nacional absolutamente brilhante, terminado esta primeira etapa no 3.º lugar, com 20 vitórias e 6 derrotas, e com 46 pontos, os mesmos que o segundo colocado e campeão nacional em título, o FC Porto, e apenas a um do primeiro classificado, a Oliveirense. Atrás do Estrelas vislumbravam-se potências do basquetebol nacional de então, casos do Benfica, da Portugal Telecom, ou da Ovarense. E seria precisamente diante de um projeto que viria dar frutos (títulos) nos anos seguintes que o Estrelas da Avenida deu início à sua caminhada na fase dos play-off. O clube da Penha de França vence a Portugal Telecom nos quartos de final desta fase a eliminar e marca encontro com o FC Porto na ronda seguinte. E o que se viu foi o campeão nacional em título vergar-se à magnífica equipa lisboeta, que no quinto e decisivo jogo da eliminatória venceu em Almada (a sua casa ao longo deste trajeto de glória) por 77-70, assegurando assim a presença na final do campeonato.
Por esta altura, já muitos apontavam o Estrelas da Avenida como sério candidato ao título, já que no meio da eliminatória com os portistas os pupilos de Mário Palma haviam conquistado a Taça de Portugal, após derrotarem o Benfica por 87-86. Na final da 49.ª edição da taça, realizada no Pavilhão do Seixal, o Estrelas saiu para o intervalo em desvantagem, por 38-45, mas uma sensacional recuperação no segundo tempo assegurou a conquista do primeiro título de cariz nacional para o emblema da Penha de França. E seria pois com a moral em alta que os rapazes de Mário Palma chegaram à final do campeonato nacional, onde teriam como opositores a Ovarense. E tal como na meia-final dos play-off foi necessário um quinto e decisivo jogo para encontrar o campeão nacional, partida essa que o Estrelas iria vencer por 71-63 e carimbar assim o título. A partida decisiva foi disputada num Pavilhão de Almada completamente cheio, que testemunhou a conclusão de uma época de ouro para o emblema da capital. O Estrelas da Avenida que até entrou melhor nesta eliminatória final, conquistando duas vitórias nos dois primeiros jogos. Porém, a perda de uma das suas unidades mais influentes, o norte-americano Wayne Englestad, que acusou positivo num controlo anti-doping, fez a equipa de Mário Palma quebrar nos dois encontros seguintes, como se comprovam as vitórias da Ovarense e o consequente empate na eliminatória. Porém, na "negra" o Estrelas foi a equipa mais serena, menos tensa e que aguentou melhor a pressão, nas palavras do técnico Mário Palma, que desta forma vencia o seu sexto título de campeão nacional. "Ao longo da época fomos a melhor equipa", dizia Palma no rescaldo desta grande fábula em que David venceu (vários) Golias.
No mês em que em Tóquio arrancou a XXXII Olimpíada da Era Moderna, estivemos à conversa com uma figura que conhece como ninguém a sensação única do que é participar num evento desta dimensão. E para orgulho de todo nosso concelho ele é de cá. Falamos de José Magalhães, atleta olímpico (na disciplina de marcha) do Alfenense que esteve presente nos Jogos de Barcelona (1992) e de Atlanta (1996) na disciplina de marcha. Nesta entrevista, o atleta, recorda com saudade - e com uma ou outra mágoa - as suas presenças naquele que foi o evento mais alto da sua carreira. José Magalhães, hoje com 66 anos, é igualmente o grande timoneiro da secção de atletismo do Alfenense, clube ao qual está ligado há 46 anos, e pelo qual foi por diversas vezes internacional, sendo que para além dos Jogos Olímpicos teve presenças em campeonatos do Mundo e da Europa, bem como em várias taças do Mundo e da Europa.
- Esteve presente em duas olimpíadas. Olhando para trás, arriscamos a dizer que este foi o ponto mais alto da sua carreira, ou não fosse a presença nos jogos o sonho de qualquer atleta (?)...
José
Magalhães (JM): Sim, sem margem de
dúvidas que para qualquer atleta é o ponto alto. Aliás, no final da minha
competição nos Jogos de Barcelona lembro-me de um jornalista me perguntar o que
é que eu desejaria naquele momento, ao que eu disse que desejava quer todas as
pessoas que fazem desporto, seja qual for a modalidade, que tivessem um dia a
sorte de estar nos Jogos Olímpicos, independente da classificação que viessem a
ter. Ainda hoje se eu pudesse não me importava de ir aos Jogos e ser o último
classificado, pois o importante é estar lá.
- A sua carreira no atletismo, porém, tem início muita dessas duas presenças olímpicas (?)...
JM: O início no atletismo deu-se em 1975 aqui no Alfenense, e até à data de hoje nunca parei. Fui um dos fundadores da secção de atletismo no Alfenense, juntamente com mais dois colegas, sendo que um deles ao fim de meio ano abandonou e o outro ao fim de dois anos casou-se e abandonou também e depois eu fiquei aqui sozinho. Mas voltando ao início, em 5 de maio de 1975 um colega organizou uma prova de atletismo ali na zona do Reguengo (Alfena) e como eu era alto e magro desafiou-me a correr. Eu na altura não sabia o que era o atletismo, só sabia que era correr. Um desses meus colegas ganhou a prova, eu fiquei em 6.º e outro em 12.º, e ficamos em 2.º lugar por equipas. Isso motivou-nos, pois afinal de contas sem sabermos bem o que era o atletismo até não tivemos assim resultados tão maus. Faltava-nos, contudo, saber o que era o atletismo. Foi então que fiz uns cursos de monitor e aí tirei umas dicas daquilo o que era na verdade o atletismo, que como se sabe tem 24 disciplinas olímpicas. Inscrevi-me depois no curso de treinadores a nível nacional, em Coimbra, onde tirei o curso de treinador em todas as disciplinas da modalidade. Eu, juntamente com o José Sousa e o António Magalhães, os outros dois colegas de que falei, começámos então a convidar para o Alfenense mais atletas, inclusive começámos a arrastar para aqui aqueles jovens que andavam na rua e felizmente posso dizer que foram esses os atletas que mais singraram a nível nacional anos mais tarde. Chegámos a ter aqui 50/60 miúdos, e faltou-me ter mais pessoas para me ajudar a coordenar essa gente toda. Eu recordo que cheguei a ter oito funções no clube, inclusive a de treinador. E como é que eu cheguei a atleta? No seguimento de treinar os miúdos eu exemplificava os exercícios e fazia-os também, e quando haviam provas eu levava os miúdos e também participava em provas para a minha faixa etária. Fazia isso no sentido de exemplificar que o desporto era para toda a gente, independente da idade, da altura, de ser magro ou gordo, ou da classificação que tirava. A minha preocupação foi sempre a de passar a mensagem de treinar, e naqueles intervalos que eu ensinava também competia para mostrar aos miúdos que independente do muito ou pouco treino que tenham o importante era participar. Recordo aliás que em meados dos anos 80 o Alfenense era o clube que mais atletas dava às seleções da Associação de Atletismo do Porto, em várias disciplinas, e isso dava-me gozo e motivava-me como treinador. Até que um dia comecei a integrar a marcha atlética dentro dos meus treinos, que foi a disciplina em que me distingui enquanto atleta, sendo que na primeira vez que fomos participar nos regionais de marcha levei uns miúdos e fiz também a prova de marcha. Lá fiz a prova, cheguei ao fim com algumas cãibras, mas pensei que se treinasse mais um bocadinho talvez conseguisse fazer mais alguma coisa! Até que um dia fiz o seguinte: disse aos jovens que treinava que nunca os iria abandonar, mas também tinha de arranjar um espaço de treino para mim. E então eu fazia o aquecimento com eles, trabalhava a técnica dos mais jovens, e ia metendo uns quilómetros nas pernas andando aqui às voltas. E à medida que fui metendo esses quilómetro nas pernas ia participando numa ou outra prova que ia aparecendo até que fui melhorando as marcas. Em 1989 comecei com 33 ou 34 anos a fazer marcha, e fui chamado para ir a um encontro internacional realizado na Corunha, ao serviço da seleção nacional, e ai é que eu vi a diferença de quem treinava e quem não treinava. Percebi que tinha de arranjar mais um bocadinho para treinar, mas nunca pude deixar de trabalhar, fiz muitos sacrifícios porque nunca abandonei os atletas que treinava.
- Voltando aos Jogos Olímpicos, que lembranças guarda tanto de Barcelona 92 como de Atlanta 96?
JM:
Ainda agora recentemente quando vi a comitiva portuguesa a ir para os Jogos de
Tóquio senti um arrepio, porque acho que ficou-me qualquer coisa por fazer. Como
já disse antes eu queria que toda a gente sentisse o que é estar nos Jogos, é lá
que estão quase todas as modalidades, há atletas que são bem pagos para lá ir e
há atletas que como eu pagam para lá ir. Mas os que vão lá são os melhores. Tanto
em Barcelona como em Atlanta eu senti-me na obrigação de acabar a prova, aliás,
nos Jogos de 92 disse que só me considerava atleta olímpico caso acabasse a
minha prova, caso contrário não, porque ir às Olimpíadas e não acabar a
competição acho que não faz muito sentido.
Felizmente
acabei as provas, mas se me perguntassem se gostava de ficar mais à frente
claro que sim, quem não gostava? Mas eu fui ciente de que o mais importante era
acabar a prova, e em 52 ou 53 atletas que participaram fiquei posicionado a
meio em ambas as presenças olímpicas. A parte menos positiva foi a
desconsideração que senti nos Jogos, e passo a explicar. Eu era atleta do Alfenense,
não era atleta dos chamados grandes clubes, e só por aí somos logo
desconsiderados, embora eu ache que os clubes pequenos também têm o direito de
ter atletas grandes e foi por isso que eu com 42 anos não aceitei uma proposta
do Benfica. Mas a desilusão aconteceu quando fui a Barcelona por culpa de um
jornalista. A história começa quando um individuo do Comité Olímpico Português (COP)
nos foi buscar ao aeroporto e levou-nos à Aldeia Olímpica. Dos cinco marchadores
que fomos para Barcelona três éramos estreantes. Os mais velhos eram o José Pinto,
do Belenenses, e o José Urbano, do Benfica,
e os estreantes eram eu, a Isilda Gonçalves, do Montijo, e a Susana Feitor,
do Rio Maior. Eu era o mais velho de todos. Quando chegámos à aldeia olímpica
fizemos o check-in, e como já era muito perto das 14H fomos almoçar ao
restaurante que ali existia. O membro do COP explicou-nos o funcionamento das
coisas na Aldeia Olímpica e disse-nos que lá fora estavam uns jornalistas que
queriam falar com os marchadores. O José Urbano e o José Pinto como já tinham
estado nos Jogos de Seul em 88 disseram que como nós éramos os estreantes em Olimpíadas
deveríamos dar as entrevistas, até porque eles já tinham dado entrevistas em
Portugal, e se fossem eles a conceder as entrevistas os jornalistas só queriam
falar com eles e não com nós. Acontece que quando eu e as miúdas chegamos ao pé
dos jornalistas, um determinado jornalista português bem conhecido virou-se
para o senhor do COP e disse: "então é isto o que você me trás para a
entrevista? Onde está o José Urbano e o José Pinto?" Aquilo caiu-me muito
mal. Fiquei revoltado e senti-me desprezado. Pensei que as pessoas fossem mais
educadas e soubessem respeitar quem cá estava. Deve haver respeito por todos,
porque só Deus sabe o que sacrifício que muitos fazem para estar lá. A minha
vontade foi logo de vir embora. Fiquei desnorteado. Por causa disso fiz umas
asneiras que não devia ter feito e que hoje reconheço como um erro, isto é, para
mostrar que aquele jornalista estava errado, num treino que fiz a seguir fiz a
minha competição, ou seja, dei tudo naquele treino. E quando fui para a
competição fui todo arrebentado (fisicamente). Serviu-me de lição, mas com
aquela frustração do que ouvi fiz um treino que não devia ter feito porque fui
todo roto para a prova. Mas também estava muito calor no dia da prova em
Barcelona, e só pedia a Deus para terminar, pois acabei todo roto. Conclusão, para
me tentar vingar de uma desilusão acabei por me matar. Ainda hoje sofro com
esta história.
- O que torna na sua opinião os Jogos Olímpicos uma competição tão especial?
JM:
Os Jogos Olímpicos têm lá toda a família desportiva, estão lá os melhores do Mundo, independente da classificação. Depois é o convívio entre todos, as
alegrias e as tristezas que são partilhadas. Vê-se atletas a ir às medalhas e a
chorar de alegria, e vê-se outros a chorar de tristeza porque não conseguiram
lá chegar. Mas o fundamental nos Jogos é aquele ser evento onde toda a gente
quer estar, é a alegria de estarem ali atletas de 200 e tal países, de conhecermos
pessoas, de convivermos.
- Barcelona, em 1992, foram os primeiros Jogos em que esteve, com que ilusão partiu para o evento, tendo em conta que era a primeira vez que pisava aquele que é considerado o maior palco desportivo mundial?
JM:
Antes de ir para Barcelona eu tinha falado com o José Pinto e o José Urbano,
com quem tinha feito um estágio de 10 dias antes dos Jogos, e eles já me tinham
dado umas dicas de que aquilo era como uma família mas que também havia muitas
desilusões, porque vamos todos a um sonho de fazermos o melhor. Quando parti
para Barcelona senti-me um menino, alegre e satisfeito, pois estava a cumprir
um sonho que nunca tinha sonhado, desde logo pela idade que tinha (37 anos),
pois estava ciente do que fazia e do que ia lendo, de que grandes atletas que
treinavam bem é que lá iam, e eu só treinava uma vez por dia, e não conseguia
fazer mais do que 70 quilómetros por semana e esses atletas faziam 150 quilómetros
por semana, e por isso estava ciente das dificuldades. De qualquer forma eu
estava ciente do que tinha treinado, ciente do que tinha conversado com pessoas
que já tinham estado em Jogos, só não estava preparado para chegar lá e ser mal
tratado pelo tal jornalista. O que é certo é que eu considero-me um felizardo
por ter estado nos Jogos, pois pelo desgaste físico que eu tinha no meu
trabalho, pelos treinos que tinha, e o pouco tempo que eu me dedicada a mim no
atletismo fui um felizardo. Posso dizer que o melhor brinquedo que eu podia ter
tido foi ter estado nos Jogos Olímpicos.
- Como foi viver pela primeira vez todo aquele ambiente olímpico, entrar no estádio na cerimónia de abertura, viver na aldeia olímpica...
JM:
Eu
felizmente tive a sorte de ter estado quer na abertura quer no fecho dos Jogos,
coisa que nem todos os atletas têm a sorte de fazer. Na abertura, em Barcelona,
no momento em que começou todo aquele espetáculo cerimonial que é costume fazer
e nós vestidos com os fatos da comitiva e olhar em volta e ver todas aquelas
cores das diferentes comitivas, senti-me um daqueles todos. Estavam ali os
melhores desportistas do mundo, e naquele momento senti-me parte daquela
família. Com profissionalismo ou amadorismo todos lutaram para ali estar. E
depois olhar ao redor e pensar na família e desejar que também estivessem ali
para partilhar a nossa felicidade, porque queiramos quer não a nossa família
também sofre.
- O facto de aparecer pela primeira vez nos Jogos com 37 anos, de competir com atletas mais novos, não o assustou?
JM:
Não. Eu costumo transmitir ainda hoje aos meus atletas que se esforcem para que
um dia tenham a sorte de lá estar, independente do que fazem no dia a dia e
dou-lhes o meu exemplo. O importante é chegar lá e não se assustarem com os
pergaminhos. Nunca é tarde para lá chegar. Claro que gostava de ter
experimentado mais cedo, mas de certa de forma o bilhete de identidade nunca me
assustou, pelo contrário, só me motivou. Passo sempre a mensagem aos jovens de
que nunca é tarde para lá chegar, o importante é não abandonarmos o objetivo a
meio do percurso.
- Quatro anos mais tarde em Atlanta aquele não era um ambiente novo para si, já era a sua segunda participação, mesmo assim com que expectativa chegou a estes Jogos?
JM:
Para Atlanta já me preparei melhor. Fui fazer um estágio a Manaus (Brasil) para
adquirir a condição atmosférica de Atlanta, para adaptação ao ambiente, que era
muito idêntico. Estive lá duas semanas e fui para Atlanta convicto de que ia
tirar um melhor resultado do que tirei em Barcelona, onde fui 26.º. Acontece
que sem querer arranjar desculpas fiquei com gripe em Manaus devido a uma
estupidez minha. Isto é, depois de um treino que me correu às mil maravilhas
fui ter com o massagista e fiquei debaixo de um ar condicionado que ele tinha
no quarto. Fiquei uma hora debaixo do ar condicionado fresquinho quando tinha
acabado de fazer 25 quilómetros de treino. À conta disso fiz os 50 quilómetros
da prova em Atlanta com 39 graus de febre. Os médicos não queriam que eu
participasse mas eu quis participar. Parti, mas o corpo não reagia, mas aí
também a minha convicção era ganhar aos desclassificados e aos desistentes e chegar
ao fim. Fiquei em 27.º. Vim embora desanimado, ia fazer 42 anos, e disse para
mim que ficava por ali e que me ia dedicar ao trabalho, percebi que a sorte não
estava do meu lado. Acabei por não fazer a marca de que estava à espera,
desanimei, e depois não fiz a época de inverno. Entretanto, havia a Taça do Mundo,
em Podebrady, na República Checa, e o técnico nacional ligou-me na tentativa de
moralizar-me, ao que eu lhe disse que já tinha 42 anos, estava cansado, Mas o
que é certo é que em janeiro comecei a treinar e em maio fui à Taça do Mundo
fazer os 50km e fiz a minha melhor marca de sempre. Ou seja, acabei por ter a
felicidade que não tive em Atlanta. Ainda hoje é a minha melhor marca, 3H57M,
mas preferia ter feito este tempo em Atlanta do que na República Checa.
- O José Magalhães, se não estamos em erro, foi o primeiro atleta do Concelho de Valongo a estar presente nos Jogos, mas não foi o único, houve outros que também representaram as cores do Alfenense a participar. Como se explica o facto de o Alfenense ter projetado tantos atletas para as Olimpíadas?
JM: Sinceramente não sei se no atletismo houve mais alguém antes de mim, mas não quero que seja o último, quero que vá mais gente, porque é bom para o concelho e é sinal que temos atletas de eleição no concelho. Depois de mim houve atletas do concelho que também estiveram presentes em Jogos, casos do António Pereira e do Augusto Cardoso, atletas que nasceram no Alfenense, sendo que ambos treinaram comigo, iniciaram aqui o atletismo enquanto jovens e depois saíram para outros clubes. Simplesmente gostaria que tivessem continuado no Alfenense. Tivemos três atletas olímpicos mas também tivemos mais atletas internacionais saídos daqui. No entanto, é preciso ter gente, recursos humanos, em vários pontos do concelho, e em qualquer ponto é preciso haver o mínimo de condições para desenvolver a modalidade, coisa que não temos. Uma das coisas que tive é que fui teimoso e nunca quis sair do Alfenense, mas entretanto, estes jovens quando começam a fazer coisas interessantes são assediados por outros clubes que lhes proporcionam outras condições que não têm aqui. No Alfenense nunca tivemos uma verba destinada para o atletismo, e posso garantir que há clubes na Área Metropolitana do Porto que recebem 20.000/25.000 euros por ano de apoio ao atletismo. Não é com 500 ou 1000 euros que temos para gastar com o atletismo, sendo que muitas vezes as despesas são feitas pelos atletas, que vamos ter aqui uma boa equipa e manter os atletas aqui. Atualmente não temos muitos atletas no Alfenense porque falta aqui um espaço que eu já tive e que agora não temos. E não é pegar nos miúdos e leva-los para a estrada, porque não é na estrada que se trabalha as várias disciplinas do atletismo, que se consegue tirar proveito da capacidade de cada atleta. É preciso ter um espaço, e as pessoas têm que entender de uma vez por todas que o atletismo não é na rua nem no monte. O concelho de Valongo e o Alfenense tem de entender de uma vez por todas que se querem continuar com o atletismo têm de criar espaços e nós até temos condições para criar esse espaço. Enquanto o Alfenense teve aqui só futebol sénior e júnior, em que eles começavam a treinar às 19H00, eu antes disso utilizava o campo para treinar as disciplinas todas e até tinha ali uma caixa de saltos que depois me tiraram. A certa altura começaram com a formação (do futebol) no Alfenense e encostaram-nos para canto, fizeram tudo por tudo para que o atletismo acabasse no clube. Não sei porquê. Atenção que eu volto a dizer que não tenho nada contra o Alfenense, posso ter é contra pessoas que passaram por aqui. Tiraram-nos a caixa de saltos e entretanto temos um campo de futebol junto ao estádio em que nos foi prometido que um dia que houvesse condições se iria fazer ali umas retas, um círculo de lançamentos e umas caixas de salto. Tínhamos ali um espaço para ter uma escola de atletismo, estava tudo prometido e planeado, o certo é que um dia disseram-me que já não iam fazer ali as condições para o atletismo, e fizeram ali uma bancada. Estamos a perder atletas no concelho ao não trabalhar certas disciplinas do atletismo. Dou-lhe outro exemplo, temos ali o Parque do Leça, sendo que gostava de ver naquele espaço o formato de uma pista de atletismo, tem espaço para fazer o formato de uma pista, para fazer lançamentos e uma caixa de saltos, mantinha a beleza do parque na mesma, era uma forma de as pessoas irem caminhar lá, mas também uma forma de atrativo de os jovens saberem o que era o atletismo. Não existem infraestruturas no concelho para o verdadeiro atletismo. Depois como queremos que haja atletas olímpicos quando não têm condições?
Nota: esta entrevista foi realizada por mim em julho de 2021, a escassos dias do início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, para um jornal local de Ermesinde.
Os azuis do Restelo, na condição de campeões nacionais, derrotaram o campeão espanhol, o U.E. Santboiana, por 15-45, no Estádio Baldiri Aleu, em Sant Boi (Espanha).
A Taça Ibérica é a prova mais relevante em que as equipas portuguesas podem competir a nível internacional.
Para a história do rugby nacional e do Belenenses ficam os nomes de João Mirra (treinador), Anthony Kent, Miguel Nunes, Joaquim Dominguez, Guillermo Lawrie, António Machado Santos, Manuel Worm, José Galamba, Salvador da Cunha, Manuel Lima, Manuel Pinto, Salvador da Cunha Jr., André da Cunha, David Wallis, Tomás Sequeira, Pedro Lucas, Francisco Menéres, Duarte Azevedo, Manuel Menéres, Diogo Rodrigues, Owen Jenkins, Rodrigo Freudenthal, José Santos, António Cunha, Manuel Marta e Sebastião da Cunha (todos eles jogadores).
O Belenenses junta-se assim ao Benfica (campeão em 1971, 1987, 1989 e 2002), Direito (campeão em 2000, 2003, 2013 e 2015), Cascais (campeão em 1993, 1994 e 1997), CDUL (campeão em 1984, 1985 e 2012), Académica de Coimbra (campeã em 1998) e Agronomia (campeão em 2008) na lista de equipas nacionais a vencer a Taça Ibérica.
Olivério Serpa com o troféu de campeão mundial |
Popular
a nível internacional pelo seu Festival de Jazz; por albergar estátua do
falecido e icónico vocalista da banda Queen, Freddie Mercury; e claro, pelo
hóquei em patins - onde é disputado anualmente o mítico Torneio de Montreux -,
a cidade helvética recebeu nove seleções nesse ano de 1948 para disputar não só
o Mundial como também o Campeonato da Europa, tendo em conta que na época ambas
as competições se disputavam no mesmo torneio! Além da equipa da casa, a prova
contou com a França, Espanha, Bélgica, Itália, Inglaterra, Holanda, Portugal e
Egito, a única seleção não europeia. O certame, disputado entre os dias 24 e 30
de março de citado ano, foi desenrolado num sistema de "todos contra
todos", sagrando-se campeã a seleção que somasse mais pontos ao longo
deste mini-campeonato que tinha a particularidade de ter a competir o maior
número de seleções (9) em quatro edições.
Na
antevisão deste campeonato o jornalista da revista Stadium, Jorge Monteiro, opinava que a tarefa dos lusos para
renovar o título não se afigurava fácil, tendo em conta que estes iriam ter
pela frente oito turmas «qual delas a
melhor apetrechada para o assalto, que certamente lutarão estoicamente para
destronarem os campeões». Apesar deste aviso, o jornalista frisava que
mesmo perante a forte concorrência não se devia duvidar da nossa seleção, lembrando
que a crise moral dos portugueses na sequência de uma recente derrota ante o
vizinho e eterno rival, a Espanha, estaria sanada e que os hoquistas lusos eram
bem capazes de regressarem da Suíça vitoriosos.
A comitiva lusa antes do embarque para a Suíça |
Quis
os sorteio que os lusos defrontassem no penúltimo dia da competição dois dos
candidatos ao cetro mundial, a Espanha e a Itália, ao passo que para o
derradeiro dia do campeonato Portugal media forças com outra das grandes potência
da modalidade na altura, a Inglaterra, duas vezes campeão mundial.
Para
Montreux o selecionador nacional José Prazeres levava os seguintes jogadores:
Emídio Pinto, Manuel Soares, Olivério Serpa, Sidónio Serpa, Jesus Correia, Correia
dos Santos, Cipriano Santos, e António Raio. Em relação ao Mundial de 47 duas
novidades na convocatória, Raio e Manuel Soares, que substituíam António Soares
e Álvaro Simões.
A seleção nacional que em 1948 sagrou-se bi-campeã mundial |
Um jogo desse Mundial de 48 |
O presidente da Federação Internacional entrega a taça a Olivério Serpa |
A receção aos campeões do Mundo foi apoteótica em Lisboa. A comitiva lusa seria homenageada, já em solo luso, dias mais tarde, num Pavilhão dos Desportos repleto de público. Ainda na pista do Aeroporto da Portela os jogadores foram agarrados por uma multidão em profunda euforia e levados em ombros como verdadeiros heróis. «Através das ruas de Lisboa, entre filas de povo, de gente de todos os setores sociais, os triunfadores não cessavam de receber aclamações. E a manifestação culminou em apoteose - que era ainda a do primeiro ato de uma grande peça... quando se atingiu o Ministério da Educação Nacional. Aí foi o delírio! Ao assomarem a janela do edifício - já depois de recebidos os agradecimentos da nação - os campeões do Mundo puderam verificar, com satisfação, quanto o seu feito era apreciado; a multidão em coro, sem que para tal tivesse sido solicitada, rompeu a cantar o hino nacional! Era Portugal inteiro a vibrar de contentamento pela voz humilde do povo de Lisboa!», retratava a Stadium que dava ainda conta que os primos Jesus Correia e Emídio Pinto foram também recebidos apoteoticamente em Paço de Arcos, a sua terra, e que o mesmo aconteceu em Sintra com Raio.
A receção aos campeões no Ministério da Educação |
A seleção portuguesa que em 1992 sagrou-se campeã da Europa de cadetes |
Há
três décadas um título internacional de andebol, fosse me que escalão fosse era
motivo de festa, de orgulho... e de alguma estupefação. Pois bem, tudo isto
aconteceu em 1992, há precisamente 30 anos, quando a seleção nacional de
cadetes masculinos venceu o Campeonato da Europa da categoria, disputado em Winterthur
(Suíça).
Foi
a primeira edição do certame continental no escalão de sub-18/cadetes, e chegar
à fase final já era por si um feito heroico para o então modesto - a nível
internacional - andebol lusitano. Na fase de qualificação, disputada na cidade
francesa de Lyon, a seleção lusa afastou a França (vitória por 18-17) e a
Suécia (novo triunfo, desta feita por 25-14), duas potências da modalidade, há
que sublinhá-lo.
Perante
este feito Portugal integrava o lote de finalistas do 1.º Campeonato da Europa
de Cadetes da EHF (European Handball
Federation). Estar ali, entre as grandes potências do andebol continental
já era, para muitos, o prémio maior para esta jovem geração de atletas, brilhantemente
comandada pelo lendário técnico romeno Mirecea Costache, que enquanto jogador
foi campeão do Mundo em 1961 e 1964. Até porque o grupo que em sorte calhou aos
lusos não era pêra doce: Rússia, Alemanha
e Israel. Os andebolistas portugueses não se amedrontaram, pelo contrário, e no
primeiro jogo da fase final bateram por 21-17 uma seleção israelita que contava
com vários jogadores russos naturalizados. Mas a surpresa maior aconteceu na
jornada seguinte, com a potência mundial Rússia a ser derrotada pelos
portugueses por 19-13, e a partir daqui a Europa do andebol, pelo menos no
escalão de cadetes, começou a olhar com outros olhos para Portugal. Afinal, a
presença no Europeu não havia sido obra do acaso. Mesmo a derrota - injusta,
segundo críticos da época - com a outra superpotência em prova, a Alemanha,
por 21-22, não impediu os pupilos de Costache de seguirem para as meias finais
do campeonato. Nesta fase a eliminar seguiu-se outra grande potência europeia,
a Noruega, que foi despachada em mais uma épica partida por 28-27. E como quem
não quer a coisa, Portugal estava na grande final do Europeu, onde teria pela
frente uma Rússia com sede de vingança pelo desaire surpreendente na fase de
grupos.
E
o que aconteceu na grande final foi mais um capítulo épico. Após um empate no tempo
regulamentar (24-24), os portugueses venceram no prolongamento por 30-26, sagrando-se contra
todas as previsões campeões da Europa (!)... quando nem sequer eram candidatos
a estar na fase final. É esta a beleza do desporto, é uma "ciência"
imprevisível.
Para a história do andebol nacional ficam os seguintes nomes: Sérgio Morgado, Rui Nunes, Carlos Silva, Eduardo Filipe, Fernando Nunes, Miguel Póvoas, Rui Oliveira, Paulo Vieira, Armando Gonçalves, Miguel Fernandes, Jorge Menezes, Ricardo Viela, Marco Tonicher, Danilo Ferreira, Nuno Guerra, Lino Nunes, Hélder Leal e Mircea Costache - estes dois últimos treinadores. Todos eles os campeões europeus de cadetes masculinos em 1992.